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Miguel Nicolelis: por que a inteligência artificial não é inteligente
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Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades

Vladimir Nunan tecnologia

Miguel Nicolelis: por que a inteligência artificial não é inteligente

Este artigo apresenta as ideias centrais de Nicolelis sobre por que a IA atual não pode ser considerada inteligente
Script usado: robot, brain, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, Canon EOS camera, extremely detailed textures --ar 16:9 --v 7.0 (Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney)
Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney Script usado: robot, brain, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, Canon EOS camera, extremely detailed textures --ar 16:9 --v 7.0

A expressão "inteligência artificial" (IA) se popularizou nas últimas décadas, saindo dos laboratórios de ciência da computação e invadindo o cotidiano, os negócios, a política e a cultura. Atualmente, algoritmos que carregam esse nome estão presentes em assistentes virtuais, veículos autônomos, plataformas de recomendação, aplicativos médicos e sistemas de segurança.

Apesar da fascinação generalizada, há vozes na comunidade científica que alertam para os equívocos e exageros associados à IA. Um dos críticos mais relevantes é o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis.

Para Nicolelis, a chamada inteligência artificial não é nem verdadeiramente inteligente nem propriamente artificial.

Ele argumenta que os sistemas atuais operam com base em processamento de dados e identificação de padrões, sem qualquer forma de cognição real, consciência ou capacidade de compreensão. Sua crítica vai além da tecnologia em si, abordando aspectos filosóficos, epistemológicos e até sociais.

Segundo ele, a verdadeira inteligência é uma propriedade emergente de organismos vivos, resultado de milhões de anos de evolução biológica.

Este artigo apresenta as ideias centrais de Nicolelis sobre por que a IA atual não pode ser considerada inteligente. Também analisa as diferenças fundamentais entre a inteligência biológica e os sistemas computacionais contemporâneos, e recomenda leituras de suas principais obras para aprofundar o tema.

Quem é Miguel Nicolelis

Miguel Nicolelis é médico, cientista e professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos. Tornou-se mundialmente conhecido por suas pesquisas com interfaces cérebro-máquina. Em 2014, coordenou o projeto que permitiu a um jovem paraplégico dar o chute inicial da Copa do Mundo usando um exoesqueleto controlado pela mente.

Além da prática científica, Nicolelis é autor de diversos livros e um pensador crítico da narrativa dominante sobre a inteligência artificial. Ele defende que o cérebro humano é um sistema orgânico, imprevisível, emocional e social. Portanto, não pode ser simulado ou reproduzido por máquinas feitas de silício.

Livros recomendados de Miguel Nicolelis

Para quem deseja compreender a fundo sua visão sobre cérebro, consciência, tecnologia e inteligência, seguem quatro obras indispensáveis:

Muito Além do Nosso Eu (2011). Neste livro, Nicolelis apresenta suas descobertas sobre interfaces cérebro-máquina e defende que o cérebro é um sistema dinâmico e integrado ao corpo, impossível de ser replicado por máquinas.

O Cérebro Relativístico (2020). Aqui, ele propõe a tese de que o cérebro é o verdadeiro criador da realidade e que sua atividade deve ser compreendida de forma relativística, levando em conta contextos biológicos e sociais.

O Verdadeiro Criador de Tudo (2021). Uma obra provocadora em que Nicolelis argumenta que a consciência e a inteligência humanas são os únicos instrumentos que moldam o universo como o conhecemos.

Made in Macaíba (2015). Um relato pessoal e científico sobre o projeto do Instituto Internacional de Neurociências em Macaíba, no Rio Grande do Norte, que integra ciência, educação e transformação social.

A crítica de Nicolelis à chamada inteligência artificial

Por que não é inteligente

Segundo Nicolelis, o uso da palavra "inteligência" para se referir aos algoritmos modernos é tecnicamente incorreto. Isso porque os sistemas atuais não possuem consciência, sentimentos, entendimento ou objetivos próprios.

São estruturas matemáticas que calculam probabilidades com base em correlações estatísticas derivadas de grandes volumes de dados.

Nicolelis explica que inteligência, tal como ocorre em seres humanos e animais, envolve adaptação criativa a contextos imprevisíveis, antecipação de riscos, tomada de decisões ambíguas e geração de significados a partir de experiências subjetivas. Nenhuma dessas habilidades está presente em uma IA.

Em outras palavras, os algoritmos são extremamente eficientes em repetir padrões aprendidos, mas são incapazes de compreender o mundo de forma autônoma. Eles não possuem intuição, empatia ou senso moral.

Por que não é artificial

Além disso, o termo "artificial" também é problemático. Embora as máquinas sejam feitas por humanos, os modelos de IA são inspirados diretamente na biologia, principalmente em conceitos da neurociência.

As chamadas redes neurais artificiais, por exemplo, tentam simular de maneira muito simplificada o funcionamento dos neurônios no cérebro.

Nicolelis argumenta que, se algo é inspirado em processos vivos e modelado a partir de um sistema biológico, sua artificialidade é relativa. Os algoritmos não surgem do nada. Eles são criados por seres humanos, baseados em observações humanas e alimentados com dados humanos.

Dessa forma, a IA não é independente nem original. É uma ferramenta técnica que reflete os vieses, as limitações e as estruturas do mundo em que foi construída.

Inteligência biológica: uma conquista da evolução

Adaptabilidade e plasticidade: a inteligência nos organismos vivos evoluiu como resposta à necessidade de sobreviver em ambientes complexos e mutáveis. Essa inteligência não é programada. Ela é adquirida, adaptada e refinada ao longo da vida por meio de experiências reais.

O cérebro humano, em particular, possui uma propriedade chamada neuroplasticidade, que permite que ele se reorganize constantemente com base em estímulos externos e internos.

A IA, ao contrário, depende de treinamento supervisionado e massivo, limitado a tarefas específicas. Ela não possui capacidade de generalização contextual, nem aprende de forma autônoma a partir de interações com o mundo físico.

Subjetividade e experiência: Nicolelis destaca que seres vivos têm uma experiência subjetiva do mundo. Eles sentem dor, prazer, medo e alegria. Essas emoções influenciam diretamente o comportamento e as decisões. Máquinas, por mais avançadas que sejam, não sentem. Elas não têm corpo, não têm passado, não têm identidade.

A subjetividade é o que permite ao ser humano criar arte, tomar decisões morais, desenvolver empatia e imaginar futuros alternativos. Isso está totalmente ausente dos sistemas computacionais.

O erro de pensar o cérebro como uma máquina de dados

Um dos maiores equívocos, na visão de Nicolelis, é imaginar que o cérebro humano funciona como um computador. Essa ideia, muito presente nas ciências cognitivas do século passado, leva a crer que a mente é uma espécie de software rodando no hardware cerebral.

Nicolelis argumenta que essa metáfora é ultrapassada. O cérebro não processa "dados" de forma sequencial, nem opera com lógica binária. Sua atividade é simultânea, paralela, adaptativa e fortemente influenciada por estados emocionais, hormônios e interações com o ambiente.

Complexidade e imprevisibilidade: o cérebro humano contém cerca de 86 bilhões de neurônios, cada um se conectando a milhares de outros por meio de sinapses. Isso gera uma rede altamente complexa e não-linear, que muda a cada instante. Essa plasticidade torna impossível a replicação fiel desse funcionamento por meio de máquinas determinísticas.

A IA atual funciona por meio de arquiteturas fechadas. Mesmo os modelos de aprendizado profundo são baseados em parâmetros ajustados por erro estatístico, e não por intuição, imaginação ou aprendizado espontâneo.

O reducionismo algorítmico

Nicolelis também alerta para os perigos do reducionismo presente nas propostas de IA. Muitos entusiastas acreditam que todos os aspectos da existência humana podem ser reduzidos a conjuntos de dados: sentimentos, ética, arte, política, espiritualidade.

Na prática, isso resulta na delegação de decisões sensíveis a sistemas opacos e impessoais. Já existem exemplos de algoritmos decidindo quem recebe crédito, quem passa em processos seletivos, quem tem prioridade médica ou quem é condenado judicialmente.

Segundo Nicolelis, confiar decisões humanas a entidades não conscientes é uma forma de desumanização travestida de inovação. Isso pode levar ao colapso do valor da experiência subjetiva e à supressão da empatia como elemento central da vida em sociedade.

IA generativa: uma ilusão de criatividade

Sistemas como GPT, DALL·E e outros modelos generativos são frequentemente apresentados como demonstrações da criatividade da IA. Nicolelis discorda dessa visão. Ele afirma que esses sistemas são apenas excelentes imitadores estatísticos.

Eles geram textos, imagens ou sons com base em probabilidades calculadas a partir de grandes bases de dados, mas não compreendem o conteúdo produzido.

Essas ferramentas não sabem o que é uma metáfora, uma ironia ou uma obra de arte. Apenas replicam combinações prováveis. A ilusão de criatividade nasce da capacidade de simular linguagem humana, mas sem qualquer intenção criativa por trás.

A promessa da "IA forte"

Alguns teóricos ainda falam sobre a possibilidade de uma "IA forte", ou seja, uma forma de inteligência artificial com consciência, senso de si e capacidade geral de raciocínio. Nicolelis é enfático ao afirmar que essa meta é ilusória.

Segundo ele, não se trata apenas de falta de tecnologia. Trata-se de um limite conceitual. Criar uma mente artificial exigiria não apenas reproduzir o cérebro, mas recriar todo o ecossistema evolutivo, afetivo, sensorial e social no qual a mente humana emerge.

Sem corpo, sem história, sem instinto e sem sofrimento, uma máquina jamais poderá pensar como um ser vivo.

Considerações finais

A crítica de Miguel Nicolelis à inteligência artificial é uma contribuição valiosa ao debate contemporâneo sobre tecnologia, ciência e humanidade. Em um mundo cada vez mais seduzido pela eficiência algorítmica, ele nos lembra que há dimensões da vida que não podem ser calculadas nem simuladas.

Inteligência, para ele, é o produto de um organismo vivo em constante interação com o mundo. Não é código, nem silício, nem rede neural artificial. É história vivida, emoção sentida, aprendizado construído com esforço e desejo.

Se queremos avançar tecnologicamente sem perder nossa humanidade, precisamos escutar com atenção vozes como a de Nicolelis. Seus livros não são apenas reflexões acadêmicas, mas chamados urgentes à responsabilidade ética e à valorização do que há de mais complexo e belo no ser humano: a mente viva.

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