Editor de Política do O POVO, escreve sobre Política Internacional. Já foi repórter de Esportes, de Cidades e editor de Capa do O POVO
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Gabriel Boric venceu no último domingo, 19, uma eleição chilena marcada por uma forte polarização e com ele e seu adversário, José Antonio Kast, tentando aplicar discursos moderados para atrair os eleitores mais ao centro. A partir de agora, o principal desafio do ex-líder estudantil é cicatrizar as feridas deixadas durante a campanha ao mesmo tempo em que tentará implantar as reformas socioeconômicas prometidas.
A principal bandeira de Boric sempre foi a promoção de um Estado de bem-estar social no país andino. E esse desafio exigirá do futuro presidente não só vontade, mas, principalmente, capacidade de dialogar com as diferentes forças políticas chilenas.
Nos últimos 50 anos, o Chile foi sonho, símbolo, espelho e paraíso para qualquer Paulo Guedes que tenha pisado algum dia neste planeta. Falar em neoliberalismo como conhecemos hoje é falar em Chile. Antes mesmo de Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos Estados Unidos nos anos 1980.
O modelo econômico neoliberal chileno é algo incrustrado na sociedade chilena desde a década anterior, durante a ditadura de Augusto Pinochet com os chamados “Chicago Boys”, grupo de jovens economistas chilenos que formularam a implantação do modelo. E que continuou nos 31 anos subsequentes da redemocratização até hoje. Portanto, tudo de bom e principalmente de ruim que aconteceu no modo de viver da sociedade chilena é fruto disso.
Se por um lado, foram colhidas as benesses de uma situação econômica quase sempre estável, por outro o custo foi o alto grau de endividamento dos mais pobres e da classe média para ter acesso a educação, saúde e previdência. Assim como um dos índices mais elevados do mundo de concentração de renda nas mãos dos mais ricos. A saturação desses problemas socioeconômicos é o núcleo dos protestos de outubro de 2019 que levaram à formação de uma Assembleia Constituinte.
O triunfo incontestável de Gabriel Boric (55,9% x 44,1%) representa uma quebra de paradigma na história chilena que não se via desde a vitória de Salvador Allende em 1970. No entanto, o futuro presidente mais jovem do Chile (ele tomará posse em março aos 36 anos) parece ter ciência que o caminho para esse Estado de bem-estar com expansão de direitos sociais é tortuoso e sensível a rupturas mais drásticas.
Tanto que, no discurso de vitória da noite de domingo em Santiago, Boric fez questão de enfatizar o cuidado que promete ter com a responsabilidade fiscal. A capacidade de diálogo do jovem futuro presidente com diferentes forças políticas e econômicas será posta à prova a partir do seu primeiro dia de mandato. E é o sucesso ou fracasso dela que dirá se o Chile entrará agora em uma era pós-neoliberal.
Cerca de 90 minutos após o fechamento das urnas, dois terços dos votos na eleição chilena já haviam sido contabilizados com Boric 11 pontos percentuais à frente de Kast. Embora matematicamente ainda fosse possível uma virada, ela era pra lá de improvável.
Pois bem, àquela altura da apuração, o candidato da extrema-direita já havia ligado para Boric, feito a declaração de reconhecimento do “grande triunfo” do adversário esquerdista e que o presidente eleito merece “todo nosso respeito e colaboração construtiva”. Na coluna da semana passada, falei do apreço que Kast tem com a ditadura pinochetista e de como os valores democráticos não foram defendidos ao longo de sua biografia política.
Em tempos não muito distantes, reconhecer uma derrota eleitoral era um evento de praxe aguardado durante a contagem de votos. Uma espécie de momento protocolar da disputa.
No Chile, o candidato que defendeu durante a campanha o legado de um dos períodos mais cruéis e desumanos do século XX surpreendeu pelo tom de civilidade em sua manifestação. E é quase impossível não perguntar: você acha que Jair Bolsonaro faria igual em caso de derrota em 2022?
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