Nada é menos plausível do que Cid delegar articulação para Ciro
Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
Desde 2006, pelo menos, não há qualquer grande decisão política no Ceará que não tenha passado, direta ou indiretamente, pelas mãos do hoje senador Cid Gomes (PDT).
Depois de se eleger governador naquele ano – e de se reeleger em seguida –, Cid esteve por trás de articulações que deram coesão à aliança que reelegeria Luizianne Lins (PT) para a Prefeitura de Fortaleza em 2008.
Também costurou os acordos que terminariam por romper o pacto com a então prefeita, em 2012, na esteira dos quais lançou o jovem deputado estadual e presidente da AL-CE, Roberto Cláudio, ao Paço.
Antes disso, Cid tentou preservar entendimento com o senador Tasso Jereissati (PSDB), que pleiteava novo mandato no Legislativo em 2010, mas acabou sendo preterido pelo grupo político de Ciro Gomes.
Em 2014, lá estava Cid novamente, agora cacifando o então secretário de Cidades, Camilo Santana (PT), como seu candidato à sucessão, que sairia das urnas vitorioso nessa disputa e também em 2018, permanecendo até 2022.
Em seu lugar, Camilo deixou Izolda Cela (PDT), ex-secretária da Educação do próprio Cid e nome do gosto de outro Ferreira Gomes – Ivo, prefeito de Sobral.
Nesse percurso, Cid pode ter ampliado o leque de interlocutores e até mesmo submetido decisões ao conjunto de aliados, disso extraindo uma posição. Mas jamais esteve ausente, tampouco transferiu o papel que ele cumpre no grupo melhor do que qualquer outro: contornar impasses, não criá-los.
Não é plausível, portanto, que, justamente agora, numa das eleições mais importantes do grupo que ele mesmo ajudou a construir, Cid se afaste, sendo representado nas tratativas intrapartidárias por seu irmão, Ciro.
Foi isso que declarou nesta segunda-feira (11) o presidente estadual do PDT e deputado federal, André Figueiredo, durante coletiva de imprensa na sede da legenda que sucedeu a uma nova rodada de conversas entre Ciro e deputados da sigla trabalhista.
Questionado por jornalistas sobre o distanciamento persistente do senador e principal articulador político do bloco, Figueiredo respondeu: “Cid pediu, nesses momentos finais, para que o Ciro o representasse. Ciro tem visto que o Ceará merece toda a atenção. E ele, como mais experiente, trouxe para si a responsabilidade de me ajudar nessa coordenação”.
Faz sentido que Ciro veja nas eleições para o Governo do Ceará neste ano uma disputa cujo resultado é central para a manutenção do projeto político que integra e para o seu próprio futuro. O que não é provável é que Cid tenha lhe dado procuração para tocar os trabalhados da aliança em seu nome e, bom observar, a seu modo – embora irmãos, eles têm divergências e métodos particulares.
O senador está sumido dos debates no PDT sobre a escolha do candidato ao Abolição desde abril, e isso, por si só, é significativo. De lá para cá, não se manifestou nem fez saber o que pensa sobre o enfrentamento, interno e externo, que opõe, de um lado, Izolda, e, do outro, o ex-prefeito Roberto Cláudio, os dois mais competitivos para concorrer pelo governismo.
Nesse intervalo, a aliança entrou em processo autofágico, com lances públicos de animosidade e acusações mútuas de traição expostas pelas redes sociais, num litígio partidário que tem tudo para causar estrago a quem quer que seja o escolhido para encabeçar a chapa.
Paralelamente, Camilo passou a capitanear um verdadeiro movimento pró-Izolda, que inclui conversas com deputados do PDT e de outras legendas aliadas, além de lideranças e segmentos da sociedade civil – o manifesto assinado por 28 parlamentares na semana passada é fruto direto desse trabalho do ex-governador e de seu entorno.
No último fim de semana, uma onda de apoios de prefeitos cearenses à atual governadora desaguou por Twitter, Instagram e Facebook, com uma avalanche de “prints” circulando no sábado e no domingo.
É possível que tudo isso tenha se dado unicamente como demonstração de força operada por Camilo, agindo sozinho e a favor da reeleição da chefe do Executivo, numa ofensiva manejada na tentativa de pressionar o PDT a acolher uma candidatura que, segundo o entendimento dele, é uma “questão de justiça” e tem por mérito a preservação da aliança.
Mas eu não descartaria que, mesmo calado e distante, Cid esteja afinado com o petista, como quase sempre esteve nos últimos oito anos, e que, nesse tempo transcorrido, tenha mantido alguma interlocução com o ex-governador.
Afinado significa que Cid partilharia do ponto de vista de Camilo, qual seja, o de que Izolda tem direito de ser candidata. Não é despropositado supor que sua ausência, nesse caso, sinalizaria não para uma falta de posicionamento, mas para uma direção assumida que contraria a pretendida por Ciro.
O afastamento do senador, então, tem de ser entendido não como incógnita ou um virtual desentendimento com o pupilo, mas como uma saída encontrada por ele para evitar uma discordância em campo aberto com o próprio irmão.
Política como cenário. Políticos como personagens. Jornalismo como palco. Na minha coluna tudo isso está em movimento. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.