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Vidas relativizadas na tragédia de Petrópolis
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Tânia Alves é formada em jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Começou no O PCeará e Política. Foi ombudsman do ornal por três mandatos (2015, 2016 e 2017). Atualmente, é coordenadora de Jornalismo..

Vidas relativizadas na tragédia de Petrópolis

As vidas de muitos moradores de Petrópolis se perderam em meio à lama e à água que escorregaram pelas encostas dos morros. Mas, na catástrofe, há sinais de esperança, como a da menina que encontrou o livro de geografia em meio a escombros e o segurou no peito como um troféu
Tipo Crônica
Bombeiros, moradores e voluntários  no local do deslizamento no Morro da Oficina, em Petrópolis (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil Bombeiros, moradores e voluntários no local do deslizamento no Morro da Oficina, em Petrópolis

Por dever de oficio, tenho escutado, lido e acompanhado muitas histórias de gente sofrida na tragédia de Petrópolis no Rio de Janeiro, quando uma tempestade desceu o morro da Cidade e matou ao menos 123 pessoas (dados do dia 18/2). Sinto, na minha distância, o sofrimento daqueles moradores que perderam tudo em bens materiais e, acima de tudo, estão se despedindo dos seus amores abruptamente por causa de uma tragédia anunciada e repetida.

No meio de catástrofe, eles catam o elo de suas vidas nos escombros em busca dos seus. Como a mãe que veio de longe, teve que pegar uma enxada e cavar os destroços com as próprias mãos na expectativa de ainda encontrar a filha com vida. Ali, a mulher não tinha tempo para chorar, carregava nos braços uma força que jamais saberia explicar, pois nasceu no seu ventre.

Ou a imagem de muitas pessoas que, no dia seguinte ao desastre, foram em busca de suas casas e mal dava para localizar o que tinham levando anos e anos para construir. Puxavam pela memória para tentar enxergar a sala, o quarto, o banheiro, a geladeira, o fogão, coisas que a gente nem presta atenção. Naquele momento, eles nem os reconhecem mais. Muitos saíram de lá com o resto que sobrou de suas vidas em um saco carregado nas costas. Aquilo era uma conquista, como o livro de geografia que a menina teve sorte de encontrar e segurava contra o peito, tal qual um troféu. O exemplar era a ligação com o viver.

As vidas daqueles moradores se perderam em meio à lama e à água que escorregaram pelas encostas dos morros. A casa se foi, os amores foram tragados pelas enxurradas e a solidão parece chegar com a falta do poder público, que não se faz presente em todos os lugares, não se preparou para a repetição de uma tragédia que já havia ocorrido no mesmo lugar, em 2011, quando mais de 900 morreram por causa das chuvas.

Ao deixar as pessoas cavarem os destroços em busca de corpos com objetos improvisados ou com as próprias mãos, o poder publico só mostra falta de ação em meio a inúmeros discursos de palavras vãs. Olham a tragédia de cima como se não fosse responsabilidade deles. 

Carlos Menezes leva Pitoco nos braços após reencontrar o animal no alto do Morro da Oficina(Foto: Reprodução/TV Globo)
Foto: Reprodução/TV Globo Carlos Menezes leva Pitoco nos braços após reencontrar o animal no alto do Morro da Oficina

Da lama também surge um pontinho de esperança, com a qual a gente se agarra desesperadamente. Como a história do publicitário que subiu o morro, ainda em meio a trovoadas, para buscar seu vira-lata Pitoco. Fotografado com as roupas sujas de lama e o animal nos braços, aquela imagem logo se transformou em símbolo de que a vida ainda é possível mesmo quando muitos choram pelos que se foram.

Naquele desespero, também apareceram pessoas com o coração gigante de solidariedade. Capaz de dar a mão e abrigar moradores que ficaram sem nada. Ouvi muito: “Estou em casa de amigos” ou “amigos me ajudaram”, “amigos me ampararam”. Quando os bens se resumem à roupa que está no corpo, os amigos são o abrigo que serve de alento.

 

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