A dissidência dentro da facção criminosa Comando Vermelho (CV) provocou a chacina que deixou cinco mortos e dois feridos na madrugada do último domingo, 1º, no distrito de Boqueirão das Araras, em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza. É o que aponta os depoimentos dos próprios presos pela matança, que afirmam que quatro das vítimas eram integrantes da “Tropa do Mago”, organização cujo chefe é Francisco Cilas de Moura Araújo, o “Mago”, ex-integrante do CV.
Conforme o inquérito policial que investiga a Chacina de Boqueirão das Araras, ao qual O POVO teve acesso, a rivalidade entre as duas organizações teria feito com que Antônio Michael da Silva Nogueira e Leandro Moreira Vitor da Silva, presos pelo crime, fossem expulsos de suas casas, junto com suas famílias. Os dois dizem que passaram a ser ameaçados de morte por se negarem a deixar o CV e entrar na nova organização. A chacina, portanto, também foi uma forma de vingança contra esses supostos crimes.
Em depoimento, os dois afirmaram que quatro das vítimas eram os responsáveis pela expulsão. Assim, a dupla teria se reunido com outros integrantes do CV e assassinado os rivais. Além de Michael e Leandro, foram presos suspeitos do crime: João Pedro de Oliveira Sousa e Raimundo Cleilton Ferreira da Costa. Um adolescente foi apreendido. Na manhã desta quarta-feira, 4, a Justiça converteu a prisão em flagrante dos quatro em prisão preventiva, "diante dos indícios de autoria e de materialidade trazidos nos autos, aliado ao fato da necessidade extrema da medida". Dois outros suspeitos foram identificados, mas ainda não foram localizados.
No comando do grupo estaria um homem conhecido como "Vaqueirinho", chefe da “Tropa do Vaqueirinho”, bando que faz parte do CV. Uma pichação, com menção a Vaqueirinho e ao CV, foi feita na casa onde o crime ocorreu. Todas as determinações de Vaqueirinho, porém, passariam pelo “aval” de um homem que seria braço direito de Max Miliano Machado da Silva, o “Pio” ou “Gordo Manaus”, chefe maior do CV e que está preso. A informação consta no depoimento no inquérito do delegado Hugo Leonardo, titular da Delegacia Metropolitana de Caucaia.
Conforme a apuração da Polícia Civil, os criminosos chegaram a pé no local do crime — uma casa onde também funcionava um bar que os assassinos sabiam que as vítimas frequentavam. Já do lado de fora da casa, foram mortos Felipe Carvalho Sampaio, de 27 anos; e Raimundo Pereira do Nascimento Filho, de 25 anos, único sem menção nos depoimentos como faccionado — Michael chega a dizer que não o conhecia. Os irmãos Francisco Mateus Ferreira Santana, de 24 anos, e Carlos André Ferreira Santana, 27 anos, foram assassinados dentro de um banheiro da casa. Já Patrício de Oliveira Silva, de 26 anos, foi morto enquanto buscava se esconder debaixo de uma cama. Havia outras pessoas na casa, e mãe e filha foram baleadas — Michael diz que “foi sem querer”.
Uma das testemunhas da chacina relatou que um dos criminosos disse para ela: “Não se preocupe não, não estamos atrás de cidadão, não, e sim dos pilantras” (SIC). Os criminosos chegaram a fazer um vídeo depois de atirar nas vítimas. "É a tropa, viu, meu fi?! A tropa da 020, viu, meu fi?! Nós deixa é de cara torta, 'tá' pensando que é o quê" (SIC), diz o autor das imagens, que não mostra o rosto. Ele ainda grava os corpos das vítimas e chega a atirar contra duas delas, que aparentemente já estavam mortas.
Apesar de Leandro e Michael confirmarem participação na chacina, João Pedro e Raimundo Cleiton disseram que são inocentes e não quiseram depor à Polícia Civil. Parente de uma das vítimas disse que ninguém que estava no bar pertencia à facção. Outra testemunha disse apenas que Mateus e André tinham amigos faccionados. Os demais depoentes não souberam falar sobre o envolvimento das vítimas com crimes.
Conforme O POVO já mostrou, integrantes do CV insatisfeitos com a facção passaram a se denominar “neutros” ou parte da “massa carcerária”, tendo se tornado inimigos da organização criminosa de origem carioca. O movimento provocou uma onda de violência em Caucaia, em que rivalizam a Tropa do Mago e o CV.
Ainda em seu depoimento, o delegado Hugo Leonardo fez um panorama da violência em Caucaia. “Diversos homicídios que estão ocorrendo em Caucaia estão se dando por conta da disputa de área pelo controle do tráfico de drogas entre as organizações criminosas Comando Vermelho e Tropa do Mago/Massa Carcerária, após os 'salves' (ordem) emanados pelas chefias desses dois grupos criminosos, de dentro do sistema prisional cearense, onde eles determinaram aos seus subordinados que matassem qualquer um da organização criminosa rival, com o fim de se manter no controle da área.”
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