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Políticas inclusivas na mira da cultura do cancelamento
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Sou jornalista de formação. Tenho o privilégio de ter uma vida marcada pela leitura e pela escrita. Foi a única coisa que eu fiz na vida até o momento. Claro, além de criar meus três filhos. Trabalhei como repórter, editora de algumas áreas do O POVO, editei livros de literatura, fiz um mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará (UFC). Sigo aprendendo sempre. É o que importa pra mim

Políticas inclusivas na mira da cultura do cancelamento

A política de cancelamento tão usada por setores tidos como progressistas está sendo alardeada pela extrema direita como tática para convencer empresas a abrirem mão de suas políticas inclusivas. O cancelamento da psicanalista Maria Rita Kehl é um exemplo de como a prática pode ter mão dupla e ambas negativas
Tipo Opinião
Maria Rita Kehl (Foto: Reprodução/Instagram)
Foto: Reprodução/Instagram Maria Rita Kehl

A cultura do cancelamento é bem antiga. Muito antes das redes sociais, a Rachel de Queiroz foi cancelada nas universidades devido ao seu passado político de ligação com os militares que deram um golpe de Estado no País em 1964.

A reabilitação da Rachel se deu, particularmente, pela influência da crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que, inclusive, lutou para que a obra da escritora cearense fosse analisada sem os preconceitos que pairavam contra a autora. O cantor Wilson Simonal, por exemplo, teve a carreira abatida no auge, e a lista tende a ser grande.

Os cancelamentos do passado, porém, se construíam num tempo-espaço muito diverso do lastro de pólvora que acontece hoje com a mediação das redes sociais. Vocês lembram da Karol Conká? Ela foi eliminada no BBB com quase 100% dos votos. Naquele momento, foi a maior rejeição da história. Em 2021, aliás, choveram cancelados. E a coisa só piorou de lá para cá.

A historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, umas das maiores pesquisadoras do Brasil, inclusive da população preta e pobre, foi cancelada devido a um artigo em que ela faz uma crítica (preconceituosa, diga-se de passagem) a Beyoncé. A Fernanda Torres também já foi cancelada, gente, porque criticou o “feminismo que se vitimiza”. As duas pediram desculpas. E continuaram a vida.

Semana passada foi a vez de Maria Rita Kehl, jornalista e psicanalista, autora de vários livros, entre eles “Deslocamentos do Feminino” e “Ressentimento”. Neste último, aliás, ela aborda uma questão urgente que é o ressentimento político no Brasil. Maria Rita Kehl foi cancelada e transformada apenas em descendente de nazistas, porque teve a audácia de criticar o discurso homogêneo em torno de alguns temas.

Ela se manifestou contrária à dicotomia “lugar de fala” e lugar de “cale-se”. E disse que isso, na linguagem psicanalítica, tratava-se de um narcisismo que não nos levaria a lugar nenhum do ponto de vista do diálogo. A psicanalista tem uma vida inteira junto aos movimentos progressistas no Brasil.

Não sei se vocês estão acompanhando, mas muitas empresas estão modificando suas políticas internas de diversidade, equidade e inclusão. A Meta foi uma das primeiras, muitas outras estão seguindo o caminho. Ford, Lowe's, Harley-Davidson também se desfizeram de seus protocolos e avisaram isso publicamente. O movimento anti-woke nos Estados Unidos se orgulha de utilizar a tática do cancelamento contra as empresas. Antes pressionadas e canceladas para aderirem às políticas inclusivas, agora trilham o caminho inverso para agradar os consumidores da extrema direita.

Foi exatamente este o ponto tocado por Maria Rita Kehl. Se nos fechamos em guetos monitorando quem pensa diferente para cancelar, não sei aonde vai dar essa estrada. Mas certamente não levará a nenhum lugar decente.

Além disso, a cultura do cancelamento pode estar “inclusive” destruindo medidas que custaram muito para ser implementadas e que beneficiam pessoas que são canceladas de véspera. Por isso, antes de cancelar o próximo desafeto, convido você a dar uma olhada no clipe da música “Carmen”, do jovem cantor belga Stromae.

Foto do Regina Ribeiro

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