"Vou jogar meus filhos pela janela": a hipérbole da mãe exausta
Sara Oliveira é repórter especial de Cidades do jornal O Povo há 10 anos, com mais de 15 anos de experiência na editoria de Cotidiano/Cidades nos cargos de repórter e editora. Pós-graduada em assessoria de comunicação, estudante de Pedagogia e interessadíssima em temas relacionados a políticas públicas. Uma mulher de 40 anos que teve a experiência de viver em Londres por dois anos, se tornou mãe do Léo (8) e do Cadu (5), e segue apaixonada por praia e pelas descobertas da vida materna e feminina em meio à tanta desigualdade.
"Vou jogar meus filhos pela janela": a hipérbole da mãe exausta
Participante do BBB usou o exagero para expor seu cansaço. Há mais julgamentos do que empatia, mais uma vez. E, de novo, não perguntam: onde está o pai enquanto uma mulher diz, em uma "hipérbole da mãe exausta", que quer jogar seus filhos pela janela?
“Tem dias que você quer matar seus filhos e ser presa. Tem dias que você olha pra essas crianças e fala ‘se eu morasse num prédio jogava pela janela, porque não aguenta, você surta, você quer morrer". A frase é da participante do BBB24, Fernanda, 32, mãe solo de duas crianças: um menino autista de 11 anos e uma filha de cinco. Ela falava de um tal botão da demência, ligado com a maternidade, e acionado quando ela vê “tudo fora de ordem, uma bagunça, não consegue pagar nada…”
Uma amiga com quem converso muito sobre gritos, traumas, dores e maternidade, veio me contar sobre o episódio do reality show e perguntou o que eu achava: “eu jogaria na CE-040 (sou moradora do Eusébio) e saía gritando”. Respondi, dei uma gargalhada, respirei fundo, e pensei em toda a peleja daquele dia. Acordei às 7h, tendo trabalhado até 23h, fiz café, lavei louça e farda, fiz tarefa, o almoço, varri a casa, brinquei de bola e de banco imobiliário, gritei, ameacei, amei, chorei e, quando ia sair de casa, vi o pneu do meu carro furado. Eu, que tenho rede de apoio, guarda compartilhada e emprego.
Mães são humanas, sentem raiva, decepção, frustração, se arrependem, pedem desculpas. E desabafam, sim, às vezes fazendo uso de hipérbole, que significa ênfase expressiva resultante do exagero da significação linguística. Um princípio básico da psique que aprendi explica que o pensamento é livre, e que é a linha que o distancia da ação que realmente importa. Fernanda sentir as dores da exaustão e expressá-las com uma hipérbole - como justificou sua equipe - não deveria ser alvo apenas de julgamentos e ameaças. Mas também de empatia, virtude ainda rara quando o assunto é maternidade.
A ocorrência com a sister me fez lembrar do filme “A Filha Perdida”, que assisti há alguns meses. Uma mãe que no auge dos seus 20 e poucos anos, após anos vendo o marido ter sucesso profissional enquanto ela se desesperava para cuidar das duas filhas, as abandona. Esse fato só é descoberto pelo expectador, porém, quando ela, já na meia idade, viaja sozinha para uma praia e se vê impactada por lembranças ao acompanhar a interação de uma jovem mãe com a filha. A trama rodeia sentimentos misteriosos quando uma boneca some e quando se descobre quem a pegou.
Várias mães são descritas no filme. Lembro que tentei, em pensamento, me reconhecer em todas elas e sempre queria excluir a protagonista. Achava que eu não seria ela. Não ainda. Não porque não. Não. Poucas são as mulheres que conseguem assumir - quando assim sentem - que não têm o instinto da maternidade, ou que não aceitam abrir mão de seus planos profissionais, ou que assumem que cuidar dos filhos é mais traumático do que recompensador….
Aprendi a julgar menos as mães, as mulheres. Já é difícil demais lidar com todas as pressões sociais para ser bonita, competente, profissional, simpática, fraterna, caprichosa, boa filha, mulher, mãe… e, mais uma vez, preciso destacar que ninguém foi atrás de saber sobre a paternidade exercida com aquelas crianças, o que os pais estão fazendo enquanto uma mulher diz, em uma “hipérbole da mãe exausta”, que quer jogar seus filhos pela janela?
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