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IA: o problema da educação não é saber responder, mas aprender a perguntar
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Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades

Vladimir Nunan tecnologia

IA: o problema da educação não é saber responder, mas aprender a perguntar

Com a Inteligência Artificial, o Problema da Educação Não É Saber Responder, e Sim Aprender a Perguntar
Script usado: IA, Education, Teacher, University, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, Canon EOS camera, extremely detailed textures --ar 16:9 --v 7.0 (Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney)
Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney Script usado: IA, Education, Teacher, University, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, Canon EOS camera, extremely detailed textures --ar 16:9 --v 7.0

Vivemos em um tempo em que a informação está disponível em segundos. Assistentes como ChatGPT e outros sistemas de inteligência artificial (IA) conseguem responder perguntas com agilidade e, muitas vezes, com um grau razoável de profundidade. Isso nos leva a uma reflexão importante: se as máquinas já são capazes de responder, qual será o papel da educação e dos educadores no século XXI?

A frase "O problema da educação não é saber responder e sim aprender a perguntar" resume de forma clara essa mudança de paradigma.

A capacidade de questionar, de investigar e de pensar criticamente torna-se mais valiosa do que simplesmente saber repetir ou memorizar. Neste cenário, a pedagogia da pergunta ganha centralidade e se torna uma ferramenta fundamental para transformar a educação em uma prática realmente significativa.

Educação como diálogo, não como transmissão

O modelo tradicional de ensino, baseado na transmissão unidirecional de conteúdo do professor para o aluno, tem mostrado limitações cada vez mais evidentes. Essa abordagem trata o aluno como um repositório de informações, e não como um sujeito ativo no processo de aprendizagem.

Com a chegada da inteligência artificial e de tecnologias de acesso rápido à informação, esse modelo se mostra não apenas antiquado, mas ineficaz.

Paulo Freire, um dos maiores pensadores da educação crítica, já alertava para isso há décadas. Em sua concepção, educar é dialogar. É estimular o aluno a interpretar o mundo, a fazer perguntas sobre a realidade em que vive, a refletir sobre as injustiças e a buscar soluções.

A educação libertadora freiriana não se preocupa em dar respostas prontas, mas em provocar o desejo de saber.

A ciência confirma: perguntar transforma o aprendizado

A neurociência e a psicologia cognitiva oferecem diversas evidências de que a capacidade de formular perguntas tem um impacto positivo profundo na aprendizagem. Fazer perguntas ativa áreas do cérebro relacionadas à atenção, à memória e à tomada de decisão. Além disso, estimula o pensamento analítico e a metacognição, ou seja, a capacidade de pensar sobre o próprio pensamento.

Estudos mostram que alunos que elaboram suas próprias perguntas durante o estudo retêm melhor as informações e desenvolvem mais autonomia. Quando incentivados a perguntar, os estudantes deixam de ser passivos e passam a ser coautores do processo educativo.

Além disso, pesquisas recentes apontam que a aprendizagem ativa, onde o estudante é protagonista e se engaja em atividades de investigação, gera melhores resultados de longo prazo. A pergunta, nesse contexto, funciona como um gatilho para a curiosidade e a exploração.

Os quatro benefícios da pedagogia da pergunta

1. Desenvolvimento do pensamento crítico: aprender a fazer boas perguntas é desenvolver a capacidade de análise, de avaliação de informações, de identificação de premissas ocultas e de construção de argumentos sólidos. Perguntar é refletir. É duvidar de certezas e buscar entendimentos mais profundos.

2. Maior engajamento no processo de aprendizagem: quando o estudante sente que suas perguntas são levadas a sério, ele se envolve mais com os conteúdos. Isso aumenta a motivação intrínseca, o interesse genuíno pelo tema e a disposição para aprender de forma contínua.

3. Promoção da autonomia: o aluno que aprende a perguntar aprende também a aprender. Ele desenvolve independência intelectual, torna-se capaz de buscar respostas por conta própria e se prepara para enfrentar situações complexas fora da escola, no mundo real.

4. Melhoria na comunicação: formular perguntas exige clareza de pensamento e expressão. Isso desenvolve habilidades linguísticas e sociais, além de fortalecer a escuta ativa e o respeito pelo ponto de vista do outro. Em ambientes colaborativos, como empresas e equipes multidisciplinares, saber perguntar é uma habilidade essencial.

A IA muda tudo, inclusive o papel do professor

A inteligência artificial vem assumindo muitas tarefas que antes eram exclusivas do professor, como apresentar conteúdos, corrigir exercícios e até dar explicações personalizadas. Isso não significa que o professor está sendo substituído. Pelo contrário, ele está sendo reposicionado.

O professor do futuro é, acima de tudo, um mediador. Ele orienta o uso da tecnologia de maneira crítica e ética, estimula a reflexão, incentiva o diálogo e valoriza as perguntas dos alunos como ponto de partida para o conhecimento. Seu papel não é mais apenas ensinar, mas principalmente provocar.

Nessa nova realidade, educar é preparar os alunos para fazer boas perguntas às máquinas. É ensinar a navegar com discernimento em um mar de informações e a compreender que nem toda resposta automática é verdadeira ou suficiente.

Escola da Ponte: um exemplo real de pedagogia da pergunta

Um dos casos mais inspiradores de aplicação prática da pedagogia da pergunta é a Escola da Ponte, em Portugal.

Fundada pelo educador José Pacheco, essa escola rompeu com o modelo tradicional de ensino e criou um ambiente de aprendizagem baseado na autonomia, no diálogo e no protagonismo dos estudantes.

Na Escola da Ponte, não há séries, turmas fixas ou horários rígidos. O currículo é construído com base nos interesses e nas perguntas dos próprios alunos. Eles organizam seus projetos de estudo com o apoio de tutores, desenvolvem pesquisas colaborativas e aprendem uns com os outros. A avaliação também é formativa, voltada para o crescimento individual e coletivo.

O mais impressionante é que esse modelo, que muitos consideram utópico, apresenta resultados acadêmicos e sociais significativos. Os alunos da Escola da Ponte mostram alto desempenho em exames nacionais, além de desenvolverem empatia, responsabilidade e consciência cidadã. Eles aprendem a aprender, e o ponto de partida são suas perguntas.

O exemplo da Escola da Ponte comprova que é possível transformar a escola em um espaço de liberdade e criatividade, onde perguntar é mais importante do que acertar.

Cinco práticas para cultivar a cultura da pergunta na sala de aula

1. Valorizar a curiosidade dos alunos: permita que eles façam perguntas antes, durante e depois das aulas. Dê espaço para a dúvida e trate a curiosidade como aliada do conhecimento.

2. Utilizar metodologias investigativas: projetos, estudos de caso, dilemas éticos e desafios reais estimulam o pensamento crítico e a formulação de perguntas relevantes.

3. Reformular avaliações: inclua perguntas abertas, dissertativas e reflexivas nas avaliações. Dê menos ênfase à resposta certa e mais à capacidade de pensar.

4. Modelar o comportamento questionador: mostre aos alunos como você, como professor, também faz perguntas. Pergunte sobre significados, causas, consequências e relações entre os temas.

5. Criar diários de perguntas: estimule os alunos a manterem um caderno com perguntas que surgem ao longo do tempo. Depois, permita que eles escolham algumas para investigar com profundidade.

O novo analfabetismo: não saber perguntar

Se, no passado, ser analfabeto era não saber ler e escrever, no presente e no futuro será analfabeto quem não souber perguntar. A pergunta é a chave para a autonomia intelectual, para o pensamento criativo e para a formação de cidadãos críticos em um mundo cada vez mais complexo.

Sugata Mitra, pesquisador indiano conhecido pelo experimento “Hole in the Wall”, mostrou que crianças podem aprender sozinhas quando têm acesso a um computador e a uma pergunta desafiadora.

Sua proposta de ambientes de aprendizagem auto-organizados se baseia exatamente nisso: fazer grandes perguntas e deixar os alunos explorarem caminhos para encontrar respostas.

Com a inteligência artificial cada vez mais presente, a pergunta passa a ser o filtro que separa a informação útil da irrelevante, o conhecimento superficial do conhecimento profundo, o aprendizado real da simples reprodução.

Conclusão: o futuro da educação é feito de perguntas

A inteligência artificial nos força a repensar o que é essencial no processo educativo. Já não basta saber responder corretamente. É preciso saber perguntar com sentido, com propósito, com profundidade.

A pedagogia da pergunta, como defendida por Paulo Freire e aplicada por José Pacheco na Escola da Ponte, aponta um caminho possível e urgente para a transformação da educação. Um caminho em que os alunos não apenas aprendem conteúdos, mas desenvolvem uma postura investigativa diante do mundo.

A pergunta é o início da sabedoria. Ensinar a perguntar é ensinar a pensar. E ensinar a pensar é ensinar a ser livre.

Inteligência Artificial: o Brasil tem algumas perspectiva de regulamentar? | O POVO News

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