Logo O POVO+
Chile, Boric e pós-neoliberalismo
Foto de João Marcelo Sena
clique para exibir bio do colunista

Editor de Política do O POVO, escreve sobre Política Internacional. Já foi repórter de Esportes, de Cidades e editor de Capa do O POVO

Chile, Boric e pós-neoliberalismo

Tipo Opinião
 Gabriel Boric, presidente do Chile (Foto: MARTIN BERNETTI / AFP)
Foto: MARTIN BERNETTI / AFP  Gabriel Boric, presidente do Chile

Gabriel Boric venceu no último domingo, 19, uma eleição chilena marcada por uma forte polarização e com ele e seu adversário, José Antonio Kast, tentando aplicar discursos moderados para atrair os eleitores mais ao centro. A partir de agora, o principal desafio do ex-líder estudantil é cicatrizar as feridas deixadas durante a campanha ao mesmo tempo em que tentará implantar as reformas socioeconômicas prometidas.

A principal bandeira de Boric sempre foi a promoção de um Estado de bem-estar social no país andino. E esse desafio exigirá do futuro presidente não só vontade, mas, principalmente, capacidade de dialogar com as diferentes forças políticas chilenas.

Nos últimos 50 anos, o Chile foi sonho, símbolo, espelho e paraíso para qualquer Paulo Guedes que tenha pisado algum dia neste planeta. Falar em neoliberalismo como conhecemos hoje é falar em Chile. Antes mesmo de Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos Estados Unidos nos anos 1980.

O modelo econômico neoliberal chileno é algo incrustrado na sociedade chilena desde a década anterior, durante a ditadura de Augusto Pinochet com os chamados “Chicago Boys”, grupo de jovens economistas chilenos que formularam a implantação do modelo. E que continuou nos 31 anos subsequentes da redemocratização até hoje. Portanto, tudo de bom e principalmente de ruim que aconteceu no modo de viver da sociedade chilena é fruto disso.

Se por um lado, foram colhidas as benesses de uma situação econômica quase sempre estável, por outro o custo foi o alto grau de endividamento dos mais pobres e da classe média para ter acesso a educação, saúde e previdência. Assim como um dos índices mais elevados do mundo de concentração de renda nas mãos dos mais ricos. A saturação desses problemas socioeconômicos é o núcleo dos protestos de outubro de 2019 que levaram à formação de uma Assembleia Constituinte.

O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, fala aos apoiadores após os resultados oficiais do segundo turno da eleição presidencial, em Santiago, em 19 de dezembro de 2021.(Foto: JAVIER TORRES / AFP)
Foto: JAVIER TORRES / AFP O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, fala aos apoiadores após os resultados oficiais do segundo turno da eleição presidencial, em Santiago, em 19 de dezembro de 2021.

O triunfo incontestável de Gabriel Boric (55,9% x 44,1%) representa uma quebra de paradigma na história chilena que não se via desde a vitória de Salvador Allende em 1970. No entanto, o futuro presidente mais jovem do Chile (ele tomará posse em março aos 36 anos) parece ter ciência que o caminho para esse Estado de bem-estar com expansão de direitos sociais é tortuoso e sensível a rupturas mais drásticas.

Tanto que, no discurso de vitória da noite de domingo em Santiago, Boric fez questão de enfatizar o cuidado que promete ter com a responsabilidade fiscal. A capacidade de diálogo do jovem futuro presidente com diferentes forças políticas e econômicas será posta à prova a partir do seu primeiro dia de mandato. E é o sucesso ou fracasso dela que dirá se o Chile entrará agora em uma era pós-neoliberal.

Quando a civilidade é surpresa

O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric (E), fala com seu rival de extrema direita Jose Antonio Kast após os resultados oficiais do segundo turno da eleição presidencial, em Santiago, em 19 de dezembro de 2021.(Foto: HANDOUT / GABRIEL BORIC CAMPAIGN PRESS OFFICE / AFP)
Foto: HANDOUT / GABRIEL BORIC CAMPAIGN PRESS OFFICE / AFP O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric (E), fala com seu rival de extrema direita Jose Antonio Kast após os resultados oficiais do segundo turno da eleição presidencial, em Santiago, em 19 de dezembro de 2021.

Cerca de 90 minutos após o fechamento das urnas, dois terços dos votos na eleição chilena já haviam sido contabilizados com Boric 11 pontos percentuais à frente de Kast. Embora matematicamente ainda fosse possível uma virada, ela era pra lá de improvável.

Pois bem, àquela altura da apuração, o candidato da extrema-direita já havia ligado para Boric, feito a declaração de reconhecimento do “grande triunfo” do adversário esquerdista e que o presidente eleito merece “todo nosso respeito e colaboração construtiva”. Na coluna da semana passada, falei do apreço que Kast tem com a ditadura pinochetista e de como os valores democráticos não foram defendidos ao longo de sua biografia política.

Em tempos não muito distantes, reconhecer uma derrota eleitoral era um evento de praxe aguardado durante a contagem de votos. Uma espécie de momento protocolar da disputa.

No Chile, o candidato que defendeu durante a campanha o legado de um dos períodos mais cruéis e desumanos do século XX surpreendeu pelo tom de civilidade em sua manifestação. E é quase impossível não perguntar: você acha que Jair Bolsonaro faria igual em caso de derrota em 2022?

Foto do João Marcelo Sena

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?