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Jovens relatam medo de ir a pontos de vacinação por conflito entre facções
CIDADES

Jovens relatam medo de ir a pontos de vacinação por conflito entre facções

Mesmo sem envolvimento com os grupos, o fato de morar em um local dominado por uma facção e ir para outro denominado por outra facção pode representar ao cidadão
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 JOVENS têm medo de tomar vacina em bairro diferente de onde moram por causa das facções (Foto: JÚLIO CAESAR
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Foto: JÚLIO CAESAR  JOVENS têm medo de tomar vacina em bairro diferente de onde moram por causa das facções

Um jovem de 22 anos morador do bairro Montese está com medo de se vacinar contra a Covid-19. Morador de uma localidade com atuação da facção criminosa Comando Vermelho (CV), ele teve a imunização marcada para um local que, segundo diz, possui atuação da facção Guardiões do Estado (GDE). Mesmo sem ter envolvimento com as organizações criminosas, o temor é grande, diz ele, que afirma ainda que conhece várias outras pessoas que estão nessa situação.

“Hoje, eles não querem saber se o cara é envolvido. Eu moro no Montese. Se eu vou para um bairro que é inimigo daqui, em que os caras nunca me viram lá, eles vão saber que eu não sou de lá. Eles vão me segurar, me amarrar, fazer o 'maior enxame' para saber de onde é que eu sou. E só deles saberem que o cara é do bairro tal, eles já matam. Tem cara que eu conheço que não era envolvido e morreu, só porque era de outro bairro”, relata o jovem, cuja identidade será preservada.

Com mais dois filhos jovens, de 18 e 22 anos, a mãe dele também compartilha o temor. Nenhum deles havia se vacinado ainda. “As autoridades sabem que existem facções criminosas, mas não estão nem aí para a população”, desabafa. "Muitos jovens aqui nas redondezas não conseguiram se vacinar por causa desse motivo". Após perder o dia da originalmente previsto, o jovem ouvido pelo O POVO teria conseguido reagendar a vacinação para um local que considera seguro. Seus dois outros irmãos, porém, seguiam aguardando.

Eles não são os únicos a relatar o temor de se vacinar em “território rival”. A situação foi revelada no blog Escrivaninha, do jornalista e sociólogo Ricardo Moura, colunista de segurança pública de O POVO. Em conversas com profissionais da saúde, ele já obteve relatos de que jovens de bairros como o próprio Montese, mas também São João do Tauape, Serrinha, Itaperi, Damas e Lagamar ficaram sem se imunizar porque a vacinação foi marcada para um território considerado pertencente a uma facção rival. Ricardo Moura destaca que as unidades de saúde, “como qualquer equipamento público”, estão inseridas em áreas com incidência de grupos criminosos, cujo efeito é a regulação do movimento das pessoas.

“O que a gente observa é que não há um protocolo formal, oficial de como agir. Cada posto está encaminhado uma solução. Há uma recomendação de ir para o Centro de Eventos (no Edson Queiroz), mas alguns jovens também dizem que o Centro de Eventos está inserido em um território rival. Há uma recomendação de ir de manhã cedo, há uma outra recomendação de que a pessoa pode informar na hora que quer mudar de local, quer se vacinar em determinado local, por motivos de segurança, isso está sendo respeitado em algumas unidades”.

O POVO procurou a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) para saber o que jovens que passam por essa situação poderiam fazer para se vacinar em segurança. A SMS, porém, não respondeu até o fechamento desta matéria.

O POVO já havia mostrado que a divisão territorial imposta pelas facções prejudica serviços públicos, como escolas e unidades de saúde. É o caso do bairro Vila Velha, relatou a reportagem, com base em relatório do 17º Distrito Policial. "Já foi relatado por moradores que residem na área dos gafanhotos, por exemplo, que eles não têm coragem de consultarem na UPA, pois integrantes do 3V não permitem, sendo assim, eles se consultam apenas no Gonzaguinha que fica localizado na área dominada pelos gafanhotos", diz o documento ao qual O POVO teve acesso. A reportagem também mostrou que, pesquisa com 235 profissionais de centros de assistência social e atenção psicossocial e de unidades de atenção primária à saúde, apontou que 98,3% deles conheciam famílias impedidas de circular livremente por causa do domínio territorial das facções. O dado é de pesquisa do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), divulgado em 2020.

Guerra Sem Fim

O POVO Mais lança a segunda temporada de Guerra Sem Fim, série original que mergulha no universo das facções no Ceará.

O primeiro episódio desta temporada mostra a realidade das famílias expulsas de casa pelas facçõesRefugiados Urbanos

O segundo episódio mostra a disputa interna no PCC que levou ao surgimento da GDEGDE: como nasce uma facção

O terceiro episódio conta a história do jovem que sonhou suceder o pai na hierarquia da facção, mas encontrou outro caminho pela arte, assim como de outros jovens: Juventude Sobrevivente

Nessa segunda-feira, 19, foi lançado o terceiro episódio da nova temporada: “Juventude sobrevivente” revela casos de jovens que conseguem sobreviver nesses territórios dominados pelo terror por meio da arte. Você confere aqui

 

Assista à primeira temporada 

1ª temporada, episódio 1: A onda de violência

Em janeiro de 2019, as facções criminosas no Ceará se uniram contra as ações rígidas dentro das penitenciárias, gerando a maior onda de violência do Estado. Como isso aconteceu?

Assista aqui

1ª temporada, episódio 2: Tribunais do Crime

O funcionamento interno das facções criminosas no Ceará: como punem seus próprios integrantes?

Assista aqui

1ª temporada, episódio 3: Caminhos do Crime

A entrada em organizações como as facções é um dos caminhos trilhados pelo crime. O que influencia esse cenário? Como é possível fugir do crime?

Assista aqui

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