Tradições populares por vezes perpetuam a violência contra as mulheres
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Sou jornalista de formação. Tenho o privilégio de ter uma vida marcada pela leitura e pela escrita. Foi a única coisa que eu fiz na vida até o momento. Claro, além de criar meus três filhos. Trabalhei como repórter, editora de algumas áreas do O POVO, editei livros de literatura, fiz um mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará (UFC). Sigo aprendendo sempre. É o que importa pra mim
Tradições populares por vezes perpetuam a violência contra as mulheres
Espetáculo teatral revive o sofrimento da beata Maria de Araújo e põe em cena as violências contra as mulheres, muitas vezes embaçadas pelos véus das tradições populares e arranjos turístico-econômicos
Foto: FCO FONTENELE
Ela Não Queria ser Santa - Santuário em homenagem a Menina Benígna
Quinta-feira última, fui assistir ao ensaio geral da peça “Cavucar” que põe em cena a vida e o martírio da beata Maria de Araújo, morta em 1914, e que se tornou protagonista de um dos maiores embates entre um milagre e o poder religioso.
Na ocasião, a atriz Monique Cardoso fez a leitura do texto dramatúrgico da escritora Tércia Montenegro. Naquela mistura de ficção e fatos reais, talvez tenha sido a primeira vez que mais tenha me emocionado com a história da beata.
Na peça, que estreia em Fortaleza no fim de agosto, uma pesquisadora aceita um trabalho protocolar no Vaticano para cuidar do acervo secreto da instituição. Por acaso, a personagem encontra numa caixa, entre centenas de outras, restos mortais da beata, que se resumem a pequenos ossos de uma das mãos. A partir daí, o espectador entra no mundo real de Maria de Araújo.
Quando o milagre da hóstia transformada em sangue tomou conta do cenário da fé de Juazeiro do Norte, a história reverberou e deu início ao martírio da beata. Examinada, julgada, castigada, e depois, confinada, foi-lhe imposto um silêncio perpétuo pelos líderes religiosos da época. Alguns anos após sua morte, o túmulo de Maria foi violado e o corpo desapareceu. Depois disso, o próprio lugar foi destruído.
Agora, “suponhamos” que a hóstia tivesse se transformado em sangue na boca de uma mulher europeia... Enquanto você pensa, o Cariri é hoje o palco de destaque no Estado para casos de violência contra as mulheres. Então, podemos “supor” que, não por acaso, historicamente, é a região que mais produz santas populares assassinadas: Benigna (Santana do Cariri), Maria de Bil (Várzea Alegre), Mártir Francisca (Aurora).
E “se” fizéssemos o exercício de pensar que algumas tradições populares religiosas e culturais funcionam como um véu que se deseja sagrado sobre a violência tão enraizada nos costumes de subjugar as mulheres até à morte?
Enquanto a voz de Monique ecoava, pensei e continuo pensando em como perpetuamos num processo histórico práticas que se transfiguram em devoção, que são esquecidas nos vãos da consciência social, que se amalgamam ao turístico-econômico tão ao modo neoliberal da indústria do entretenimento que apenas atordoa e chancela os esquecimentos.
Ao ler o relatório “Elas Vivem: Um caminho de luta”, da Rede Observatório de Segurança (2025), desenvolvido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania e verificar com tristeza o crescimento epidêmico de mortes e estupros de mulheres em todo o País, e particularmente no Ceará, percebo o quanto é fácil esquecer mulheres que morrem em situações tão trágicas e rapidamente se transformam em números, desnomeadas, sem rostos e, em algumas poucas vezes, iluminadas pela luz de velas.
Ela Não Queria Ser Santa: Mulheres vítimas de femicídio que foram santificadas | Trailer O POVO+
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