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Violência política de gênero volta à cena na politica cearense
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É doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro de contos

Kalina Gondim comportamento

Violência política de gênero volta à cena na politica cearense

Na política local, os ânimos estão acirrados. Na última semana, foi divulgado um vídeo no qual Ciro Gomes fez um discurso que gerou polêmica
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e a prefeita de Crateús Janaína Farias (PT)  (Foto: André Lima/CMFor e Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Foto: André Lima/CMFor e Edilson Rodrigues/Agência Senado O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e a prefeita de Crateús Janaína Farias (PT)

A aproximação do ano eleitoral traz como consequência o aumento da temperatura no meio político. A dinâmica política dos últimos tempos nos revela o cenário que enfrentaremos em 2026.

Alianças políticas, antes inimagináveis, agora se esforçam para se tornarem viáveis. O impossível e improvável não existem quando o assunto é a corrida eleitoral.

Na política local, os ânimos estão acirrados. Na última semana, foi divulgado um vídeo no qual Ciro Gomes fez um discurso que gerou polêmica.

Dado que o ex-ministro e ex-governador do Ceará teceu críticas aos seus oponentes, apontou a ligação entre políticos cearenses e as facções e ainda citou a rede de saúde pública que, segundo Ciro Gomes, está loteada.

Entretanto, o trecho do discurso mais polêmico foi quando Ciro, sem citar nomes, apontou que uma mulher atuava como recrutadora de moças pobres para fins sexuais e que essa mesma mulher foi alçada a senadora e atualmente é prefeita de um município cearense.

Após a divulgação do vídeo, muitos políticos saíram em defesa de Janaína Farias (PT). Ciro, em um passado muito recente, foi condenado pela Justiça Eleitoral a pagar R$ 52 mil à Janaína Farias por chamá-la de “assessora de assuntos de cama de Camilo Santana".

A fala de Ciro Gomes traz uma marca do nosso passado (ainda presente) colonial e patriarcalista. Um discurso carregado de obsolescência, formulado a partir de uma representação feminina calcada no arcaísmo.

Um verdadeiro ranço que resiste mesmo após a promulgação da Constituição de 1988, a lei de cotas de gênero na política e a criminalização da violência política.

No vídeo divulgado é patente que não há objetivo em fazer uma crítica ao modo de fazer política ou ao estilo de gestão de Janaína Farias, o ataque foi à pessoa e à identidade feminina.

Mais precisamente, o cerne se concentrou, como no outro episódio, no binômio reputação–sexualidade, o que é bastante comum no cenário político brasileiro, no qual o caso paradigmático foi o impeachment da ex-presidente Dilma, que foi articulado dentro de uma escalada sexista e misógina.

É importante refletirmos que as cotas de gênero não se resumem no aumento do número de mulheres nos espaços de poder, da mesma forma que essa discussão não pode ser limitada à perspectiva criminal.

A violência de gênero, nesse campo, revela uma sociedade possuidora de uma cegueira crônica, incapaz de compreender a mulher como sujeito de direitos.

Nos tantos casos envolvendo agressões dirigidas a mulheres atuantes na esfera pública, fica evidente que o problema não está em como elas exercem suas funções, tampouco na maneira como formulam e implementam ações governamentais, ou mesmo em sua eventual implicação em esquemas de corrupção.

O problema, o nó da questão está na cultura que insiste em colocar as mulheres à margem da política e dos espaços de poder como um todo, mais preocupante é quando uma mulher do meio político é transformada em um biombo — em um meio utilizado para atacar um desafeto.

A violência política de gênero é um indicador seguro do grau de adoecimento de uma democracia, e a nossa está na UTI.

Não podemos permitir que, em momentos de crise política, as mulheres tenham suas honras vilipendiadas. É intolerável que, na corrida eleitoral cada vez mais acirrada, atacar mulheres se torne algo naturalizado.

Há, em nosso País, uma discrepância entre o número de eleitores de maioria feminina e o quadro de candidatos eleitos — em sua maioria, homens.

Nesse contexto, a cota de gênero veio como resposta a um passado de exclusão feminina, mais do que uma medida quantitativa, trata-se de uma questão de reparação histórica e, portanto, de justiça.

Afinal, a participação política é um direito das mulheres, e os episódios de violência são claros obstáculos à plena participação. Diante disso, cabe a pergunta: Qual mulher está disposta a passar pelo vendaval de humilhações e descréditos pelos quais passam as mulheres em cargos eletivos?

A violência política que ocorre no espaço público, tal qual a violência doméstica no espaço privado, degrada as mulheres e repercute em toda a sociedade. Por isso, precisa ser erradicada, ou corremos o risco de sermos vistos, no cenário internacional, como um museu de preconceitos e discriminações que não mais coadunam com o presente.

Camilo rebate Ciro após nova fala machista contra ex-senadora do CE, Janaína Farias | OP News

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