Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atua em redações desde 2014, quando participou do programa Novos Talentos, no O POVO. É repórter do caderno de Cidades, onde tem ênfase na cobertura de segurança pública. Escreve ainda para Esportes O POVO. Mestrando em Avaliação de Políticas Públicas, na UFC.
As cenas chocantes que acompanhamos, porém, representam apenas a ponta de um iceberg que nem mesmo as estatísticas oficiais conseguem retratar em toda a sua plenitude.
Ainda assim, os dados oficiais continuam pecando pela subnotificação. Como a repórter Alexia Vieira mostrou em 5 de dezembro, casos que claramente deveriam ser classificados como feminicídios constam nas estatísticas da SSPDS como meros homicídios dolosos.
São casos como o de Antônia Priscila de Brito Silva, morta a golpes de peixeira em 27 de outubro último, em Jaguaruana, pelo próprio companheiro, José Osmairton da Silva. Conforme denúncia do Ministério Público Estadual (MPCE), o crime ocorreu durante uma discussão entre os dois, iniciada após a vítima recusar-se a manter relações sexuais com o agressor.
Já no caso de Thamallia Abreu Barreto, o feminicídio — ocorrido em 6 de novembro, em Canindé — foi consumado apenas seis dias após a vítima pedir uma medida protetiva de urgência contra o agressor, o seu ex-companheiro, Edésio Oliveira Abreu.
É importante destacar que o feminicídio costuma ser o ápice de um processo de violência no qual estão presentes agressões não somente de natureza física e sexual, como também psicológica e material.
Outro problema que impacta no subdimensionamento das mortes de mulheres por questões de gênero é a própria Lei de Feminicídio, que não abarca todas as assimetrias existentes nas relações entre homens e mulheres.
Na guerra entre facções criminosas existente no Ceará, por exemplo, são inúmeros os homicídios que, embora apresentem nítidos marcadores de gênero, não se encaixam dentro da definição de feminicídio do Código Penal. Casos como os de mulheres mortas por se relacionarem (o que não precisa nem ser verdade, muitas vezes) com pessoas de “territórios inimigos” das áreas onde vivem.
O código de conduta imposto pelas facções, aliás, é marcadamente machista e misógino. Citem-se as punições — que vão de surras ao escalpelamento, quando não, o próprio assassinato — aplicadas a mulheres em situações de suposta "infidelidade", algo que não ocorre com homens, dos quais até se espera que tenham várias parceiras.
A questão da subnotificação em casos de violência de gênero não letal pode ser ainda pior, já que, em muitos casos, as vítimas podem vir a se sentir temerosas em procurar autoridades para denunciar os crimes.
Nos casos de violência psicológica e material, há mulheres que sequer reconhecem aquelas práticas como crimes, tamanha é a naturalização de determinados comportamentos.
Mesmo assim, as estatísticas de violência de gênero impressionam. De janeiro a dezembro deste ano, foram 24.436 registros de vítimas de crimes previstos na Lei Maria da Penha no Ceará, o que corresponde uma média de 73,38 casos por dia.
Já em relação aos crimes sexuais, foram contabilizados 1.795 casos, dos quais 1.539 (85,74%) tiveram vítimas do sexo feminino. Nessa estatística, causa ainda mais choque perceber que a esmagadora maioria das vítimas dos abusos são meninas de até 14 anos: 63% tem essa idade ou menos.
Por tudo isso, e por muito mais, a violência contra as mulheres deve ser uma pauta de primeira ordem na sociedade brasileira. É evidente a necessidade de uma ampla mudança comportamental para que meninas e mulheres possam viver sem serem agredidas ou mortas por companheiros, familiares, amigos ou conhecidos.
Entretanto, o Estado não pode, simplesmente, esperar por essa transformação social. Deve, ao contrário, estimulá-la, através de políticas públicas, além de adotar ações efetivas, de prevenção e punição, visando pôr fim ao ciclo da violência de gênero.
E aperfeiçoar o registro das estatísticas relacionadas a esses crimes é parte fundamental do processo.
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