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Redação Enem 2019: Desafios na preservação dos direitos dos povos indígenas
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Redação Enem 2019: Desafios na preservação dos direitos dos povos indígenas

Desde 1500 até a década de 1970, a população indígena brasileira decresceu acentuadamente e muitos povos foram extintos, conforme a Funai
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Com a polêmica sobre a demarcação e os usos das terras indígenas inflamada nos últimos meses, a questão indigenista está em discussão na sociedade brasileira. Para entender a importância da defesa dos direitos dos povos indígenas, é importante considerar aspectos da diversidade e identidade das etnias, bem como a relação histórico-social com a terra e a preservação do patrimônio natural.

Toda quarta-feira, até 25 de setembro, O POVO traz um tema para a Redação do Enem, em formato semelhante a este.

Onde estão os indígenas no Brasil?

- Desde 1500 até a década de 1970 a população indígena brasileira decresceu acentuadamente e muitos povos foram extintos, conforme a Fundação Nacional do Índio (Funai).

- A partir de 1991, o O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) incluiu os indígenas no censo demográfico nacional.

- Segundo dados do censo do IBGE de 2010, 896,9 mil (0,42%) dos brasileiros são indígenas.

- 63,8% vivem na zona rural e 36,2% habitam as zonas urbanas.

- 57,6% se localizam em terras indígenas e 42,3% vivem fora de terras indígenas.

- São 305 diferentes etnias e 274 línguas indígenas.

- As terras indígenas ocupam 12,5% do território brasileiro (106,7 milhões de hectares).

- População indígena nas regiões do País: Norte (34,4%), Nordeste (25,5%), Sudeste (12%), Sul (9,2%) e Centro-Oeste (16%).

Terras indígenas

682 terras no Brasil em processo de demarcação.

Fases do processo demarcatório:

115 terras em processo de identificação por grupo de estudo nomeado pela Funai.

43 delimitadas, com relatório de estudo aprovado pela presidência da Funai e conclusão publicada no Diário Oficial da União e dos estados.

75 declaradas por meio de Portaria Declaratória do Ministro da Justiça.

9 homologadas, têm os seus limites materializados e georreferenciados e foi homologada por decreto presidencial.

440 regularizadas, registradas em cartório em nome da União e na Secretaria do Patrimônio da União.

495 terras indígenas aguardam para que o processo de demarcação seja iniciado.

Luta indígena no Ceará

São 14 etnias em 22 municípios.

22 territórios em processo de demarcação.

Apenas um território demarcado: a terra do Córrego do João Pereira, do povo Tremembé, em Itarema, teve o decreto homologatório concluído em 2003.

O território indígena do povo Tapeba, em Caucaia, teve o primeiro processo demarcatório iniciado há 34 anos. Um dos mais longos processos de demarcação do Brasil.

Serviço de Proteção ao Índio

Em 1910, foi criado o primeiro órgão do governo destinado a assistências à população indígena, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

Funai

Em 1967, o SPI foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão indigenista oficial responsável pela promoção e proteção aos direitos dos povos indígenas em todo o País.

Parque Nacional do Xingu

Criado em 1961, o Parque Nacional do Xingu é uma das mais importantes reservas indígenas das Américas, com 6.090 povos de 16 etnias.

Quais as garantias na lei?

1973 - Estatuto do Índio (Lei nº 6.001).

Seguiu um princípio do Código Civil brasileiro de 1916 de que os índios são considerados “relativamente incapazes e deveriam ser tutelados por um órgão indigenista estatal.

1988 - Constituição Federal Brasileira

Reconhece aos índios o direito de manter a sua própria cultura e de se autorrepresentar. Abandona a perspectiva assimilacionista, na qual o índio é categoria social transitória, a ser incorporado à sociedade. Mantém a responsabilidade da União de proteger e respeitar os direitos indígenas.

2000 - Projeto de Emenda Constitucional 215

Objetiva alterar a responsabilidade pela demarcação — que é da União — para o Congresso Nacional. Conforme lideranças indígenas, a PEC é inconstitucional, visto que fere uma cláusula pétrea, na qual os direitos individuais e coletivos previstos no texto constitucional não podem ser objetos de PEC.

2004 - Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

A Convenção nº 169 da OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais em Estados Independentes, adotada em Genebra, em 1989, destaca o direito dos povos à terra e aos recursos naturais, à não-discriminação e a viverem segundo seus costumes. O tratado internacional ingressou no ordenamento jurídico brasileiro após promulgação do Decreto Legislativo 5.051, em 2004.

2007 - Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU)

Estabelece parâmetros para outros instrumentos internacionais e leis nacionais. Na declaração, constam princípios como a igualdade de direitos, a proibição de discriminação e o direito à autodeterminação.

2016 - Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas da Organização dos Estados Americanos (OEA)

Segue a orientação contemporânea de preservar a identidade cultural dos povos indígenas, rechaçando a assimilação forçada.

A posição do governo Bolsonaro

“Enquanto eu for presidente não tem demarcação de terra indígena.”

“O que nós queremos é que os índios usufruam dessas terras, que não podem continuar sendo preservadas para o bem não se sabe de quem. Essa terra tem que ser explorada de forma racional.”

“Queremos incluir de verdade o índio na nossa sociedade, grande parte deles quer isso aí. Hoje se o garimpo é ilegal, queremos legalizar. Mas temos que ouvir o Parlamento, não vou assinar nada sozinho.”

Em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro editou Medida Provisória (MP) que deixava a cargo do Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas e quilombolas. A mudança foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Uma nova MP atribuindo a demarcação ao Ministério da Agricultura foi editada. A tentativa foi considerada inconstitucional pelo Supremo porque a Constituição proíbe a reedição de MP de um tema no mesmo ano em que ela já foi rejeitada pelo Congresso.

O governo Bolsonaro também tentou transferir a Funai do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, da Justiça e dos Direitos Humanos. Sem sucesso.

Demarcação: indígenas X ruralistas

A questão mais polêmica na seara dos direitos indígenas é a territorial.

Conforme Weibe Tapeba, assessor jurídico da Federação Estadual dos Povos Indígenas do Ceará e membro do Conselho Nacional de Políticas Indigenistas, a questão da demarcação é polêmica porque as terras indígenas, em sua grande maioria, são ricas em recursos naturais.

“Há uma visão desenvolvimentista de que devem abrigar represas e o próprio agronegócio. Quando há a demarcação, a subsistência é apenas com a agricultura familiar. Além disso, as mudanças climáticas e as catástrofes ambientais têm relação com essa utilização do solo.”

Além de conflitos violentos, as disputas pelo território também permeiam o meio político, visto que os “vários grupos se organizam para defender seus interesses”.

“O argumento do Bolsonaro de que os índios podem usufruir do uso da terra não se sustenta. Se o governo quiser dar condições para que os povos sobrevivam do território, seria incentivar a agricultura familiar e não dar para o agronegócio.”

“Há uma forte pressão política para que a proteção aos direitos indígenas seja flexibilizada, principalmente para permitir a exploração das terras indígenas”, contextualiza Raquel Coelho de Freitas, professora de direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do Grupo de Direito das Minorias e Fortalecimento de Cidadanias.

Por que precisamos preservar os direitos indígenas?

Para além da esfera de interesse dos próprios índios, os direitos indígenas envolvem toda a sociedade brasileira em muitos aspectos, defende Raquel Coelho de Freitas, professora de direito da UFC.

Além da construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos, a defesa indigenista “fomenta a convivência com a diferença, ressaltando a diversidade cultural como fator positivo de uma sociedade” e “resguarda o patrimônio público”, com a demarcação das terras.

Diversidade dos povos

Para compreender a questão indígena, é preciso entender que o Brasil possui grande diversidade de povos originários, diz Weibe Tapeba, assessor jurídico da Federação Estadual dos Povos Indígenas do Ceará, membro do Conselho Nacional de Políticas Indigenistas e vereador de Caucaia.

Há diferentes estágios de contato dos povos indígenas com a cultura ocidental e com o projeto colonial. No Nordeste, isso aconteceu cedo, houve uma adequação na relação com os brancos e com os negros. Diferente de povos da região amazônica e do Centro-Oeste. “A sociedade cristaliza a imagem do índio ao passado. Um povo só de uma cultura só. O estereótipo está sendo reforçado e não se entende a dinâmica de contato."

Estrutura dos órgãos indigenistas

A estrutura administrativa para a defesa dos direitos indígenas não é robusta e está comumente vulnerável a questões orçamentárias e à vontade política dos governantes.

“A fragilização da estrutura administrativa gera a dificuldade de atuação orgânica e prejudica substancialmente a proteção dos direitos indígenas, principalmente os territoriais”, diz a professora de direito da UFC, Raquel Coelho.

Para entender o cenário…

A expressão “política indigenista” abrange todas as condutas estatais que visam a regulamentação dos direitos indígenas, sejam normas jurídicas, planos de governo, projetos etc.

Genocídio é um termo que designa o extermínio de determinados grupos em virtude de suas peculiaridades étnicas.

Autodeterminação se relaciona com a autonomia, cada vez mais reivindicada pelos povos indígenas, de viverem de acordo com seus usos, costumes e tradições e de recorrerem diretamente ao Estado para lutar por seus direitos, sem necessitarem de intermediários.

Aposta do Enem

O tema desta inforreportagem foi escolhido por uma comissão de professores que compõem a banca do concurso “Redação Enem: chego junto, chego a 1.000”, uma parceria entre a Fundação Demócrito Rocha (FDR) e a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc).

A partir deste tema, estudantes da terceira série do ensino médio da rede pública e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) são convidados a escrever uma redação nos moldes do exame. As inforreportagens são publicadas às quartas-feiras até o próximo dia 25 de setembro.

Fontes: Censo IBGE 2010/ Fundação Nacional do Índio (Funai)/ Instituto Socioambiental/ Weibe Tapeba, assessor jurídico da Federação Estadual dos Povos Indígenas do Ceará, membro do Conselho Nacional de Políticas Indigenistas e vereador de Caucaia/ Raquel Coelho de Freitas, professora de direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do Grupo de Direito das Minorias e Fortalecimento de Cidadanias. 

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