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Malha Cicloviária para quem?

Malha Cicloviária para quem?

A menos de um ano para completar uma década, a extensão cicloviária de Fortaleza se estabelece como uma das mais longas do país. Porém, ainda com desigualdades de distribuição, problemas de fiscalização e manutenção do modal.

Malha Cicloviária para quem?

A menos de um ano para completar uma década, a extensão cicloviária de Fortaleza se estabelece como uma das mais longas do país. Porém, ainda com desigualdades de distribuição, problemas de fiscalização e manutenção do modal.
Tipo Reportagem Por

Na Capital, apenas 7% das vias dos bairros com menor IDH têm malha cicloviária

A bicicleta é um dos meios mais democráticos de transporte: seja para lazer, esporte ou trabalho, permite conectar-se com o próprio corpo e com a cidade. Há cerca de 10 anos, é com ela que o arte-educador Miguel Ângelo, 24, desloca-se. Morador do Jangurussu, ele costuma pedalar de casa para o trabalho.

O trajeto diário, entre os bairros Jangurussu e Messejana, exige que ele intensifique os cuidados, uma vez que ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas são escassas. “É perigoso, bastante perigoso. Tenho que andar sempre redobrando a atenção para não acontecer nada comigo.”

O cotidiano de Miguel é o retrato da desigualdade de acesso, da forma como se planeja e pensa a Cidade historicamente, beneficiando áreas com maior poder aquisitivo. É também o que revela o levantamento exclusivo da Central de Jornalismo de Dados do O POVO (DATADOC) sobre a distribuição da malha cicloviária de Fortaleza: os bairros de maior desenvolvimento humano da Capital concentram, proporcionalmente à malha viária, mais infraestrutura para ciclistas do que os bairros mais carentes da Capital.

Miguel Ângelo
Foto: Aurelio Alves/ Jornal O POVO Miguel Ângelo, morador do Bairro Jangurussu, ele utiliza a bicileta no contidiano com meio de transporte para ir ao trabalho e fala da pouca infraestrutura da cicloviaria. em epoca de COVID-19.

Nas regiões de maior poder aquisitivo de Fortaleza, a malha cicloviária aproxima-se de 20% do total de ruas e avenidas. Já no conjunto de bairros de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerado “muito baixo” essa proporção é de apenas 6,6%. O levantamento foi feito a partir do cruzamento dos dados das malhas viária e cicloviária dos bairros e o IDH de cada um deles.

O Jangurussu, onde Miguel reside, está entre os 93 bairros de Fortaleza que têm IDH “muito baixo”, segundo estudo realizado pela Prefeitura em 2014, com base em dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 e metodologia adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Juntos bairros com esse perfil correspondem a 75% dos 119 em que a Capital era dividida até então. Atualmente, são 121.

A pesquisa sobre o índice de desenvolvimento humano por bairro de Fortaleza foi realizada pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) e, conforme foi divulgado pela prefeitura na época do lançamento, teve o objetivo de possibilitar “uma visão geral da Cidade para a aplicação de políticas públicas mais eficazes e focadas”.

Para a construção do índice, foram analisados indicadores de renda, educação e longevidade das pessoas. Como resultado, cada bairro recebe um IDH que varia de 0 a 1. Quanto mais perto de 1, melhor o desenvolvimento humano; quanto mais perto de 0, pior.

Infraestrutura para ciclistas urbanos é demanda antiga em Fortaleza

Há décadas, a população de Fortaleza — principalmente trabalhadores de bairros de baixa renda — arrisca a vida ao se deslocar cotidianamente de bicicleta e disputar o espaço da rua com automóveis. Assim, a demanda por infraestrutura cicloviária pela Cidade não é recente. A partir de 2013, os quilômetros de ciclovias e ciclofaixas traçados pela Capital começaram a aumentar, e a política de mobilidade passou a chamar atenção nacionalmente.

Matéria publicada no O POVO em maio de 1994 apresenta dados de uma pesquisa realizada em 1980 pela Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (Geipot), estatal à época ligada ao Ministério dos Transportes, que já mostrava que 19% dos trabalhadores da indústria localizadas ao longo das avenidas Francisco Sá e José Bastos deslocavam-se de bicicleta. A mesma reportagem mostra inclusive que a Prefeitura já anunciava, no início da década de 1990, a elaboração de um plano cicloviário para a Capital.

Em 2001, o Geipot publicou o estudo "Planejamento Cicloviário: Diagnóstico Nacional", ao qual a gestão municipal de Fortaleza, à época, informou que a bicicleta era “muito utilizada” na Cidade e que o uso era mais intenso nos bairros da periferia. Os horários de maior circulação, segundo a prefeitura, eram pela manhã, entre 6 e 8 horas, e pela tarde, das 17 às 19 horas.

Dados de Origem e Destino que constam no Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI), de 2015, reforçam que os ciclistas de Fortaleza, em sua maioria, são assalariados e utilizam a bicicleta como meio de deslocamento para o trabalho.

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Malha cicloviária de Fortaleza é a quarta maior do País e tem concentração de conexões na área nobre

Em 2018, Fortaleza já havia alcançado a meta estabelecida pelo PDCI para 2020, que era chegar a 236 km de rede para deslocamento de ciclistas. Atualmente, está com 412,5 km que abrangem ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas e passeios compartilhados.

O aumento expressivo da infraestrutura cicloviária coloca a Cidade em quarto lugar em extensão deste tipo de malha entre as capitais do País. O levantamento é da Associação Brasileira do setor de Bicicletas, com dados obtidos por meio dos governos municipais, e a última atualização foi feita em 22 de junho deste ano.

Porém, a lógica do ordenamento social de Fortaleza segue a tendência histórica do centro para a periferia ou para as áreas rurais. E não tem sido diferente com a destinação da malha cicloviária, embora essa política tenha começado por alguns bairros periféricos.

Em 2010, a primeira ciclofaixa implantada em Fortaleza foi no bairro Aerolândia, na calçada da avenida Governador Raul Barbosa. Em 2012, o bairro Maraponga recebeu a segunda ciclofaixa da Cidade, na avenida Benjamim Brasil. Porém, os anos seguintes priorizaram as áreas centrais e mais nobres da Cidade.

Em agosto de 2012, foi implantada uma ciclofaixa na avenida Benjamim Brasil, no bairro Maraponga.

No ano seguinte, em agosto de 2013, integrantes do movimento Massa Crítica pintam ciclofaixa improvisada na rua Ana Bilhar. A ação foi repetida em outros bairros.

No mês seguinte, a via ganhou uma ciclofaixa oficial entre as ruas Coronel Manuel Jesuíno e a José Vilar.

A rua Canuto de Aguiar também recebeu infraestrutura para ciclistas naquele ano.

A ampliação da malha viária dividiu opiniões, e chegou a haver manifestação contrária à ciclofaixa da Canuto de Aguiar.

Isso vai na contramão de pesquisas que comprovam que o uso da bicicleta tem maior predominância entre a população mais pobre, que usa o modal como meio de transporte no dia a dia. É o caso do Projeto Acesso à Oportunidades, de 2019, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Os resultados do projeto reforçam que pensar o acesso a esse modal para a população dessas áreas é fundamental, uma vez que a opção pelo uso da bicicleta se deve, em muitos casos, ao fato de ela ser a alternativa econômica e financeiramente possível para essas pessoas.

No caso do Jangurussu, todo o bairro conta com 3,5 km de infraestrutura cicloviária, conforme o mapa atualizado mantido pela Prefeitura de Fortaleza. Essa extensão equivale a aproximadamente 3% dos 127,9 km de ruas e avenidas locais. Entre os 10 bairros com as maiores malhas viárias na Cidade, ele fica em penúltimo lugar na proporção de malha cicloviária, atrás apenas do bairro Edson Queiroz, cujo sistema cicloviário representa 1% dos 104,1 km de eixo viário.

Jangurussu - Ciclomobilidade

3,5 km

Jangurussu - Malha viária

127,9 km

Entre os 10 bairros com as maiores malhas viárias na Cidade, ele fica em penúltimo lugar na proporção de malha cicloviária.

Fonte: Prefeitura de Fortaleza.

Além da falta de infraestrutura, Miguel aponta o estado de conservação de algumas ruas como outro desafio para ciclistas do bairro. “Aqui no Jangurussu, principalmente, tem ruas que nem são asfaltadas, no (meu) caminho para o trabalho. São muito esburacadas.”

Ao percorrer as ciclofaixas e ciclovias de alguns bairros em que a concentração de malha cicloviária é menor, a reportagem do O POVO presenciou problemáticas apontadas por Miguel.

Ao longo de 261 km percorridos pela reportagem durante junho de 2022, uma das principais constatações foi a baixa conectividade entre as ciclofaixas presentes nestes bairros, o que contrasta com o acesso existente nos bairros de IDH mais elevado. Além disso, a conservação da malha, de modo geral, está comprometida. Nas ciclovias e ciclofaixas há de tudo: lixo, restos de poda, buracos, motos – e até bicicletas.

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Novos hábitos de vida e de deslocamento

Foi em 2015 que a cirurgiã bucomaxilofacial e cicloativista Luísa Pinheiro, 43, passou a utilizar a bicicleta como meio de transporte. Moradora do bairro Joaquim Távora, ela já parte do Ciclanas, grupo cicloativista com uma visão feminista, uma vez que “sendo mulher, no trânsito, você enfrenta algumas questões que homens não enfrentam”.

Ela relembra aquele momento de expansão da malha cicloviária também como um período de "efervescência" do cicloativismo na Capital e do uso da bicicleta para uma parcela da população que ainda não a utilizava como meio de transporte.

"Temos que sempre ter em mente essa questão de que, para o trabalhador que mora na região metropolitana ou em bairros mais periféricos, muitas vezes a bicicleta já era esse meio de transporte, mas uma fatia de pessoas da Cidade que usava carro, o ônibus ou mesmo se locomovia de táxi e, mais modernamente, de Uber, acabou adotando a bicicleta por uma série de motivos, que vão desde a questão econômica até a questão de saúde", aponta.

Luiza Pinheiro
Foto: Arquivo pessoal, fotografia feita por Aspásia Mariana A cicloativista Luisa Pinheiro, durante passeio pela ciclofaixa da Rua Paulo Firmeza, localizada no bairro São João do Tauape, em 2021.

Recém-aprovada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), além de ir para o hospital onde trabalha de bicicleta, Luísa também passou a se deslocar até o Campus do Pici. Para isso, teve que encontrar novas estratégias: o transporte intermodal.

“Nos dias em que eu me desloco diretamente da minha casa pra o Pici, vou com a bicicleta até a parada de ônibus mais próxima da minha casa. Lá, eu pego o ônibus e vou até o Pici. Na volta, faço o mesmo trajeto ao contrário: pego o ônibus até a parada, pego a minha bicicleta que deixei presa lá perto e volto para casa de bicicleta”, explica.

Nos outros dias, em que vai de casa para o hospital e de lá para a faculdade, usa uma bicicleta dobrável. Pedala até o Pici, deixa a bicicleta no paraciclo na entrada da Universidade, desloca-se internamente com o ônibus intracampus e, após a aula, volta para casa em um carro por aplicativo.

Botando na ponta do lápis, Luísa aponta que o gasto mensal desse deslocamento é menor do que o custo que teria com combustível, caso ainda tivesse carro. E há também os outros benefícios: “é uma coisa que me deixa muito feliz, me faz muito bem. A bicicleta, para mim, é uma coisa muito terapêutica também. Não é só a questão econômica, nem só a questão fitness, saudável, mas do bem-estar.”

Questionado pelo O POVO se o IDH dos bairros é levado em consideração ao escolher quais locais receberão novas ciclovias e ciclofaixas, o secretário de Conservação e Serviços Públicos de Fortaleza, Ferruccio Feitosa, apontou que o crescimento desordenado da Cidade e “uma série de contradições” que ela vive desde que foi fundada são complicadores para essa expansão.

“Infraestrutura cicloviária ou outras infraestruturas que são necessárias em alguns bairros com o IDH baixo são frutos dessas distorções da sua fundação”, afirmou Feitosa, que destacou o papel do ex-prefeito Roberto Cláudio para a inauguração de “um novo modelo de pensar cidade de Fortaleza” a partir de 2013.

No próximo ano, completa-se 10 anos desde que a antiga gestão deu início à expansão da malha cicloviária da Cidade. Até o final de 2012, o sistema cicloviária de Fortaleza tinha 72,9 km de extensão. Até o último 30 de julho, esse valor teve aumento de 467,5% e, atualmente, a Cidade conta com 413,7 km de malha cicloviária, incluindo ciclovias (130,8 km), ciclofaixas (269,5 km), ciclorrota (11,7 km) e passeio compartilhado (1,7 km).

A ampliação das ciclovias e ciclofaixas teve início pela área nobre da Capital. Em 2013 e 2014, no contexto em que Fortaleza seria uma das cidades a sediar jogos da Copa do Mundo, os bairros de IDH muito alto foram os que mais receberam infraestrutura cicloviária. Em 2013, foram implantados 6,4 km — sendo 4,2 km em bairros de IDH muito alto e 2,2 km em bairros de IDH muito baixo. Em 2014, a Cidade ganhou novos 27 km de malha cicloviária: 17,3 km nos bairros mais ricos e 9,7 km nos mais carentes.

Além da falta de infraestrutura, Miguel aponta o estado de conservação de algumas ruas como outro desafio para ciclistas. “Aqui no Jangurussu, principalmente, tem ruas que nem são asfaltadas, no (meu) caminho para o trabalho. São muito esburacadas.”

Ao percorrer as ciclofaixas e ciclovias de alguns bairros onde essa concentração de malha cicloviária é menor, a reportagem do O POVO pode presenciar as problemáticas apontadas por Miguel.

Ao longo dos 261 km percorridos pela reportagem durante o mês de junho, uma das principais constatações foi a baixa conectividade entre as ciclofaixas presentes nestes bairros, o que contrasta com o acesso existente nos bairros de IDH maior. Além disso, a conservação da malha, de um modo geral, está comprometida. Nas ciclovias e ciclofaixas há de tudo: lixo, restos de poda, buracos, motos – até bicicletas.

Ferrucio Feitosa

Ferruccio Feitosa

Ex-secretário de Conservação e Serviços Públicos de Fortaleza. (Quando entrevistado para esta reportagem, Ferruccio ainda era titular da pasta)

Ouça

Até junho de 2014, quando começaram os jogos, tinham sido atendidas ruas como Ana Bilhar e Canuto de Aguiar, na Varjota; a avenida Chanceler Edson Queiroz, no Patriolino Ribeiro, bairro de alto IDH, e a avenida Alberto Craveiro, próxima à Arena Castelão. Em junho, o entorno do estádio também recebeu 0,8 km de ciclovia na avenida Deputado Paulino Rocha; bairros de IDH alto e muito alto receberam 3,5 km de ciclofaixas.

Naquele mês, dois bairros de IDH muito baixo — assim como os arredores do Castelão — foram contemplados com um total de 6,8 km de ciclovias. Esses dados foram informados ao O POVO pela Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) em resposta a um pedido por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Nos anos seguintes, ao se observar apenas a quilometragem da malha cicloviária, percebe-se que mais quilômetros de ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas e passeios compartilhados são construídos em bairros de IDH muito baixo. Porém, como esses bairros correspondem 77% do território de Fortaleza, a DATADOC optou por analisar o quanto essa quantidade de malha cicloviária corresponde, proporcionalmente, à malha viária do próprio bairro.

Castelão

0,8 m

Bairros com IDH Alto e Muito Alto

3,5 km

Mesmo o Castelão sediando a copa, recebeu malha cicloviária inferior aos bairros de IDH superior.

Fonte: Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), via Lei de Acesso à Informação.

Dessa forma é possível perceber que a infraestrutura cicloviária está concentrada em bairros de maior poder aquisitivo. Nos mais pobres, principalmente aqueles localizados na periferia da Cidade, o mapa torna perceptível que há maior “vazio” entre uma área destinada a ciclistas e outra em um mesmo bairro.

Ferruccio Feitosa justifica essa baixa implementação pela falta de infraestrutura das vias presentes nos bairros mais periféricos e defende que a gestão tem se empenhado em levar drenagem, esgotamento sanitário e nova pavimentação de calçadas à população da periferia.

“Quando falamos em infraestrutura cicloviária, antes precisamos fazer outras infraestruturas”, afirma. “Sempre estaremos atentos à questão de favorecer e dar dignidade às pessoas de baixa renda, com baixo IDH, e que estão hoje na área periférica da cidade de Fortaleza.”

A DATADOC também analisou dados sobre a pavimentação das ruas da Capital. Nos bairros de Índice de Desenvolvimento Humano muito baixo, 17,4% da malha viária é classificada como "sem pavimentação". Nos bairros de IDH muito alto, essa proporção é de 1,2% e em bairros de IDH médio, 0,8%.

A malha viária de Fortaleza tem 4.689,91 km de extensão.

Ciclovia

Pista própria destinada à circulação de bicicletas, separada fisicamente do tráfego de veículos automotores e da área destinada aos pedestres, podendo ser unidirecional ou bidirecional, conforme definido pelo Poder Executivo Municipal.

Ciclovia

Ciclovias

130,8 Km

Ciclofaixa

Pista unidirecional ou bidirecional destinada ao trânsito exclusivo de bicicletas, aberta ao uso público, demarcada na pista de rolagem ou nas calçadas por sinalização específica, porém sem segregação física do fluxo de veículos automotores.

Ciclofaixa

Ciclofaixas

269,5 Km

Ciclorrota

Via aberta ao uso público, com pista compartilhada para o trânsito de veículos motorizados, com velocidade controlada, e bicicletas, que deverá obrigatoriamente ser sinalizada e a circulação será preferencial aos veículos não motorizados.

Ciclorrota

Ciclorrotas

11,7 Km

Passeio Compartilhado

Ciclistas compartilham calçadas onde não há circulação intensa de pedestres. Nestes locais deve haver sinalização horizontal de advertência, indicando o compartilhamento da calçada e a prioridade do pedestre.

Passeio Compartilhado

Passeios Compartilhados

1,7 Km

Ao longo das ruas e avenidas da Cidade, distribuem-se 413,5 km de ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas e passeios compartilhados

A capital cearense tem 121 bairros, e a maioria deles (107 ou 88,4%) tem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo ou muito baixo

Enquanto os bairros mais ricos da Cidade têm 19% de suas ruas e avenidas cobertas por infraestrutura cicloviária…

Esse percentual é de apenas 7% nos bairros onde reside a população mais carente.

A mobilidade urbana e o direito à cidade

Os resultados encontrados pela Central DATADOC nessa análise são corroborados pelos achados de uma pesquisa que resultou no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) "O direito à cidade sob a ótica das assimetrias na mobilidade urbana de Fortaleza: uma análise da disposição da infraestrutura cicloviária", do engenheiro ambiental e servidor público Marcus Vinicius Nunes Guimarães, de 2021. Para a monografia, foi criado o Índice de Rede Cicloviária (IRC), que aponta se há ou não carência de infraestrutura cicloviária no bairro.

O trabalho constata a desigualdade na distribuição da malha cicloviária na Cidade e aponta a renda média per capita dos bairros como um fator que influencia a destinação dessa infraestrutura. “Quando analisamos a disposição, por exemplo, das estações do Bicicletar, essa desigualdade foi ainda mais visível”, afirmou o engenheiro, em entrevista ao O POVO.

O arte-educador Miguel Ângelo já percebeu essa diferença. Apesar de, no dia a dia, ter o costume de pedalar apenas por perto de onde mora, já andou por regiões com mais infraestrutura. Para ele, a mudança nessas experiências foi perceptível. “Onde não tem ciclofaixa, os carros chegam bem mais próximo da gente, quase que encostam, e nesse caso que teve ciclofaixa deu uma melhorada”, relata.

“Na minha opinião, a maior causa de exclusão social no Brasil é a cidade. É o urbano que exclui”, assegura Geovana Cartaxo, professora de Direito Ambiental e Urbanístico da Universidade Federal do Ceará (UFC). Com isso, a docente refere-se aos constantes investimentos feitos “sempre nos mesmos bairros”, enquanto há direitos fundamentais — como o ir e vir, o acesso ao lazer, às áreas públicas, à qualidade de vida e a uma cidade arborizada — que “só funcionam se a cidade funcionar”.

Nesse contexto, a mobilidade urbana é um desses direitos fundamentais e um dos fatores que impactam diretamente no direito à cidade.

"...A mobilidade é um grande base para o exercício de vários dos direitos, e a bicicleta inclusive é um fator de inclusão do feminino nas ruas”, afirma a docente, Geovana Cartaxo.

A docente relata a exclusão que foi percebida nos resultados da pesquisa. “O trabalho constatou que, apesar de Fortaleza ter tido um salto muito importante nos últimos anos, mais uma vez essa melhoria, essa infraestrutura, que seria tão mais importante para a população de baixa renda, se concentra nos bairros de maior poder aquisitivo”, afirma.

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População da região central tem acesso a cerca de 50% de todos os empregos da cidade em 30 minutos de pedalada

A desigualdade de acesso a oportunidades de empregos para quem se desloca por bicicleta em Fortaleza é pontuada no projeto do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Com dados de 2019, o Projeto Acesso a Oportunidades mostra que, em decorrência da concentração de empregos na área central, quem se encontra na região do centro expandido tem acesso a cerca de 50% de todos os empregos da Cidade em 30 minutos de pedalada. Enquanto isso, os bairros periféricos têm baixo nível de acesso.

Rafael Pereira, pesquisador do Ipea e coordenador do Projeto Acesso a Oportunidades, considera que a melhor estratégia para Fortaleza, daqui para frente, é aumentar a conectividade da malha cicloviária, começando pelos bairros de mais baixa renda. Isso porque, segundo dados também de 2019, Fortaleza tem a segunda região metropolitana do País com a maior proporção de pessoas que utilizam transporte ativo — a pé ou de bicicleta — para ir ao trabalho.

"Quando se estratifica por faixa de renda, há uma mudança: entre os 20% mais ricos, apenas 5% das pessoas usam transporte ativo no dia a dia; entre os 20% mais pobres, o percentual pula para 30%."

“A atratividade da bicicleta como deslocamento no dia a dia dá-se por várias razões, em boa medida por custo mesmo. É simplesmente mais barato, quase custo zero”, aponta Pereira.

Esse é o motivo, por exemplo, para que Miguel Ângelo adote a bicicleta no dia a dia. “Para mim, é mais acessível ter uma bicicleta. Quando é para ir para um canto mais longe, adoto o ônibus, porque minha bike não é tão bem estruturada para andar muitos quilômetros”, diz o arte-educador. E ele ainda relata que várias outras pessoas no Jangurussu e nos arredores, assim como ele, “vão para todo canto de bicicleta”.

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Quanto maior a renda, mais próxima fica a malha cicloviária

Felipe Alves, engenheiro, coordenador do GT de Infraestrutura da União de Ciclistas do Brasil (UCB), ex-diretor financeiro da instituição e ex-diretor da Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza (Ciclovida), pondera que, mais do que os bairros em si, alguns aspectos técnicos deveriam ser levados em consideração ao se determinar onde qual local deve receber estrutura cicloviária.

É o caso da ocorrência de sinistros em cada via ou bairro, ou ainda as características das vias. Um exemplo citado por ele como uma via que já deveria ter recebido infraestrutura cicloviária é a avenida Washington Soares.

“Tem trecho municipal em que ainda não se conseguiu implantar a infraestrutura. Foram feitas diversas reformas para deixar a via expressa, foram retirados todos os semáforos, todas as travessias possíveis, tudo foi feito com túneis e viadutos para os carros, mas as pessoas e os ciclistas não têm como atravessar com segurança. (...) É uma avenida que poderia ter sido priorizada e até hoje é um baita problema em relação à falta de conexão da rede cicloviária, afirma.

Sobre os critérios utilizados pela Prefeitura para implantar a infraestrutura cicloviária, o secretário de Conservação e Serviços Públicos aponta que são observados aspectos técnicos, como o número de ciclistas na região, a quantidade de acidentes, a capacidade da via para a implementação de uma ciclofaixa ou de uma ciclovia e a conexão com a própria rede já existente na cidade.

“Todas as medidas que nós tomamos são baseadas nos critérios técnicos. Nós temos uma equipe que está sempre atenta para examinar vários fatores para que possa ser tomada decisão do melhor ambiente para ser implantado tanto infraestrutura cicloviária, de ciclovias e ciclofaixas, como de estações do Bicicletar”, afirmou o gestor.

Bairros de maior IDH

19%

Bairros de menor IDH

7%

Enquanto os bairros mais ricos da Cidade têm 19% de suas ruas e avenidas cobertas por infraestrutura cicloviária, esse percentual é de apenas 7% nos bairros onde reside a população mais carente.

Fonte: Levantamento exclusivo DATADOC, com base em dados da Prefeitura de Fortaleza.

Para além do lado técnico, Felipe Alves afirma que acha possível e que acredita “muito” na participação popular ao longo do processo da tomada de decisão sobre a política cicloviária. A Ciclovida foi uma das entidades colaboradoras na elaboração do PDCI, e o engenheiro conta, inclusive, que os momentos de participação melhoraram o resultado do Plano.

“Mas, pela minha experiência, no geral o poder público sempre quer dar soluções que acredita serem melhores tecnicamente, mesmo que os técnicos não possuam qualquer experiência prática ou vivência no assunto. Para tomar o mesmo exemplo do plano cicloviário, os técnicos propuseram as vias em toda a Cidade que receberiam alguma infraestrutura cicloviária sem sequer terem passado por essas vias. A visita aos locais e o diálogo com a população podem trazer diversas novas variáveis que não estão nos mapas e bases de dados da Prefeitura”, avalia.

Para as reivindicações por novas ciclovias e ciclofaixas, o secretário indica ligar para o número 156, da Prefeitura. Com isso, ele explica que a equipe técnica da SCSP irá analisar a viabilidade de implantação.

“Temos que ver se já existe uma quantidade de ciclistas naquela área, se é possível fazer isso na via. Os técnicos vão verificar se tem uma largura adequada, a conectividade com o que já existe, os números de sinistros, de ciclistas, se a via suporta, sem prejudicar os outros meios de transporte. Eles analisam e nos dão o feedback tecnicamente”, aponta.

Em duas entrevistas concedidas ao O POVO, Ferruccio Feitosa também citou dados do Mobilidados, do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), que apontam que 51% dos habitantes de Fortaleza moram a menos de 300 metros de alguma infraestrutura cicloviária. É o maior índice entre 9 capitais monitoradas. “Isso mostra que a política que nós estamos adotando e que todos os critérios que temos usado têm sido exatamente para atender o maior número de pessoas possível”, afirma o secretário.

Geovana Cartaxo

Geovana Cartaxo

Docente da faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ministra a disciplina Direito Ambiental e Urbanístico.

Ouça

Danielle Hoppe, gerente de mobilidade ativa do ITDP Brasil, explicou ao O POVO que o índice do Instituto não leva em consideração especificamente o IDH dos bairros, mas há dados desagregados por raça e renda. “Se olharmos só para o escopo das mulheres negras, o número baixa um pouco”, aponta. Entre elas, o índice passa para 49%.

Já no quesito renda, o Mobilidados aponta que 45% da população que ganha até meio salário mínimo vive a 300 metros de alguma infraestrutura cicloviária. Entre a parcela que ganha três salários mínimos, o percentual sobe para 73%. “Talvez esteja alinhado com o resultado que vocês encontraram. (Ainda assim), a diferença em outros lugares é maior”, afirma Hoppe.

Em 2015, a Prefeitura lançou o Plano Diretor Cicloviário Integrado de Fortaleza para criar diretrizes para as ações de políticas cicloviárias até 2030. O documento é dividido em seis partes e aborda pontos como os aspectos físicos e socioeconômicos de Fortaleza; estratégia cicloviária e proposta de rede; programa de implantação; legislação; entre outros.

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À época, segundo Felipe Alves, uma crítica da Ciclovida ao Plano foi em relação aos 15 anos estimados para implementar a infraestrutura cicloviária — tempo que poderia ser mais curto. A previsão, em 2015, era implementar 500 km de malha cicloviária até 2030. Atualmente, o esperado é atingir a meta até 2024, de acordo com Feitosa.

“É bem animador porque, como temos visto muitas pessoas aderindo, isso nos estimula até a cumprir essa meta antes do prazo. Hoje nós estamos com 413,5 km (em junho de 2022) quando tínhamos, pelo Plano Diretor, a meta de chegar a 500 km em 2030. Nós ainda estamos a oito anos desse prazo e já estamos bem próximos de atingir essa meta. Isso mostra cada vez mais o compromisso da gestão do prefeito Sarto com essa política”, afirma.

As ciclovias, bem menores em extensão, já são mais antigas, e datam de antes de julho de 2003. A primeira foi construída no bairro Padre Andrade, localizada na avenida Coronel Matos Dourado, e interliga bairros como Quintino Cunha e Antônio Bezerra, por exemplo. Esse tipo de infraestrutura tem maior predominância nos bairros de menor IDH.

Metodologia

Para analisar o percentual de malha cicloviária por malha viária por Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nos bairros de Fortaleza, a central DATADOC utilizou dados do mapa atualizado da rede cicloviária, de eixos viários da área edificada e a base atualizada de 2019 dos bairros da Capital, todos disponibilizado pela Prefeitura.

Como forma garantir a integridade e confiabilidade deste material, disponibilizamos a metodologia detalhada do projeto, as fontes de dados, nossas análises, dados agregados resultantes e o conjunto de códigos desenvolvidos no perfil da Central DATADOC no Github.

Expediente

  • Textos

    Gabriela Custódio e Thays Lavor

  • Edição DATADOC

    Thays Lavor

  • Edição O POVO Mais

    Fátima Sudário e Regina Ribeiro

  • Front-End

    Michele Medeiros e Alexandre Cajazeira

  • Análise e visualização de dados:

    Alexandre Cajazeira e Gabriela Custódio

  • Design

    Cristiane Frota, Isac Bernado e Luciana Pimenta

  • Pesquisa

    Miguel Pontes e Roberto Araújo

  • Fotografias

    Ethi Arcanjo, Deivyson Teixeira, Humberto Mota, Mauri Melo

  • Áudio

    Dyego Viana

  • Audiovisual

    Arthur Gadelha, Aurélio Alves, Samya Nara e Raphael Góes

17/10

Episódio 2

Por Gabriela Custódio e Thays Lavor
12/12

Episódio 3

Por Gabriela Custódio e Thays Lavor