
Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
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Semana que vem Fortaleza faz aniversário. Pelo cálculo escolhido, que é a data de 1726, quando Fortaleza passou a ser uma vila, completa 297 anos. Mas quase tudo nesta cidade é um pouco contraditório, aliás como é a vida de um modo em geral, e uma cidade é, no fim das contas, o resultado das práticas cotidianas e históricas dos seus habitantes.
Gosto de pensar Fortaleza pelo que li de alguns autores e perceber como eles dialogam entre si, principalmente em alguns aspectos que realmente nos faz refletir sobre qual tipo de cidade nos marca e atravessa nossas vidas. Por exemplo, a forma como o “Cajueiro do Fagundes”, do Araripe Júnior, dialoga não com os livros, mas com o discurso do professor Gilmar de Carvalho sobre este lugar banhado de água, sal e sol, é impagável. Com Araripe Júnior aparece muito fortemente o falatório uns dos outros como um dos símbolos da nossa existência. E longe de ser um exercício da linguagem própria dos humanos. Fortaleza fala mal de forma diferente.
O professor Gilmar de Carvalho dizia que esse negócio de ser acolhedor em Fortaleza é uma mentira das grandes. Afirmava que o fortalezense odeia ver o sucesso dos outros e seria um magote de invejoso. Para compensar, fala mal de todo mundo a torto e a direito. Dizia ele que cadeiras na calçada não têm nada de inocentes. A calçada seria o lugar mais adequado para a mais pura fofoca e espaço par se cuidar da vida alheia. Se na Fortaleza de Araripe um cajueiro era o ponto de encontro de cidade minúscula, as calçadas ampliaram a dimensão catártica às avessas e hoje, os grupos de WhatsApp superaram qualquer estimativa tanto de Araripe Júnior como de professor Gilmar.
Lembro-me de passar dias na Biblioteca Pública checando a obra "Guia prático, histórico e sentimental do Recife”, de Gilberto Freyre, publicado em 2007, com umas duas antigas edições da obra disponíveis no acervo da Biblioteca. E é tão interessante como o autor, ao longo da vida, foi alterando o guia acrescentando lugares e informações relevantes para ele e que demonstravam tanto amor pela cidade. Por isso, gosto muito, já presenteei e incentivei meus filhos a lerem o “Dicionário Amoroso de Fortaleza”, da minha amiga Tércia Montenegro. Não se trata de um guia apaixonado, mas de um passeio pela cidade sob o olhar da escritora que tem uma exímia capacidade de ser bem humorada, com pitadas deliciosas de ironia, sem deixar de lado a memória carinhosa pela Fortaleza que esquadrinha.
Por último, já dei boas risadas na vida com “Fortaleza Voadora” do contista e cronista Pedro Salgueiro, que, aliás, escreve para o Vida & Arte. Tenho me lembrado muito dos textos desse livro, porque talvez agora é que Fortaleza esteja ainda mais “voadora”. Chegou a um ponto estranho, inclusive. Parte dessa cidade quer morar o quanto mais longe da terra possível, em prédios altíssimos. Desse mesmo time estão aqueles que se recusam a dar sequer um bom dia no elevador ou nas cercanias. Preferem subir com o carro no apartamento e estacioná-lo na sala.
Fortaleza é, em si, uma dissidência. Não apenas nas supostas datas de aniversário sobre as quais tratarei no artigo da próxima semana. Fortaleza é contradição pura e viva.
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