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Fernando morreu espancado e não há mais arco-íris
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Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas

Renato Abê arte e cultura

Fernando morreu espancado e não há mais arco-íris

Fernando Vilaça da Silva saiu de casa para comprar pão e leite, mas nunca voltou. Ele, que tinha apenas 17 anos, foi cruelmente agredido na rua, após ser chamado de "viadinho"

O ano era 2015 e mais de 26 milhões de usuários do Facebook (a rede social do momento) coloriam de arco-íris a foto do perfil em defesa da causa LGBT+. Estava em pauta a legalização do casamento entre pessoas do mesmo gênero pela Suprema Corte dos Estados Unidos e o tema gerou discussões mundo afora.

Naquele contexto, o Brasil debatia gênero e sexualidade de maneira inédita. O acesso à internet trouxe informação, o clima era de descoberta e parecia realmente que estávamos avançando rumo a um futuro mais acolhedor. Dez anos se passaram e infelizmente o clima esperançoso se desfez.

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Uma ilustração disso é que a própria Meta, dona de Facebook e Instagram, encerrou o programa interno de diversidade, equidade e inclusão. A decisão se soma ao fim do programa de checagem de fatos e à redução das políticas contra discurso de ódio e abuso nas redes. As mudanças permitem, então, que pessoas LGBTQIA+ sejam livremente associadas a doenças mentais.

Agora, em 2025, a plataforma outrora colorida é palco para a difusão de mais uma triste notícia: “Adolescente sofre homofobia, é espancado e morto no Amazonas”. Fernando Vilaça da Silva saiu de casa para comprar pão e leite, mas nunca voltou. Ele, que tinha apenas 17 anos, foi cruelmente agredido na rua, após ser chamado de “viadinho” por outros jovens que recorrentemente promoviam bullying e perseguições baseadas em discriminação. A violência brutal resultou em traumatismo craniano, hemorragia intracraniana e edema cerebral.

Naquele 2015, a onda de arco-íris parecia abrir caminho para uma geração mais aberta ao diverso. Mas, infelizmente, não é isso que está acontecendo. Fundadora do projeto “Everyday Sexism”, a pesquisadora britânica Laura Bates vem ressaltando em seus estudos: pela primeira vez na história, os mais jovens são mais machistas do que seus pais e avôs. E, claro, esse movimento reacionário contra mulheres escalona em outras frentes.

A jornalista Tereza Amorim, especialista em neurociência cognitiva, destaca que estamos enfrentando a “era do machismo 5G: mais rápido, mais jovem e alimentado por inteligência artificial”. As redes, que poderiam informar, são agora plataformas para disseminar ódio contra as ditas minorias – e a crueldade não fica restrita ao discurso online e tem resultado em crimes contra a vida.

Enquanto mulheres, pessoas LGBTQIA+, pessoas negras, PCDs e em outros recortes sociais hoje são bem mais autoconscientes do que há 10 anos, agora o campo parece livre para o ódio virtual e o embate real. O discurso conservador extremista cresce nas redes, nas ruas, nas igrejas, nas escolas e estamos todos expostos, cansados de lutar pelo óbvio, tristes porque Fernando não voltará e indignados porque logo mais receberemos outra notícia devastadora.

 

Foto do Renato Abê

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