Por que humanizamos os robôs e robotizamos os humanos nas empresas?
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Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades
Por que humanizamos os robôs e robotizamos os humanos nas empresas?
Darwin foi pioneiro em propor que muitas expressões emocionais são inatas e universais, e não aprendidas. Hoje, essa ideia é amplamente aceita pela neurociência e pela psicologia evolutiva
Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney
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Em 1859, Charles Darwin apresentava ao mundo sua revolucionária teoria da evolução pela seleção natural. Em suas obras posteriores, como "A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais", Darwin sustentava que sentimentos como raiva, medo, ciúmes e alegria não eram exclusivos dos seres humanos. Eles se manifestavam por meio de expressões corporais herdadas de nossos ancestrais animais — como mostrar os dentes ao se irritar, comportamento similar ao de macacos e cães.
Darwin foi pioneiro em propor que muitas expressões emocionais são inatas e universais, e não aprendidas. Hoje, essa ideia é amplamente aceita pela neurociência e pela psicologia evolutiva. Mas o que ele talvez não pudesse prever é que, um dia, usaríamos essas expressões inatas como modelo para ensinar robôs a sentir — ou, pelo menos, a simular emoções humanas com precisão surpreendente.
Robôs emocionais e IA generativa: a evolução das máquinas sensíveis
Em 2014, a operadora japonesa SoftBank lançou o Pepper, um robô humanoide programado para reconhecer emoções humanas por meio de sensores táteis, visuais e sonoros. Seu objetivo? Maximizar a felicidade e minimizar a tristeza de seus usuários. A criação do Pepper foi um marco na chamada computação afetiva, área da ciência que busca ensinar máquinas a identificar, interpretar e responder às emoções humanas.
Desde então, a inteligência artificial evoluiu exponencialmente. Hoje, modelos generativos como o ChatGPT, Gemini e Claude são capazes de conduzir conversas com níveis de empatia, fluidez e personalidade que impressionam até os mais céticos. A IA passou a ser incorporada em Unidades de Resposta Audível (URAs), assistentes virtuais, chatbots, robôs físicos em hotéis e hospitais e agentes digitais no metaverso.
As novas URAs, por exemplo, abandonaram a voz monótona do passado e passaram a usar tons amigáveis, piadas, variações de entonação e até emojis nos textos escritos, promovendo interações emocionalmente leves e agradáveis. A ideia é simples: criar experiências positivas desde o primeiro contato. Mas há um paradoxo que salta aos olhos.
O paradoxo moderno: robôs humanizados, humanos robotizados
Apesar de todo esse esforço em humanizar as máquinas, quando a interação finalmente passa para um ser humano — seja num atendimento telefônico, presencial ou por chat — o que muitas vezes encontramos é o oposto: uma conversa fria, impessoal, presa a roteiros engessados e orientada por metas que pouco têm a ver com empatia. É como se a tecnologia tivesse aprendido a simular emoção melhor do que muitos profissionais reais.
E surge então a pergunta central deste artigo: por que estamos investindo tanto em dar emoções aos robôs e, ao mesmo tempo, tirando-as dos humanos nas empresas? A resposta está na forma como construímos nossas estratégias de atendimento, gestão e cultura organizacional.
Empresas estão podando as emoções humanas
Ao invés de usar a emoção como vantagem competitiva, muitas empresas a tratam como um problema a ser eliminado. Os atendentes são treinados não para se conectarem com os clientes, mas para conter frustrações, seguir protocolos rígidos e encerrar o contato no menor tempo possível.
O atendimento humano se tornou um jogo de metas frias, tempo médio de chamada, NPS automatizado e “scripts de empatia” forçados. Nesse cenário, o profissional deixa de ser uma pessoa e passa a ser um mecanismo de contenção de danos — uma espécie de algoritmo humano.
A emoção, que Darwin reconheceu como um traço essencial e natural da nossa espécie, passou a ser vista como um obstáculo. A tecnologia não é o problema. A estratégia é. O avanço da inteligência artificial não deveria ser uma ameaça, mas sim uma oportunidade de re-humanizar as relações. Porém, isso só é possível se as empresas entenderem que emoção não é ineficiência — é diferenciação.
Segundo o especialista em marketing de serviços Christian Grönroos: “Empresas não entregam valor. São os consumidores que criam valor, a partir de suas experiências”.
Ou seja, não adianta ter o robô mais empático do mercado se o atendimento humano — que é quem realmente cria vínculo — for mecânico, apático ou desinteressado.
A tecnologia pode ser aliada para acelerar processos, organizar informações, prever comportamentos e até iniciar o atendimento. Mas é no toque humano que reside a confiança, a lealdade e a memória emocional positiva. E isso vale para qualquer setor: bancos, e-commerce, saúde, educação, hotelaria, suporte técnico...
As pessoas ainda querem ser tratadas como pessoas
Um relatório de 2023 da Salesforce revelou que:
73% dos consumidores esperam que as empresas compreendam suas necessidades e expectativas emocionais;
62% afirmam que preferem falar com humanos quando o problema é complexo ou emocional;
E 88% afirmam que a experiência é tão importante quanto o produto ou serviço em si.
Esses números reforçam o óbvio: a tecnologia pode iniciar o contato, mas é a humanidade que o sustenta.
O futuro do atendimento é emocionalmente profissional
A era da inteligência artificial está apenas começando. Nos próximos anos, robôs como o Ameca, da Engineered Arts, serão capazes de manter diálogos naturais, com expressões faciais quase indistinguíveis das humanas.
E é inevitável que eles assumam cada vez mais postos de trabalho — especialmente aqueles que envolvem tarefas repetitivas e puramente operacionais. Mas se quisermos manter os humanos no centro das relações de serviço, precisamos redefinir o papel do atendimento humano. Isso exige:
Treinar pessoas para empatia e escuta ativa, não apenas para eficiência operacional;
Dar autonomia para fugir dos roteiros quando necessário, criando soluções verdadeiramente personalizadas;
Resgatar a dignidade e o protagonismo do profissional de atendimento, para que ele seja um construtor de relacionamentos e não apenas um executor de processos;
Colocar o cliente no centro, mas sem esquecer que do outro lado está outro ser humano, o colaborador.
Conclusão: ou voltamos a ser humanos ou seremos substituídos
O avanço tecnológico é irreversível. E isso é bom. Ele nos liberta de tarefas repetitivas, amplia nossas capacidades e nos convida a focar no que nos torna únicos: a emoção, a empatia, a criatividade e a conexão autêntica.
Se continuarmos a robotizar nossos profissionais, os robôs não apenas nos imitarão — eles nos substituirão. Mas se formos capazes de oferecer um atendimento emocionalmente profissional, onde tecnologia e humanidade caminham lado a lado, criaremos experiências que máquina nenhuma conseguirá replicar.
Como dizia Darwin, quem sobrevive não é o mais forte, mas o que melhor se adapta. E talvez, no mundo das empresas, essa adaptação envolva voltar a ser humano.
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