Quando a pandemia começou, cumprimos um ritual mais ou menos parecido. Enfurnadas em casa, vasculhamos os quatro cantos dos quartos, da sala, da cozinha, dos banheiros. Reviramos armários. Descartamos coisas, rearrumamos os cômodos, organizamos a roupa, fizemos as contas, encolhemos o orçamento, cozinhamos como nunca. Depois passamos a comprar comida pronta para, sem seguida, voltar pra cozinha. E ainda tivemos de dar conta do trabalho e cuidar do casamento, do marido, dos filhos sejam eles crianças jovens ou adultos, dos familiares próximos. E dos amigos porque eles são indispensáveis.

Tudo isso cansa. Entre muitas paredes, o cansaço ainda é maior. E torna-se necessário muita firmeza emocional, uma estrutura familiar acolhedora e hábitos saudáveis para que se possa domar o nível de ansiedade desses tempos. Tiro por mim. Meu atual estado me fez rever, inclusive, minha meta pessoal de ler um livro por semana nem que chova canivete. No momento, mesmo sem chover nada além de água, retirei essa meta da minha vida. Estou lendo Alice Walker quando consigo. Minha lista de livros encolheu.

Outro dia me peguei pensando por que nós as mulheres estamos tão cansadas? É impossível falar por mais de 50% da população, então falo apenas por mim. O Brasil é que está me deixando mais cansada, mais exausta. Ter Bolsonaro como presidente é algo tão pesado que custa imaginar que algum dia poderia me sentir assim, como se o corpo inteiro rejeitasse não o País, mas o que ele hoje representa politicamente.

Desde janeiro de 2019 que engolimos indelicadeza, falta de educação, palavrões, comportamento indecoroso, descaso, insensibilidade, incompetência, beligerância e a mentira como estratégia ininterrupta de governo. Esse kit maléfico resulta numa péssima administração da pandemia por parte do atual governo, responsável diretamente por ter jogado o Brasil num péssimo lugar para se viver.

Não à toa, as mulheres são as que mais reprovam o governo Bolsonaro. Na última pesquisa Datafolha, divulgada em março último, 57% das mulheres não concordam com os rumos deste governo. É que, no fim das contas, somos nós que sentimos no corpo inteiro o abismo de insanidade e da falta de propósitos que formam as escolhas do governo Bolsonaro. E isso causa cansaço e sofrimento constantes.