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Fortaleza é, em si, uma contradição
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Fortaleza é, em si, uma contradição

Fortaleza é, em si, uma dissidência. Não apenas nas supostas datas de aniversário sobre as quais tratarei no artigo da próxima semana. Fortaleza é contradição pura e viva.
Tipo Análise
Praça do Ferreira (Foto: Peter Fuss)
Foto: Peter Fuss Praça do Ferreira

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Semana que vem Fortaleza faz aniversário. Pelo cálculo escolhido, que é a data de 1726, quando Fortaleza passou a ser uma vila, completa 297 anos. Mas quase tudo nesta cidade é um pouco contraditório, aliás como é a vida de um modo em geral, e uma cidade é, no fim das contas, o resultado das práticas cotidianas e históricas dos seus habitantes.

Gosto de pensar Fortaleza pelo que li de alguns autores e perceber como eles dialogam entre si, principalmente em alguns aspectos que realmente nos faz refletir sobre qual tipo de cidade nos marca e atravessa nossas vidas. Por exemplo, a forma como o “Cajueiro do Fagundes”, do Araripe Júnior, dialoga não com os livros, mas com o discurso do professor Gilmar de Carvalho sobre este lugar banhado de água, sal e sol, é impagável. Com Araripe Júnior aparece muito fortemente o falatório uns dos outros como um dos símbolos da nossa existência. E longe de ser um exercício da linguagem própria dos humanos. Fortaleza fala mal de forma diferente.

O professor Gilmar de Carvalho dizia que esse negócio de ser acolhedor em Fortaleza é uma mentira das grandes. Afirmava que o fortalezense odeia ver o sucesso dos outros e seria um magote de invejoso. Para compensar, fala mal de todo mundo a torto e a direito. Dizia ele que cadeiras na calçada não têm nada de inocentes. A calçada seria o lugar mais adequado para a mais pura fofoca e espaço par se cuidar da vida alheia. Se na Fortaleza de Araripe um cajueiro era o ponto de encontro de cidade minúscula, as calçadas ampliaram a dimensão catártica às avessas e hoje, os grupos de WhatsApp superaram qualquer estimativa tanto de Araripe Júnior como de professor Gilmar.

Lembro-me de passar dias na Biblioteca Pública checando a obra "Guia prático, histórico e sentimental do Recife”, de Gilberto Freyre, publicado em 2007, com umas duas antigas edições da obra disponíveis no acervo da Biblioteca. E é tão interessante como o autor, ao longo da vida, foi alterando o guia acrescentando lugares e informações relevantes para ele e que demonstravam tanto amor pela cidade. Por isso, gosto muito, já presenteei e incentivei meus filhos a lerem o “Dicionário Amoroso de Fortaleza”, da minha amiga Tércia Montenegro. Não se trata de um guia apaixonado, mas de um passeio pela cidade sob o olhar da escritora que tem uma exímia capacidade de ser bem humorada, com pitadas deliciosas de ironia, sem deixar de lado a memória carinhosa pela Fortaleza que esquadrinha.

Por último, já dei boas risadas na vida com “Fortaleza Voadora” do contista e cronista Pedro Salgueiro, que, aliás, escreve para o Vida & Arte. Tenho me lembrado muito dos textos desse livro, porque talvez agora é que Fortaleza esteja ainda mais “voadora”. Chegou a um ponto estranho, inclusive. Parte dessa cidade quer morar o quanto mais longe da terra possível, em prédios altíssimos. Desse mesmo time estão aqueles que se recusam a dar sequer um bom dia no elevador ou nas cercanias. Preferem subir com o carro no apartamento e estacioná-lo na sala.

Fortaleza é, em si, uma dissidência. Não apenas nas supostas datas de aniversário sobre as quais tratarei no artigo da próxima semana. Fortaleza é contradição pura e viva.

 

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