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Saber a área onde uma facção age é questão de sobrevivência no Ceará
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atua em redações desde 2014, quando participou do programa Novos Talentos, no O POVO. É repórter do caderno de Cidades, onde tem ênfase na cobertura de segurança pública. Escreve ainda para Esportes O POVO. Mestrando em Avaliação de Políticas Públicas, na UFC.

Saber a área onde uma facção age é questão de sobrevivência no Ceará

Serviços públicos e privados são afetados pelas fronteiras mais ou menos invisíveis impostas pelos criminosos. Poder Público deve ter isso em mente na hora de implementar qualquer política
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 REPRODUÇÃO da visão inicial do mapeamento da atuação das facções do
Foto: Reprodução  REPRODUÇÃO da visão inicial do mapeamento da atuação das facções do "Portal Cearense"

Em ofício enviado ao Centro de Apoio Operacional Criminal (Caocrim), do Ministério Público Estadual (MPCE), o promotor Daniel Isídio de Almeida Júnior solicitou informações sobre a disposição geográfica de cada facção criminosa que atua em Fortaleza.

O objetivo, afirmou o titular da 35ª Promotoria de Justiça de Fortaleza no último dia 5 de novembro, é resguardar a integridade física de crianças e adolescentes envolvidos em pedidos de alteração de guarda e de convivência familiar.

As ações de Direito de Família estão longes de serem as únicas impactadas pela atuação territorial das facções no Ceará. Oficiais de Justiça enfrentam dificuldades para realizar intimações pessoais; na execução penal, é preciso saber em que bairro cada apenado vivia para alocá-lo em unidades prisionais; sem falar nos reflexos mais óbvios na seara criminal.

A verdade é que qualquer pessoa que precise do direito de ir e vir para exercer livremente seu trabalho, ofício ou profissão pode vir a ser, em maior ou menor medida, impactada pelas facções.

Quantas vezes a imprensa cearense já noticiou assassinatos que foram praticadas apenas porque uma pessoa proveniente de uma região dominada por determinada facção “atreveu-se” a entrar em área controlada por um grupo inimigo?

Não é à toa que proliferam na internet projetos como o do Mapa Cearense, destinado a identificar a atuação das facções no Estado. Como O POVO mostrou em setembro passado, o Mapa Cearense descreveu a presença de seis facções em mais de duas mil localidades do Ceará.

Prestadores de serviços, como provedores de internet e motoristas por aplicativo, estão entre os profissionais que mais recorrem a esse tipo de mapeamento para lidar com o verdadeiro campo minado em que se transformaram diversos territórios do Estado com o avanço das facções.

A capilaridade demonstrada por levantamentos como o do Mapa Cearense torna risível qualquer tentativa de menosprezar a atuação das facções. Embora o domínio territorial imposto no Ceará seja diferente do registrado no Rio de Janeiro, os criminosos impactam o cotidiano dos cearenses de maneira que poucos brasileiros encontram paralelo.

Vale lembrar que até a campanha de vacinação contra a Covid-19 foi afetada por essa geografia paralela. Além dos atendimentos de saúde, estudantes deixam de ir à escola quando as instituições estão situadas em território “inimigo”.

E como pensar em políticas de ressocialização para jovens infratores se cursos e demais medidas socioeducativas que esses adolescentes devem cumprir estão condicionados à complexa dinâmica faccional?

O fato de as Forças de Segurança terem condições de entrar em qualquer parte do Estado não altera a realidade de que as facções impõem um código normativo tirânico para a população comum. Nenhuma operação tem como ser permanente e, quando os policiais se retiram, os faccionados permanecem, ainda que prisões ocorram.

A única resposta simples possível diante desse quadro é reconhecer que não existem respostas simples. Quem acredita ter uma solução rápida e certeira para o fenômeno das facções, das duas uma: ou não tem dimensão do tamanho do problema, ou age de forma desonesta.

Fato é que não será fingindo que o monstro não é gigantesco que se chegará a qualquer solução, ainda que paliativa. Não se fala aqui na formalização por parte do Estado de um mapa chancelando esse domínio paralelo — um suicídio político, mas que também encontra limitações de ordem metodológica e operacional.

Mesmo assim, a noção de que há mandos múltiplos precisa perpassar políticas públicas das mais variadas, sob pena de alijar o cidadão e a cidadã de seus direitos. Não há mais espaços para formuladores de políticas acharem que facções são problema restrito às Forças de Segurança.

Foto do Lucas Barbosa

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