Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO
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Os espaços de formação e consolidação das cidades passam, na sua gênese, pelo que conhecemos como bairro do Centro. Fortaleza não foge à regra, dos primórdios quando vila à província ali começaram as residências, negócios, órgãos e administrações públicas e lazer.
Neste recorte de identidade e perspectiva histórica cabe o exercício dos afetos e da razão ao perceber a Praça do Ferreira como elemento das representações do correr do tempo da cidade, suas representações e simbologias da cearensidade.
O caminhar da narrativa carece resgatar a memória histórica do lugar, destacar acontecimentos e pessoas que representem, de forma recortada, as convergências e contradições do lugar.
"A praça, no sentido mais amplo do conceito, é do povo. Carrega o espelho das expressões democráticas das cidades no transcorrer do tempo."
A praça sofreu ao longo dos anos várias reformas, possuindo diversos nomes: Feira Nova; Largo das Trincheiras; Pedro II; Do Ferreira; Municipal. Seu atual nome deve-se a Antônio Rodrigues Ferreira de Macedo (1800-1859), mais conhecido como boticário Ferreira, político que de 1843 a 1859 ocupou cargos de vereador, prefeito e presidente da Câmara Municipal de Fortaleza. Em 1871, o espaço passa a se chamar Praça do Ferreira para homenageá-lo.
A praça, no sentido mais amplo do conceito, é do povo. Carrega o espelho das expressões democráticas das cidades no transcorrer do tempo. Nos versos de “Tempo rei”, de Gilberto Gil, encontra-se a percepção da transitoriedade: “Transformai as velhas formas do viver”.
A Praça do Ferreira seguiu avançando o tempo das transformações. Nos séculos XIX e XX foi principal cenário da vida social, cultural, política e econômica da cidade, do Estado. Ali, haviam os famosos quiosques (Café Riche, Café Java, Café do Comércio, Café Elegante, Café Iracema) que reunia a população, intelectualidade e formadores de opinião.
No final do século XIX, surgia na Praça do Ferreira a Padaria Espiritual, agremiação literária formada por escritores, pintores e músicos, buscava despertar nos moradores o gosto pela literatura. Dentre os participantes destacam-se: Antônio Sales, Juvino Guedes, José Carlos Júnior, Juvenal Galeno, Rodolfo Teófilo, Cabral de Alencar, Lopes Filho, Lívio Barreto, Ulisses Bezerra, Temístocles Machado e Tibúrcio de Freitas.
Os quiosques desaparecem na reforma da praça em 1902 e surge como destaque o “Jardim 7 de Setembro”, veio a desaparecer na reforma seguinte de 1920 com a implantação de um coreto. O coreto foi espaço de discursos, manifestações, músicas, encontros e ebulição da cidade. Em 1932 é demolido o coreto e dois anos depois é inaugurado a “Coluna da Hora”. Em 1949, no lado norte da Praça, é construído o Abrigo Central, servia como parada das linhas de ônibus e boxes de produtos. Em 1969 são demolidos o Abrigo Central e a Coluna da Hora, funcionando sua versão mais absurda e feia da Praça, em contínuo processo de distanciamento das pessoas e eliminação dos espaços de manifestações populares. Em 1991 resgatou-se a Coluna da Hora e a versão contemporânea que temos da Praça do Ferreira.
"O século XXI escancarou o processo de esquecimento e abandono que o Centro vem gradativamente sofrendo desde o final do século passado"
As histórias, causos e reflexões sobre a Praça do Ferreira são infindáveis, porque continuam a ser construídas dia a dia por quem lá habita ou transita. Como exercício de leitura recomendo dois agradáveis livros: “A praça do povo”, de Alberto S. Galeno; “Fortaleza descalça”, de Otacílio de Azevedo.
O século XXI escancarou o processo de esquecimento e abandono que o Centro vem gradativamente sofrendo desde o final do século passado, decorrente dos novos conceitos de urbanismo, especulação imobiliária, má gestão pública e comportamentos sociais. O Centro volta-se, hoje, marcadamente para o comércio, além de expor uma grave fratura social, os moradores de rua.
Ao anoitecer da semana e nos finais de semana, quando o movimento cessa, a população invisibilizada (e cada vez mais presente na cidade) dos moradores de rua faz morada na Praça do Ferreira e arredores. São famílias, crianças, mulheres e homens nas mais variadas idades, largados, esquecidos, humilhados, abandonados pela sociedade. Imperativo repensarmos os espaços públicos e seus cidadãos, dignamente.
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