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Onã Rudá: "Existe uma celebração da masculinidade tóxica no ambiente do futebol"
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Onã Rudá: "Existe uma celebração da masculinidade tóxica no ambiente do futebol"

Flamengo recebeu multa inédita no futebol brasileiro após gritos homofóbicos da torcida. Denúncia foi do Coletivo Canarinhos LGBTQ+, presidido pelo soteropolitano Onã Rudá
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Onã Rudá, criador de conteúdo, palestrante e fundador da torcida LGBTricolor e do Coletivo Canarinhos LGBTQ  (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Onã Rudá, criador de conteúdo, palestrante e fundador da torcida LGBTricolor e do Coletivo Canarinhos LGBTQ

Quem frequenta estádio nas últimas décadas sabe o perfil de público presente. É o chamado "normativo", uma massa majoritariamente formada por homens heterossexuais, que, pela falta de diversidade, passam a impressão de unidade de opressão às minorias. O processo para mudança das culturas machistas e LGBTfóbicas vem, porém, sendo construído há anos.

Aos poucos, crescem o número de torcidas voltadas ao público sexualmente diverso. No Estado, o Ceará Sporting Club é apoiado pelo Vozão Pride, por exemplo. Dezenas de bandeiras se condensam no coletivo Canarinhos LGBTQ+, que dá voz às minorias no esporte mais popular do Brasil.

Nessa semana, em decisão inédita, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) multou o Clube de Regatas do Flamengo, time de maior torcida do Brasil, após gritos homofóbicos de torcedores no Maracanã, no Rio de Janeiro, em partida entre o clube carioca e o Grêmio-RS, válida pela Copa do Brasil. 

No centro da punição inédita estava justamente o Canarinhos, que fez a denúncia de infração à Promotoria. O POVO conversou com Onã Rudá, presidente do coletivo, sobre o peso da decisão do STJD e sobre o papel das instituições no combate à homofobia nos estádios.

O POVO - Qual era o objetivo do Canarinhos LGBTQ+ na fundação, em 2019? Mudou muita coisa desde então?

Onã Rudá - Olha, quando a gente fundou, que a gente começou a se organizar, a gente estava ainda, vamos dizer assim, mapeando quais seriam os objetivos que a gente podia organizar como coletivo. A primeira coisa que a gente fez foi conversar entre o si, trocar experiência. Compartilhar é uma coisa que a gente faz muito até hoje, mesmo quando a gente não está tendo ação pública, entende?

Enfim, de lá pra cá mudou, mudou bastante, mudou com a montagem do Observatório, agora com o lançamento do anuário, que a gente vai fazer, né. O anuário do observatório da LGBTfobia no futebol. A gente está aprimorando a nossa forma de atuação e também até entendendo o que a gente podia efetivamente fazer no futebol.

O POVO - Atualmente, quantas torcidas brasileiras fazem parte do coletivo? Por que essa união?

Onã Rudá - Atualmente, a gente tem, salvo engano, 19 coletivos de 17 ou 18 clubes. E a união é por isso mesmo, é pra que a gente se fortaleça mesmo. Como a gente tem uma pauta em comum, que é a questão LGBT, a gente acaba também trazendo outros debates em conjunto a isso, né? A forma que se consome, hoje em dia, por exemplo, o futebol. Existe uma celebração de masculinidade tóxica nesse ambiente, entre outras coisas. Então, tudo isso está no radar do nosso debate

Torcedores do Flamengo nas arquibancadas do Maracanã após retomada do público
Foto: Divulgação / CR Flamengo
Torcedores do Flamengo nas arquibancadas do Maracanã após retomada do público

O POVO - Como chegou a denúncia ao Flamengo?

Onã Rudá - A denúncia ao Flamengo chegou pela internet, né? A gente viu que as pessoas estavam comentando que tinham acontecido episódio assim, fomos lá, verificamos, apuramos e vimos que fazia parte de uma possibilidade de denúncia, porque foi durante o andamento do jogo. Então, veja bem, quando acontece o episódio dentro do estádio e é antes ou depois do jogo, é mais difícil de a gente conseguir até pautar o STJD. Mas era muito nítido que era durante o jogo. Então, a gente apresentou à nossa consultoria jurídica, que é um pessoal que faz isso de forma voluntária, um escritório aqui da Bahia, Reis e Sá Advocacia. E aí ele constatou que podia ser alvo de uma denúncia e nós apresentamos a notícia de infração. E aí, a Procuradoria acatou à denúncia e resolveu denunciar o Flamengo e os árbitros da partida, conforme a gente tinha solicitado no pedido que a gente enviou. E outros encaminhamentos virão também, eu preciso dizer isso, tá?

O POVO - Vocês costumam sofrer ataques, ameaças? Houve algum episódio violento?

Onã Rudá - Costumamos sofrer ataques e ameaça, sim, bastante, inclusive esse episódio do Flamengo rendeu muito nas redes. Muito, muito mesmo. Sobretudo no perfil do Canarinhos, mas mesmo individualmente, cada pessoa também enfrenta algum tipo de dificuldade. Eu enfrento bem menos assim, né? Foram episódios muito isolados assim, porque no Bahia a gente tem uma tratativa mais aprofundada dessa temática.

Olha, o episódio violento que teve, porque a gente não tem tanta presença de LGBTs nos estádios, foi quando teve um casal, se eu não me engano, foi no  Morumbi, foi agredido porque tava de mão dadas quando estava saindo do jogo. Mas, assim, um dos episódios mais marcantes foi no clássico Re-pa, que teve uma agressão a uma torcida LGBT e foi, talvez, um grande episódio do futebol brasileiro, que marcou alguns anos atrás como caso de violência física. Como não há tanto tanta presença de pessoas LGBT no futebol, essas violências físicas não se expressam tanto. Na realidade, é difícil de você encontrar, né? Ou pelo menos era até a nossa chegada.

O POVO - Quais os próximos passos do coletivo?

Onã Rudá - Os próximos passos passam por a gente conseguir estruturar o coletivo, com isso firmar parcerias que ajudem a gente nesse processo de organização, entendeu? De construção de uma agenda interna, de diálogos. A gente quer fazer um encontro presencial das torcidas, a gente fez agora um anuário, estamos no processo de correção e de diagramação pra lançarmos. Buscamos também parceiros pra poder imprimir.

Acho que o que a gente tem mais acrescentar é que é importante que os clubes se convençam que o papel que eles cumprem é mais importante do que o de qualquer outro agente, né? Porque o clube anda com a torcida na ponta, então quando o clube se dispõe a educar a torcida de forma aberta, a gente ultrapassa isso mais largos.

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