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O privilégio de ter janelas
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Tânia Alves é formada em jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Começou no O PCeará e Política. Foi ombudsman do ornal por três mandatos (2015, 2016 e 2017). Atualmente, é coordenadora de Jornalismo..

O privilégio de ter janelas

Tânia Alves escreve sobre o mundo que enxerga pelas janelas de casa em época de pandemia. De como o local aproxima os amigos
Tipo Crônica
Janela de casa para a rua Vicente Linhares (Foto: Oceli Lopes)
Foto: Oceli Lopes Janela de casa para a rua Vicente Linhares

As janelas de minha casa têm me trazido o mundo. Quando sinto que estou muito cansada de tudo, dos aparelhos eletrônicos, de olhar as cadeiras da sala, o fogão e a geladeira em busca de comida, vou para a janela do quarto que dá para uma rua estreita ou da cozinha que me leva para a avenida mais movimentada. As janelas de minha casa têm sido como a porta do carro rodando pelas estradas. Nelas eu enxergo a vida pulsando no vai e vem do trânsito e das poucas pessoas que se aventuram pelas ruas. Imagino histórias e crio narrativas que só cabem na minha cabeça.

De manhãzinha, fico próximo ao parapeito para filar um pouco de sol que me tem faltado por quase um ano inteiro. Se vou em busca de vitamina D, nesse horário ela me serve para ver a Cidade acordada pela luminosidade. Rua quase deserta, mas sempre tem um bêbado que grita e pede ajuda aos que passam com o pão debaixo do braço. Ele xinga quem nega uma moeda e me faz rir por ainda manter força na voz e consciência na escolha dos palavrões. Dá para sentir o gosto do café em família, quando a garagem da casa vizinha fica lotada de carros nas manhãs de domingos.

Janela de casa para a rua Professor Dias da Rocha
Foto: Oceli Lopes
Janela de casa para a rua Professor Dias da Rocha

No final de tarde, dá para ver reunião dos condôminos em torno da piscina. Entre braçadas e mergulhos, de um lado para outro, imagino as conversas bobas e os risos que só o aconchego da família e dos amigos podem proporcionar. Olhando para essas cenas do cotidiano também julgo se o fortalezense está aderindo ou não ao distanciamento social, uma necessidade imposta pelo Estado. E já tenho um veredito: dia de chuva é quando o cearense melhor cumpre o lockdown. É o dia em que as varandas dos apartamentos ficam cheias de redes armadas, confirmando que cearense, em dia chuvoso, só sai de casa por obrigação.

Da janela, vejo a Lua à noite quando ela está cheia. Este tem sido um dos momentos mais bonitos de todos. Por ela, fico junto de amigos queridos mesmo separados por quilômetros. Um deles sempre alerta: hoje tem Lua Cheia. E lá vou eu, mais uma vez, contemplar e tentar fotografar pela lente do celular que nunca fica de boa qualidade. Mas o registro do olhar é sempre perfeito. Mesmo quando está minguante acho bonita aquela paisagem.

Tenho procurado também as estrelas pela janela. Aí lembro do meu irmão mais velho que mora na cidade grande e tem esperança de, um dia, poder de novo enxergar aquele tapete luminoso de milhares de pontinhos no céu quando, à noite, ia visitar meu avô no sítio onde morava. Sem luz elétrica, dava para ver o cruzeiro do Sul, as três Marias e a Estrela d´Alva que minha tia contava ter indicado o caminho aos três Reis Magos para o estábulo aonde Jesus nasceu. Isto me traz boas lembranças. É bom poder ter janelas em tempo de pandemia. Mais que isso: é um privilégio ter janelas em tempos de isolamento.

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