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Cenas que revelam o atraso político e de gênero no Ceará
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Cenas que revelam o atraso político e de gênero no Ceará

Onélia Santana, esposa do Ministro da Educação Camilo Santana, foi indicada à vaga do TCE nesta semana
Tipo Análise
Onélia Santana FOI sabatinada na Alece para a vaga do TCE (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Onélia Santana FOI sabatinada na Alece para a vaga do TCE

Entre as notícias boas de 2024, que incluem os baixíssimos índices de desemprego e a redução da miséria no País, destaco uma que passou quase despercebida.

O Ceará figura na pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” como um dos estados em que 54% dos entrevistados afirmaram que haviam lido um livro ou partes de um exemplar nos últimos três meses durante a realização de coleta dos dados. Por que essa notícia é tão boa?

Primeiro, é a primeira vez que o Ceará figura tão bem nessa estatística, ocupando o primeiro lugar no ranking da região, e figurando ao lado do Paraná com o mesmo índice de leitura, por sinal.

Em segundo lugar, o Ceará ficou atrás apenas de Santa Catarina, que lidera, sozinho, com 64% de leitores no estado.

Por fim, no Brasil, a quantidade de leitores chegou ao menor patamar desde 2019. De acordo com a Retratos... apenas 27% dos entrevistados leram um livro inteiro no último ano.

Leitura é exemplo, é persistência, é contato e contágio. Além das políticas públicas necessárias, emprestar livro, dar livro de presente, doar livros, fazer livros circularem são ações que dependem de cada pessoa e no fim das contas, não custam muito.

Várias livrarias fecharam por aqui, mas muitos clubes de livros abriram, editoras independentes surgiram, livrarias alternativas insistem, novos autores publicaram livros, inclusive premiados, isso no Ceará inteiro.

Lembro-me que foi no Espaço O POVO que, em Fortaleza, aconteceu o primeiro curso de escrita literária, em 2013, e que rendeu a publicação do livro “Contos de Travessia”.

Tudo isso fomenta leitores, aumenta a circulação dos livros, impulsiona o hábito da leitura, torna os escritores pessoas relevantes para o diálogo.

E vale a pena ser leitora, porque uma das coisas mais urgentes para um(a) leitor(a) é ser capaz de refletir sobre a realidade e ampliar o que lê e escuta, submetendo certas intempéries verbais ou impressas a outras referências e dar a si mesmo(a) uma interpretação das coisas.

Por exemplo, quando a vice-governadora, Jade Romero, afirmou que as críticas que a esposa do ministro Camilo Santana, Onélia Santana estava sofrendo ao ser indicada como conselheira do TCE, era “uma questão de gênero”, imediatamente passei em revista algumas autoras que me são caras em relação às discussões de gênero, e concluí que não.

A indicação à vaga do TCE é política, e eu pergunto: Onélia teria sido indicada caso não fosse esposa de Camilo Santana?

A frase da vice-governadora turva questões que são caras às mulheres que não estão nas bordas no poder. E veja que eu considero a vice-governadora uma mulher muito sensível às questões de gênero.

No entanto, a literatura sobre gênero que eu li e leio, que incluem autoras que vão da norte-americana Angela Davis à brasileira Lelia Gonzalez nos ensina justamente que muitas mulheres próximas ao poder usam o discurso de gênero para, cada vez mais, se apropriarem de espaços cuja exclusão de gênero e raça é uma marca estrutural.

Onélia Santana não é vítima do patriarcalismo que ronda nossa forma de agir socialmente. Ela é participante direta desse arranjo, que tem raízes profundas, e que mostra como nossa sociedade (ainda) está fincada no atraso político. E de gênero.

Análise: indicação de Onélia ao TCE mancha imagem de Camilo Santana?| O POVO News

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