Hugo de Brito Machado Segundo é mestre e doutor em Direito. Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET) e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Professor da Faculdade de Direito da UFC e do Centro Universitário Christus. Visiting Scholar da Wirtschaftsuniversität, Viena, Áustria.
Qualquer tentativa de protelar o pagamento de condenações judiciais, mesmo veiculada em emenda constitucional, é inválida. Contraria o núcleo essencial da Constituição, a começar pela própria ideia de Estado de Direito
Tem sido bastante noticiada, nos últimos dias, a tramitação de uma Proposta de Emenda Constitucional destinada a flexibilizar e postergar o pagamento de precatórios, vale dizer, condenações judiciais impostas ao Poder Público por decisões transitadas em julgado.
Sem entrar aqui no absurdo que é, em um Estado de Direito, o devedor de uma condenação judicial decidir se, como, e em que termos cumprirá uma decisão judicial, é importante notar que esse assunto já foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal pelo menos duas outras vezes.
Em 2001, a Emenda Constitucional n.º 30 fracionou o pagamento de precatórios em dez anos, vale dizer, em dez parcelas anuais. Mas o Supremo Tribunal Federal, provocado pela ADI 2356, decidiu que a emenda teria violado “o direito adquirido do beneficiário do precatório, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Teria, ainda, atentado “ainda contra a independência do Poder Judiciário, cuja autoridade é insuscetível de ser negada, máxime no concernente ao exercício do poder de julgar os litígios que lhe são submetidos e fazer cumpridas as suas decisões, inclusive contra a Fazenda Pública, na forma prevista na Constituição e na lei” Por esses motivos, a emenda foi declarada inconstitucional.
Em 2009, seguiu-se nova tentativa de calote, desta vez pela Emenda Constitucional 62. Como a EC 30/2001 permitia a cessão de precatórios não pagos, o que criou um mercado em que precatórios eram vendidos com deságio, o Poder Público quis se aproveitar disso e ofereceu-se a pagar suas dívidas com mais rapidez àqueles que aceitassem receber – em um leilão – menos do que lhes havia sido reconhecido em juízo.
Também foi declarada inconstitucional, pelo STF, na ADI 4.425. Os motivos foram, basicamente, os mesmos pelos quais se considerou inválida a tentativa anterior: o calote contraria artigos da Constituição que nem mesmo por emenda podem ser modificados ou atenuados, como é o caso da separação dos poderes, do direito adquirido e da coisa julgada.
O recado, portanto, foi dado. E duas vezes. Qualquer tentativa de protelar o pagamento de condenações judiciais, mesmo veiculada em emenda constitucional, é inválida. Contraria o núcleo essencial da Constituição, a começar pela própria ideia de Estado de Direito.
Governantes não devem cumprir leis e decisões apenas quando quiserem. Ou nos termos que eles próprios estabelecerem. Nem deveria ser preciso um juiz a lhes obrigar a isso, o que lembra o quão simples e fácil é diminuir despesas com o pagamento de precatórios: basta cumprir a lei, de modo a que os cidadãos não precisem procurar o Judiciário para obter a reparação de seus direitos.
Mas por enquanto, diante do cenário atual, caso o Senado aprove a PEC, espera-se que pelo menos o STF respeite a autoridade de seus próprios precedentes, e invalide mais esta tentativa. Se ele próprio não tiver respeito por seus julgados, como poderá esperar isso dos outros?
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