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O que as imagens revelam e o que elas ocultam?
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É doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro de contos

Kalina Gondim comportamento

O que as imagens revelam e o que elas ocultam?

Não é incomum que o alvo da filmagem tenha uma vida inteira reduzida a uma cena, muitas vezes editada e manipulada
Impacto das redes sociais (Foto: Lionel BONAVENTURE / AFP)
Foto: Lionel BONAVENTURE / AFP Impacto das redes sociais

O advento de celulares com câmeras transformou de forma inédita as relações sociais. Em qualquer lugar e a qualquer tempo, um cidadão comum pode sacar um telefone do bolso, iniciar um vídeo, e este, em pouco tempo, pode atingir milhões de pessoas.

Em algumas ocasiões, essa dinâmica pode favorecer a vida social, pois podemos levar para muitos cidadãos vídeos que revelam problemáticas sociais que devem ser debatidas. Entretanto, o uso indiscriminado de câmeras e o posterior compartilhamento de vídeos também produz efeitos negativos.

Dado que vivemos em uma profusão de ódio, de mentiras e de violência sem precedentes, ancorados na lógica do linchamento, muitos gravam vídeos com o intuito de expor, humilhar e degradar o outro.

Nesse cenário, não é incomum que o alvo da filmagem tenha uma vida inteira reduzida a uma cena, muitas vezes editada e manipulada.

A situação torna-se mais grave quando sabemos que a parte exposta e vilipendiada não teve a oportunidade de se retratar antes do tribunal da internet iniciar seus trabalhos de morte simbólica.

O quadro fica insustentável quando os vídeos retratam questões relacionadas ao cometimento de crimes. As reações do público ultrapassam a legítima busca por justiça e é comum frases que incitam a lei de talião: olho por olho, dente por dente.

Os questionamentos que surgem a partir desse fenômeno são: as pessoas estão buscando fazer justiça com as próprias mãos por que estão cansadas de tanta impunidade, cansadas de não terem suas angústias respondidas a contento por instituições que elas mesmas sustentam?

Ou o mundo de crises ininterruptas no qual vivemos tem provocado a produção de diversos inimigos comuns que precisam ser extirpados?

Não me cabe aqui trazer uma genealogia da ideia de inimigo, mas é sabido que a humanidade tem uma verdadeira fábrica de plantar e colher oponentes: as bruxas, os judeus, o estrangeiro, o morador de rua, os negros, as mulheres, entre outros, encarnam o mal. Essa construção de inimigos é na verdade a busca pela construção da nossa identidade e pertencimento.

Paralelamente a essa questão vemos emergir o espetáculo de violências, muitas vezes trazidas em vídeos com o letreiro: “Atenção, cenas fortes”. Fortes também são as reações. As explosões de adrenalina, o dedo que insiste em tocar no replay — e assim humanos vão perdendo suas humanidades.

As imagens impactantes penetram no inconsciente coletivo enquanto que discussões mais aprofundadas sobre quem são os verdadeiros inimigos da sociedade se dissipam no ar.

O consumo desenfreado dessas imagens traz como consequência o entorpecimento do raciocínio e da lógica. Ficamos presos em um looping de emoções que emergem a partir da visualização de cenas fortes.

Diante dessa verdadeira apoteose de imagens, precisamos urgentemente dialogar de forma crítica com a realidade virtual, sabendo construir uma linha divisória entre o que é revelado na imagem e o mais importante: o que ela oculta.

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