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As armadilhas para Evandro Leitão
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Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.

As armadilhas para Evandro Leitão

A atualização do Plano Diretor, em compasso de espera desde 2019, é um grande desafio para Evandro Leitão ante uma cidade que se redesenha por instrumentos a exemplo da outorga onerosa
NO vácuo da atualização do Plano Diretor, a outorga onerosa redesenha a cidade (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE NO vácuo da atualização do Plano Diretor, a outorga onerosa redesenha a cidade

Embora tenha até aqui se mostrado zeloso com a capital cearense, o prefeito Evandro Leitão (PT) tem desafios diante de si, dos quais talvez o mais importante seja a atualização do Plano Diretor Participativo (PDP) de Fortaleza. Formulado em 2009, no início do segundo mandato de Luizianne Lins, sua colega de partido, o documento está por ser reavaliado desde 2019, sem qualquer avanço.

A partir de 2015, porém, com a aprovação de duas leis que regulamentaram a outorga onerosa prevista no próprio Estatuto da Cidade, a metrópole foi sendo redesenhada pelo uso (abusivo e privatista, a meu ver) do instrumento, que concede poderes excessivos a construtoras para impor um tipo de relação com o espaço físico - saem os empreendimentos mais abertos e dinâmicos, em consonância com os parâmetros fixados pela legislação, e entram espigões que se espicham em áreas já densamente povoadas, com escassez de terrenos, mas larga oferta de serviços providos pelo Estado.

Cabe perguntar, então, sobre como o novo PDP da gestão de Evandro deve lidar com o problema das construções outorgadas, isto é, se deve discipliná-las ou se vai continuar esse "laissez faire" que vigora atualmente.

Prejuízo para a cidade

Em tempo: mesmo a arrecadação mediante pagamento pelas empresas (valores inexpressivos em face dos lucros obtidos nessas operações, conduzidas por três ou quatro imobiliárias/incorporadoras locais que disputam vorazmente esse mercado do luxo) não justificaria a leniência com esse tipo de modalidade - uma espécie de anomalia urbana que só é possível em parte porque o plano diretor está defasado, em parte porque essas brechas exploradas de 2015 até agora permitem que a região da orla fortalezense (mas também bairros como Aldeota, Meireles e Mucuripe) se torne lócus de acesso restrito, com vocação para edificações de altíssimo padrão e grande impacto socioambiental.

"Feudalização" urbana

Há ainda uma questão de fundo que requer debate que não foi feito porque os processos de modelagem do espaço se dão de afogadilho, sob pressão do lobby de construtoras e cumplicidade parlamentar: a outorga impõe, digamos assim, uma espécie de lógica da demolição. Nela, os imóveis mais antigos cedem a vez para os mais novos, erguidos nessa área nobre com gabarito e índices de aproveitamento generosos, tudo legal e amparado no vácuo de um plano diretor convenientemente caduco.

Daí à popularização dos "superprédios" (um paradoxo, já que a ideia aqui é a de exclusivismo) foi um passo. Fortificação "feudalizada", com infraestrutura defensiva à altura dos anseios de proteção de sua clientela, essa moradia ultraverticalizada aprofunda desigualdades porque faz tabula rasa das regras, capturando para si tanto o atributo natural (vista para o mar, vento etc., que passam a compor propriedade dos moradores daquela torre única) quanto o social (reformas da Beira Mar levadas a cabo pelo poder público, por exemplo).

Sem retrocesso

Considerado tudo isso, as armadilhas que se apresentam para Evandro dizem respeito sobretudo a conquistas já asseguradas para Fortaleza, uma das quais é sem dúvida o avanço na mobilidade, com mais protagonismo do transporte coletivo. Ou seja, uma flexibilização nos corredores de ônibus, para citar apenas um caso, seria claramente um retrocesso.

Outra casca de banana para o gestor da quarta maior capital do País - prestes a completar 300 anos - é revisar seu planejamento preservando equívocos que têm servido mais às estratégias do mercado imobiliário do que ao interesse público.

 

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