
Neila Fontenele é editora-chefe e colunista do caderno Ciência & Saúde do O POVO. A jornalista também comanda um programa na rádio O POVO CBN, que vai ao ar durante os sábados e também leva o nome do caderno
Neila Fontenele é editora-chefe e colunista do caderno Ciência & Saúde do O POVO. A jornalista também comanda um programa na rádio O POVO CBN, que vai ao ar durante os sábados e também leva o nome do caderno
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Quando era criança, eu gostava de brincar tocando uma plantinha na rua e ver a sua reação. Eu dizia "Malícia, o teu pai morreu" e encostava o meu dedo nas folhas. Em seguida, ela se fechava por inteiro. Demorei a entender que não era o efeito das palavras, mas do toque que provocava o movimento de recolhimento das folhas.
Com as pessoas, muitas vezes, nem é preciso encostar o dedo para que as reações aconteçam - basta olhar ou não olhar para elas. O campo de sensibilidades humanas é muito mais agudo. Falar, por exemplo, pode ser arrasador ou libertador: tudo depende da forma, do tom e do momento da pessoa para quem a fala foi direcionada. As palavras podem tanto deixar marcas profundas, processos de encolhimentos e/ou o desabrochamento de um espírito mais livre. Esses rastros de memória ficam pelo tempo, passando por gerações.
Um pequeno exemplo disso: as mães com os seus bebês. O que elas costumam dizer? "Que neném mais bonitinho, vai crescer e ficar forte…". Mesmo que a criança não entenda nenhuma dessas palavras, ficarão as marcas do tom de voz, da expressão do rosto, do carinho do momento - porém, o mesmo ocorre em situações nas quais existam palavras ríspidas e movimentos agressivos. Somos, todos nós, constituídos por momentos como esses.
O psicanalista Sigmund Freud falava dos traços de memória (as marcas mnêmicas) antes da formação do inconsciente - coisas não lembradas conscientemente, mas inscritas e dotadas de significados particulares. Em alguns casos, são espécies de feitiço originário, do qual só nos libertamos também com palavras. Marcas sujeitas a rearranjos e novas dimensões de significados.
No mundo do trabalho, geralmente criamos outra dimensão das palavras; damos outros papéis às pessoas e, em um mundo no qual se exige velocidade, deixamos marcas nas pessoas. O cuidado deve ser muito maior do que com a plantinha malícia. Através do trabalho, identidades de pessoas são construídas, e espaços sociais são criados e moldados. Portanto, é muito mais do que um meio para a sobrevivência.
Com as novas tecnologias, as formas de relação ficaram também mais aceleradas. As palavras se multiplicaram: foram dados nomes a coisas que antes não eram ditas e ficou mais difícil entender e sedimentar os seus significados. Além das questões mercadológicas das relações corporativas, ou mesmo dentro dos meios informais, a tagarelice das mídias passou a gerar avalanches de palavras. Muitas delas ajudam a construir novos papeis sociais; outras soam como sentenças destrutivas.
Questões que ajudam a explicar os dados de ansiedade e depressão, cujos números são crescentes no ambiente de trabalho. O prejuízo global, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), foi de US$ 1 trilhão por ano.
O Ministério da Previdência Social também anda preocupado. Em 2024, quase meio milhão de pessoas foram afastadas do trabalho com algum tipo de diagnóstico psicológico. Como eu já tinha falado em colunas anteriores, o governo brasileiro está buscando uma forma de minimizar esse cenário através da definição de regras de boas práticas e convivência. A Norma Regulamentadora número 1 (NR1) busca a minimização dos riscos psicossociais, combatendo o assédio moral e as condições precárias. A ideia é a geração de bem-estar e de ambientes mais leves. Esse é um trabalho que começa a ser constituído pelas palavras, mas que exige mudanças profundas. Ou melhor: algo terá de ser dito e repetido, e será necessário se colocar a mão com as devidas delicadezas que o tema merece.
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