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Sobre carros voadores e crimes ambientais
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Sobre carros voadores e crimes ambientais

O caso do "carro voador" na duna de Canoa Quebrada é muito ilustrativo do buraco que todos nós estamos metidos quanto à degradação do meio ambiente
Tipo Opinião
Caso do empresário que "voou" sobre as dunas de Canoa Quebrada, Aracati, nesse sábado, 17, é inédito. A Delegacia Regional da Polícia Civil está a cargo da investigação, que deve ser baseada na legislação ambiental municipal   (Foto: Reprodução/Redes sociais)
Foto: Reprodução/Redes sociais Caso do empresário que "voou" sobre as dunas de Canoa Quebrada, Aracati, nesse sábado, 17, é inédito. A Delegacia Regional da Polícia Civil está a cargo da investigação, que deve ser baseada na legislação ambiental municipal

A semana na qual estreou nos cinemas o último filme da franquia “Missão Impossível” começou com um sujeito tentando dar uma de dublê de Tom Cruise, este que, por sua vez, nunca deu lá muitas oportunidades para os profissionais que se arriscam nos sets de gravação. No último domingo, 18, um homem teve a estúpida ideia de subir uma duna na praia de Canoa Quebrada, em Aracati, a toda velocidade num veículo com tração 4x4.

Em meio a outras pessoas que passeavam pelo local, o carro simplesmente decolou até se espatifar a alguns metros dali. O motorista, com bem mais sorte que juízo e noção, foi salvo pelo sistema de airbags e encaminhado a um hospital da região.

Não demorou muito para as imagens impressionantes do “carro voador” se tornarem virais. O caso ganhou repercussão nacional com portais de todo o país publicando o vídeo da "decolagem". No Instagram do O POVO e de outros perfis de imprensa, as caixas de comentários ficaram divididas entre os seguidores que demonstraram incredulidade com a manobra arriscada e aqueles que reclamaram do vídeo cortado na hora da "aterrissagem".

O tema gerou repercussões no meio político. A prefeita de Aracati, Roberta de Bismarck (Podemos), foi uma das primeiras a se manifestar de forma crítica ao motorista, citando "ações firmes e imediatas diante da condução irresponsável que ganhou repercussão nas redes". Também com ligação política com o município, o secretário do Turismo Eduardo Bismarck seguiu na mesma linha. "Não há nada de engraçado nesse ocorrido em Canoa Quebrada. Romantizar essa cena é desrespeitoso e perigoso para quem vive do turismo e com todos em volta", lamentou.

No O POVO+, Glenna Cherice, colunista e editora-chefe de Mídias Sociais, fez uma análise desse “buzz” gerado pelo caso, destacando o poder das redes e citando o possível impacto de marketing que o carro do modelo Ford Raptor teria após o vídeo viral. Pelo menos até agora, a montadora americana preferiu não dar muita trela publicitária à imprudente manobra nas dunas de Canoa Quebrada.

Ainda nas redes, o caso foi desdobrado até mesmo por perfis que não estão ligados a veículos de imprensa. O exemplo mais curioso que encontrei foi o do engenheiro civil Daniel Ferraz (@eudanferraz) que costuma postar conteúdos relacionados a obras e cálculos matemáticos.

Numa publicação pitagórica, ele se valeu de catetos, hipotenusas, ângulos de entrada, senos e cossenos para estimar a velocidade na qual o carro decolou (cerca de 80 km/h) e a distância percorrida por ele até cair na duna (aproximadamente 42 metros). Um prato cheio para o Enem e para os professores de cursinho pré-vestibular.

Uma outra publicação tratou o assunto sob uma perspectiva um pouco mais séria e também me chamou a atenção. Advogado criminalista, professor de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade de Fortaleza (Unifor) e atual membro do Conselho de Leitores do O POVO, Nestor Santiago publicou um vídeo sobre o caso na ótica do Direito Penal.

"Está se falando na abertura de inquérito policial por um eventual crime ambiental. Particularmente, entendo que não houve nenhum crime ambiental. Se você olhar bem, a lei 9.605, que fala a respeito de crimes ambientais, ela não prevê ali nenhuma conduta específica com relação ao que foi praticado pelo motorista. (...) então, assim, do ponto de vista criminal, não vejo nada assim que seja relevante, não", explica.

Há crime ambiental? Qual foi?

O POVO publicou cinco matérias sobre o caso e redigiu um Editorial cobrando “uma resposta dura e urgente” e mencionando, entre outras questões, a agressão ambiental relacionada à atitude imprudente do motorista do veículo.

A primeira matéria noticiando o fato em si foi publicada às 10 horas da manhã do domingo com o título "Motorista 'voa' com carro em duna de Canoa Quebrada: veja vídeo". Horas depois, a mesma matéria teve o título atualizado para "Carro que 'voou' em duna de Canoa: SSPDS abre procedimento para investigar crime ambiental". No entanto, desde o início não parece ter ficado muito claro para os leitores e também para os órgãos do poder público quais supostos crimes ambientais seriam esses.

Em outras duas matérias, publicadas na segunda e na terça-feira, é citado que o motorista fora identificado, autuado pelo Departamento Municipal de Trânsito de Aracati pelo artigo 175 do Código de Trânsito Brasileiro - que fala em "manobra perigosa" e prevê multa de R$ 2.934,70 - e teve a carteira de habilitação suspensa. Quanto ao suposto crime ambiental, nada muito esclarecedor.

O caso não é simples. Tanto que a matéria titulada "Caso do empresário que 'voou' em carro sobre as dunas de Canoa Quebrada é inédito", publicada na quarta-feira, 21, teve como mote a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) destacando a ausência de precedentes ao episódio. Ao longo do texto, são detalhadas outras legislações municipais de Aracati acerca da regulamentação dos motoristas permissionários para passeios de buggy no local.

Mesmo tateando no escuro, é de se destacar ainda que, além da tentativa de entender e esclarecer aos leitores a legislação, a cobertura do O POVO teve o mérito de ir além do inusitado. Não se restringiu ao absurdo do fato em si. Óbvio que as imagens chamam a atenção e impressionam a audiência. Mas o caso foi muito grave sob muitos aspectos e merece seguir sendo tratado com a devida seriedade.

O buraco no qual estamos metidos

Fora o risco de uma pessoa se lançar aos ares com um carro passando por cima das cabeças das demais, não é difícil enxergar que uma situação absurda como essa é inequivocamente uma agressão ambiental.

Há a poluição sonora que impacta a fauna local. Há a poluição do ar que tem efeitos sobre a vegetação. Há o movimento do carro mexendo com a dinâmica da formação arenosa da duna propriamente dita. A falta de zelo com o meio ambiente está diante dos nossos olhos. Em todos esses aspectos, é o caso até mesmo de se discutir se é sustentável do ponto de vista ambiental a manutenção de serviços turísticos como esses passeios de buggy, que também trafegam livres e ruidosos por esses locais.

Não é e nunca será papel do O POVO ou de qualquer órgão de imprensa apontar para um indivíduo e dizer: "Fulano, você é culpado por ter cometido crime tal". Essa é uma atribuição exclusiva da Justiça, que deve fazer um julgamento justo com base em uma investigação responsável. Cabe ao Jornalismo buscar as informações precisas e levá-las aos leitores.

Agora o caso do "carro voador" é ilustrativo do buraco no qual todos nós, como sociedade, estamos metidos. O cenário nebuloso e a falta de respostas claras diante de um episódio tão inusitado dizem muito sobre como ainda há muito a se avançar no debate ambiental.

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