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Ceará é estado com mais vereadoras no Nordeste, mas violência política permanece
Reportagem Seriada

Ceará é estado com mais vereadoras no Nordeste, mas violência política permanece

Com baixa taxa de denúncias, pesquisa com 105 vereadoras traça retrato de violencia política de gênero no Ceará
Episódio 5

Ceará é estado com mais vereadoras no Nordeste, mas violência política permanece

Com baixa taxa de denúncias, pesquisa com 105 vereadoras traça retrato de violencia política de gênero no Ceará
Episódio 5
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O Ceará teve um aumento de 4,36% no número de vereadoras eleitas entre 2020 e 2024, e é o estado com a maior quantidade de mulheres nas câmaras municipais da região Nordeste. Ainda assim, mais da metade das participantes da primeira pesquisa sobre violência política de gênero no Ceará relataram ser vítimas de violência no ambiente parlamentar por serem mulheres.

 

Vereadoras eleitas nos estados do Nordeste entre 2012 e 2024

Visualização mostra o número de parlamentares municipais eleitas na região nas 4 eleições entre os anos 2012-2024. Você pode selecionar por estado

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Confira a comparação, por gênero, de vereadores eleitos no Ceará entre os anos de 2012 e 2024

 

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Pesquisa da Alece mostra mostra violência política contra vereadoras no Ceará

Segundo pesquisa da Procuradora Especial da Mulher da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), que ouviu 105 vereadoras pelo Ceará entre fevereiro e agosto de 2024, 60% das parlamentares afirmaram ter sofrido violência política de gênero, mas menos de 16% denunciaram os casos.

 

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A gestora de políticas públicas e uma das realizadoras do levantamento, Juliana Bandeira, afirma que o recorte feito na pesquisa deu a oportunidade de expor a subnotificação dos casos.

Os relatos das vereadoras incluíram situações de silenciamento, descredibilização da fala, intimidação com gritos, xingamento e calúnia, violência por meio das redes sociais e invisibilização política.

 Casos e denúncias

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Pelo menos metade das vereadoras relatam manterrupting

Segundo o levantamento, 49% das vereadoras afirmaram que outros parlamentares não deram crédito ou respeitaram o tempo de fala delas, interrompendo-as ou ausentando-se do ambiente durante as manifestações, um comportamento comumente chamado de manterrupting "termo que surgiu a partir da junção das palavras em inglês "man" (homem) e "interrupting" (interrompendo) para indicar a interrupção desnecessária de uma mulher por um homem. O termo foi criado pela jornalista Jessica Bennett em janeiro de 2015 para um artigo da Time (Wikipédia)
"
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“A pesquisa transforma o que antes era visto como casos isolados ou percepções subjetivas em dados sistematizados, então isso fortalece o reconhecimento da violência política de gênero como uma realidade estrutural enraizada dentro do nosso país no aspecto da legislação municipal”, explica.

 

Percepções sobre barreiras de gênero

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Poucas denúncias apontam para subnotificação de casos de violência política

A subnotificação também se reflete na baixa quantidade de registros institucionais. Juliana Bandeira destacou que o objetivo da Procuradoria era alcançar 195 vereadoras, contudo acrescenta que a abrangência da pesquisa foi suficiente para produzir um retrato dos relatos ouvidos pela Procuradoria.

Em 2024, nove casos foram abertos manifestações na Procuradoria Especial da Mulher, acompanhados pela advogada e posteriormente encaminhados para os órgãos competentes. Dentre as nove manifestações, em cinco deles a Procuradoria Especial da Mulher se manifestou por meio de nota de repúdio através do Instagram.

Na época, a deputada estadual Lia Gomes (PSB) era Procuradora Especial da Mulher. Segundo a deputada e atual secretária das Mulheres do Ceará, o levantamento sofreu com escassez de respostas das vereadoras, resultando em um número menor de participantes do que o esperado.

Tramitação dos Casos de Violência Política de Gênero (2021–2023)

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“Como no caso da violência doméstica, são muitas coisas que você tem que levar em conta, notadamente em cidades pequenas, a gente consegue entender um pouquinho dessa subnotificação. Primeiro, muitas não sabem que aquilo que elas vivem ou viveram é considerado violência. E outras dificuldades, medo de retaliação, de piorar a situação, de aumentar a violência”, explica a ex-procuradora.

Deputada Juliana Lucena (PT)(Foto: ALCE)
Foto: ALCE Deputada Juliana Lucena (PT)

Hoje, quem está à frente da PEM é a deputada estadual Juliana Lucena (PT). Embora a legislação brasileira, como a Lei nº 14.192/2021, represente um avanço ao tipificar a violência política de gênero e estabelecer punições específicas, Juliana destaca os desafios ainda existentes para as mulheres nos cargos parlamentares dos municípios.

Ela aponta para a subnotificação desse tipo de violência, citando a falta de mecanismos específicos e o medo de represálias como principais obstáculos para as denúncias. "Muitas vezes, esse tipo de violência é naturalizado ou confundido com embates comuns da vida pública, o que dificulta o seu reconhecimento e denúncia. (...)Além disso, ainda há uma carência de mecanismos específicos e acessíveis para acolher esse tipo de denúncia, com atendimento qualificado e sensível ao recorte de gênero", afirma.

Uma pesquisa do Instituto Alziras, feita com dados entre os anos de 2021 e 2023, aponta que, das 18 Procuradorias Especiais da Mulher (PEMs) analisadas, apenas oito apresentaram registros de episódios de violência política de gênero, enquanto a maioria não reportou o recebimento de ocorrências.

O Instituto ainda analisa o estado de Minas Gerais, onde houveram denúncias recorrentes na imprensa contra parlamentares, deputadas e vereadoras, mas as respostas da PEM não as contabilizaram.

Além da persistência sobre a subnotificação dos casos, uma das conclusões do relatório feito pelo Instituto Alziras expõe a falta de padronização no recebimento, operacionalização e encaminhamento das denúncias recebidas, “pode gerar certa discricionariedade na tramitação do caso para instâncias judiciais cabíveis, trazendo à luz mais uma vez o debate do acesso à Justiça”.

 

 

Mesmo com legislação vigente, fraudes e omissões comprometem a representatividade feminina nas eleições

Existem, hoje, cinco relatos de violência política de gênero notificados no Ministério Público do Ceará (MPCE). Emmanuel Girão, coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel), entende que o verdadeiro número de situações é bem maior.

"A gente sabe que esse número não espelha a realidade. Certamente há a necessidade de haver uma maior divulgação do que é a violência política de gênero, para que as denúncias apareçam", afirma Emmanuel.

 

Confira o número de ações penais eleitorais por violência política de gênero e raça por região (até janeiro de 2024)

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Segundo ele, além de haver um esclarecimento em geral da população, das próprias mulheres candidatas ou que são detentoras de mandatos, "é importante também um trabalho dos partidos políticos" de elucidação sobre o tópico da violência política de gênero.

Emmanuel Girão reitera as informações da Procuradoria Especial da Mulher e do Instituto Alziras quando afirma que os casos mais comuns vistos pelo Ministério Público incluem ofensas em geral, tentativas de prejudicar a atuação da mulher em mandato (como cassar a palavra ou cortar a fala), e menosprezar seus argumentos. Segundo ele, a discriminação na divisão do Fundo Especial de Financiamento de Campanha também é muito visível.

No Brasil, a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) exige que partidos políticos assegurem um mínimo de 30% e um máximo de 70% de candidaturas de cada gênero. Um levantamento divulgado pelo Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados mostrou que, em 772 municípios brasileiros, ao menos um partido não respeitou as cotas de gênero nas eleições municipais de 2024. No Ceará, 22 municípios descumpriram o percentual mínimo.

Cargo das mulheres vítimas nas ações penais eleitorais (até janeiro de 2024)

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Lia Gomes afirma que está havendo retrocesso em relação às cotas de candidaturas femininas. “É um absurdo o que está acontecendo no Brasil em relação a essa temática. A gente fala de países como o Afeganistão, antes do Talibã, tinha 40% de mulheres na política. A nossa vizinha, Argentina, com 40% de mulheres na política (42% do Senado e 39% da Câmara em 2019). E aqui no Brasil está se discutindo no Senado um retrocesso de tirar a obrigatoriedade de se repassar os 30% de recursos para as mulheres”, destaca.

A deputada se refere à proposta do Novo Código Eleitoral, em tramitação no Senado, que flexibiliza a cota que obriga os partidos a lançar 30% de mulheres nas chapas para as eleições legislativas. Segundo a proposta, caso não haja o preenchimento mínimo das vagas, as remanescentes ficarão vazias.

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