
Jornalista, Professora, Empreendedora social, Mestre em Educação (UFC). Nesta coluna Cidade Educadora, escreve sobre os potenciais educativos das cidades, dentro e fora das escolas
Jornalista, Professora, Empreendedora social, Mestre em Educação (UFC). Nesta coluna Cidade Educadora, escreve sobre os potenciais educativos das cidades, dentro e fora das escolas
Por esses dias, no meio das infinitas análises que encheram as redes sociais nas últimas semanas sobre a minissérie britânica "Adolescência", lembrei-me de uma das várias formações sobre educação midiática que ministrei para professores do ensino fundamental I, da rede pública municipal de ensino de Fortaleza. Era agosto de 2019. A formação pautava-se no que há de objetivo no letramento digital, mas também no subjetivo.
Dentre vários assuntos relacionados, conversamos sobre a necessidade do acesso e da limitação do tempo de acesso das crianças ao celular, mas também sobre os riscos sociais, cognitivos e físicos de deixá-las com o dispositivo, sem acompanhamento, principalmente, vendo vídeos no YouTube, em um loop infinito. O curso durou três meses, com encontros duas vezes por semana.
Entre entusiastas da formação, alguns professores rechaçaram o aprendizado, considerando-o completamente descartável. “Para que falar de tecnologia para eles? Eles só têm 5 anos; eles só têm 9 anos; eles só têm 11 anos”. Mesmo diante da minha prévia compreensão de que a escola é o espaço social que deve estar mais bem preparado para orientar famílias e estudantes para os desafios de lidar com as tecnologias, as mídias e as redes sociais, eu acolhi e refleti sobre as críticas. O curso terminou no comecinho de novembro.
Dali a quatro meses, imergimos na pandemia da covid-19 e a mediação pelas tecnologias tornou-se a única forma possível de mantermos uma convivência social mínima uns com os outros. Ninguém contava viver um tempo tão insano, tão completamente mediado por telas. Mas é fato que a pandemia antecipou e agravou presságios e previsões de quem já estuda as interações entre infâncias, adolescências e mídias há muito tempo.
Estudar, pesquisar e pôr em prática a educação midiática não é só compreender como lidar com as inovações tecnológicas e midiáticas, como sujeito observador e participante responsável; não é tão somente cercar-se de habilidades para refletir criticamente sobre informações compartilhadas; mas é também, e sobretudo, como não precisar das telas, como saber viver momentos distante delas e como estabelecer limites de tempos e de objetivos de acesso. Enquanto crianças e adolescentes, depende-se dos cuidadores. E os cuidadores precisam, sim, saber como guiar crianças e adolescentes, desde bem cedo.
A tragédia que se abateu sobre os personagens da minissérie "Adolescência", quando transposta para análises do mundo real, não foi gerada de uma hora para outra. E não tem relação “apenas” com o tempo em que Jamie passou na internet, sob influências negativas. E não tem relação “apenas” com a cultura machista e misógina em que todos nós, de maneira tão nefasta, estamos imersos. Tem relação também com a ausência de ações educativas que apresentem estratégias bloqueadoras, amenizadoras e questionadoras do que nos é imposto, socialmente, dentro e fora da internet.
Tem relação com o que existe de mais visceral e essencial na relação entre crianças, adolescentes e cuidadores, sejam eles da família, da escola ou de outro meio social, como prevê o artigo 227, da Constituição Federal, em se tratando de quem merece nossa atenção, sob prioridade absoluta, na comunidade.
Meu recorte, que se relaciona à educação midiática, recai sobre a urgência da atenção parental, do olho no olho, da orientação contextual sobre o mundo, da necessidade de limites de tempo de acesso e de constante acompanhamento, concomitante à existência de tempos de qualidade pelo usufruto de outras atividades, como indispensáveis à saúde física e mental, mas também, como alternativas às telas.
Diante daquele ano de 2020, tão fatídico à aldeia global, como já nos despertava McLuhan, fico pensando se o impacto das telas sobre crianças e adolescentes, mesmo em situações tão adversas, teria sido menor se nós, sociedade em geral, tivéssemos tido maior interesse em entender o contexto do impacto das tecnologias, das mídias digitais, das redes sociais, nas nossas rotinas.
Todo o adoecimento social, em virtude dessa interação danosa que vivemos hoje, é uma tragédia anunciada. Não nos faltaram pesquisadores, estudos, dados e fatos que, há tempos, alertam sobre o assunto.
Na época da formação sobre educação midiática na escola pública, em 2019, para professores de crianças de 4 a 11 anos, houve quem achasse tudo completamente desnecessário, ainda que muitas evidências dos malefícios já estivessem ali, na realidade das escolas, gritando para que fossem vistos.
Quatro meses depois do curso, acompanhamos comunidades escolares, públicas e privadas, inclusive, gestores públicos, completamente perdidos. Bem poucos tomaram decisões assertivas sobre o bem-estar mental de crianças, adolescentes, para viabilizar estudos e interações sociais. Dentre as más decisões, muitas escolas, por exemplo, submeteram crianças pequenas a mais de 5 horas de aulas via Meet.
Uma escola que tivesse uma boa compreensão do contexto da relação entre infâncias e tecnologias jamais permitiria essa rotina, ainda que o mercado de trabalho, a que familiares e educadores também estavam, enlouquecidamente, submetidos não correspondesse às expectativas pedagógicas.
A educação midiática é, sem dúvida, das ferramentas mais potentes diante do amargor de influências, dependências, vazios, ausências, substituições negativas, em vários âmbitos, que as telas e as redes sociais vêm espalhando entre crianças e adolescentes. E, acreditem, ela é necessária desde cedo.
Acreditem ainda mais: ela é necessária, mesmo que crianças e adolescentes ainda não tenham acesso às telas. Acreditem ainda muito mais: ela é necessária até mesmo na relação de presença, de atenção e de afeto que os cuidadores estabelecem com crianças e adolescentes, sobretudo, nos momentos indispensáveis de ausência total das telas.
A brasilo-argentino cearense Cia. Laguz Circo e Teatro Itinerante está entre os grupos selecionados para a 17ª edição do Circuito Sesc de Artes de São Paulo. Durante todo este mês de maio - a partir de amanhã, dia 3, a Cia dos queridos palhaços Suspiro e Burbuja circulará por nove municípios paulistas, apresentando gratuitamente o espetáculo “Suspiros e Burbujas” em praças e espaços públicos. Que maravilha! Para acompanhar mais essa empreitada incrível da dupla Felipe e Romina, acesse o instagram deles: @laguzcirco.
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