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O lado sombrio da dopamina digital
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Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades

Vladimir Nunan tecnologia

O lado sombrio da dopamina digital

Este artigo explora as origens desses termos, seus mecanismos, as evidências disponíveis e formas de prevenção
nomofobia capa (Foto: isac bernardo)
Foto: isac bernardo nomofobia capa

Vivemos numa era na qual o acesso à informação, entretenimento e interação social está permanentemente à mão, bastando um toque no ecrã.

Contudo, esse “mundo sempre ligado” acarreta custos menos visíveis: enquanto as tecnologias prometem eficiência, conexão e progresso, elas também nos expõem a riscos cognitivos e emocionais que apenas começamos a compreender.

Dois conceitos emergem como metáforas críticas desses efeitos: a demência digital e a síndrome da preguiça cognitiva.

A “demência digital” descreve uma redução ou perda de habilidades cognitivas atribuída ao uso excessivo de dispositivos digitais, enquanto a “síndrome da preguiça cognitiva” aponta para a tendência de delegar tarefas mentais à inteligência artificial, enfraquecendo o raciocínio, a autonomia e o pensamento crítico.

Este artigo explora as origens desses termos, seus mecanismos, as evidências disponíveis e formas de prevenção.

O que é a demência digital

O termo “demência digital” foi popularizado pelo neurocientista alemão Manfred Spitzer, autor do livro Digitale Demenz (2012), que alertou para o risco de o uso intensivo de smartphones e internet causar atrofia cognitiva, especialmente entre jovens.

Segundo Spitzer, confiar demasiadamente nos dispositivos para lembrar, calcular ou decidir enfraquece as funções mentais, de forma semelhante ao que ocorre com um músculo que deixa de ser usado.

Embora não seja uma condição médica reconhecida, o conceito chama atenção para sintomas associados ao uso excessivo de tecnologia: dificuldade de concentração, perda de memória de curto prazo, redução do raciocínio lógico e comportamento fragmentado.

Os efeitos da demência digital

Os perigos da demência digital manifestam-se de várias formas. A ansiedade informacional é uma delas: a exposição contínua a fluxos de dados, notificações e estímulos visuais pode levar ao que se chama de “síndrome do pensamento acelerado”, dificultando a concentração e gerando ansiedade.

Outro efeito é a redução da capacidade analítica e do pensamento crítico. Quando a informação é consumida de forma rápida e fragmentada, o cérebro tende a aceitar dados sem reflexão profunda.

Também cresce a nomofobia, o medo de ficar sem o celular, que provoca ansiedade e dependência. Além disso, o sedentarismo físico e mental reforça a inércia cognitiva, afetando o sono, o humor e a produtividade.

A síndrome da preguiça cognitiva

Em 2023, pesquisadores da Universidade de Stanford identificaram um novo fenômeno: a “Síndrome da Preguiça Cognitiva”.

O estudo mostrou que o uso diário de inteligência artificial generativa para tarefas intelectuais reduz a capacidade de análise crítica e resolução autônoma de problemas.

Segundo o relatório, “os usuários tendem a delegar o raciocínio à máquina, o que diminui o exercício mental e compromete habilidades como o pensamento lógico, o julgamento ético e a criatividade”.

Essa síndrome manifesta-se na dependência crescente de ferramentas automatizadas para escrever, planejar, calcular ou decidir, levando à diminuição do esforço mental.

O resultado é um cérebro menos desafiado e, portanto, menos ativo. Essa passividade também enfraquece a metacognição, isto é, a capacidade de refletir sobre o próprio pensamento e aprendizagem.

Mecanismos e causas possíveis

A ciência sugere mecanismos por trás desses fenômenos. A neuroplasticidade, por exemplo, depende da prática: quanto mais o cérebro é desafiado, mais conexões neuronais são formadas.

A “memória externa”, característica do uso de dispositivos que lembram por nós, reduz a necessidade de reter e manipular informações mentalmente.

A multitarefa, típica do ambiente digital, interrompe a atenção profunda e o processamento de longo prazo. Além disso, o reforço dopaminérgico das notificações e recompensas rápidas cria dependência e intolerância à demora, diminuindo a paciência para tarefas cognitivas complexas.

Limitações e controvérsias

Apesar das preocupações, nem todos os estudos confirmam que o uso digital leve à deterioração cognitiva. Uma pesquisa publicada em 2025 pela Universidade de New South Wales concluiu que, entre adultos com mais de 50 anos, o uso de internet e smartphones estava associado a menor risco de declínio cognitivo.

Muitos especialistas consideram a “demência digital” uma metáfora útil, mas ainda carente de comprovação causal. O mesmo se aplica à preguiça cognitiva: embora estudos indiquem correlações, faltam análises de longo prazo que demonstrem impacto direto e irreversível.

Como prevenir os custos cognitivos da era digital

Mais do que demonizar a tecnologia, é necessário compreender que o problema está no excesso e na forma de uso.

O cérebro precisa de desafios e variedade de estímulos para se manter ativo. Por isso, limitar o tempo de tela, principalmente para crianças e jovens, é essencial. Definir horários livres de dispositivos, como durante as refeições e antes de dormir, ajuda o cérebro a recuperar o foco.

Atividades sem tecnologia, como leitura, esportes, arte e conversas presenciais, são fundamentais para exercitar diferentes funções mentais. Também é importante cultivar práticas que exijam esforço cognitivo ativo, como quebra-cabeças, debates e estudos.

A metacognição pode ser estimulada com perguntas simples: “como resolvi isso?”, “o que aprendi com essa tarefa?”, “existe outra forma de pensar?”.

O sono e a atividade física também desempenham papéis fundamentais, pois são pilares da memória e da saúde cerebral. Por fim, é essencial revisar o modo como usamos a inteligência artificial. Ela deve ser vista como ferramenta de apoio, não substituto do pensamento humano.

Usar a IA de forma crítica e consciente: questionando, interpretando e complementando; preserva nossa autonomia intelectual.

Conclusão

Os custos silenciosos do vício em dopamina artificial não estão apenas nas horas perdidas diante das telas, mas na erosão gradual da nossa capacidade de pensar, criar e decidir por conta própria.

O desafio contemporâneo não é rejeitar a tecnologia, mas aprender a usá-la sem abdicar da nossa humanidade. Desenvolver uma inteligência digital ativa e consciente é o caminho para equilibrar progresso e lucidez, eficiência e reflexão, inovação e sabedoria.

Foto do Vladimir Nunan

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