Em 2022, 193 casos de discriminação contra pessoas LGBTQIA (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, Intersexo, Assexuais e outros) foram registrados no Ceará, conforme dados parciais da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), órgão da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
O número representa um aumento de 319,57% em relação a 2021, quando 46 casos haviam sido registrados. Os números constam na Mensagem à Assembleia 2023, do governador Elmano de Freitas (PT), divulgada nesta quinta-feira, 2, durante abertura da 1ª Sessão Legislativa deste ano.
Os dados fazem parte da prestação de contas feita pelo Governo do Estado sobre ações do eixo Inclusão Social e Direitos Humanos. Conforme o relatório, até haver um "crescimento significativo" em 2021 e 2022, havia sido registrado um decréscimo no número de denúncias de casos de LGBTfobia de 2018 a 2020.
Segundo o relatório, o aumento é resultado da ampliação dos canais de denúncia e da maior a disseminação de informações que permitem o reconhecimento da LGBTQIA fobia, o que, conforme o Governo, "reflete o trabalho de visibilidade que o Estado tem dado à causa LGBTQIA ".
"Entre as ações desenvolvidas destacam-se: i) a inovação da identidade de gênero no Sistema de Informações Policiais (SIP) da SSPDS; ii) a estruturação dos dados por um novo sistema implementado pela SPS, o Oi Sol (Observatório de Indicadores Sociais); iii) a implantação do Centro Estadual LGBT Thina Rodrigues, em 2021; iv) a sanção da Lei 17.480/2021, que proíbe a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero e determina a fixação de aviso em estabelecimentos públicos e privados contra o preconceito e v) a implementação do Conselho Estadual de Combate à Discriminação LGBT para fortalecer o monitoramento e a avaliação da execução das políticas públicas".
A análise é corroborada pelo cientista social André Marinho, integrante do Fórum Cearense LGBTQIA e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC). Conforme ele, os casos de LGBTQIAfobia não aumentaram, mas os mecanismos de notificação passaram a ser mais eficientes, a partir de uma maior cobrança da sociedade.
Para Marinho, porém, os números ainda são "a ponta do iceberg" das violências sofridas pela comunidade. Entre os motivos pelos quais a subnotificação ainda persiste está o que ele chama de LGBTQIA fobia institucional. "As pessoas (nos órgãos públicos) não atendem bem, não compreendem como LGBTQIA fobia, como transfobia, como um preconceito que é orientado devido à orientação sexual, de identidade de gênero. Então, é a ponta do iceberg, mas é um iceberg que nós passamos a ter uma melhor dimensão do seu tamanho".
Marinho ainda acredita que a chegada ao poder de governos mais afeitos à política LGBTQIA — tanto na esfera federal, quanto na estadual — também deve representar avanços na área. Um desafio, diz, é promover a transversalidade das políticas. "Garantir que as políticas LGBT também sejam pensadas do ponto de vista da segurança, da educação, do trabalho. Que ela seja compreendida como uma política que deve perpassar todo o ideal do Governo". Ele vê como positiva a criação da Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual, já sancionada, mas ainda não implantada.
LGBTQIA fobia pode resultar em até três anos de prisão
Foi em 2019 que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a equiparação da homofobia, da transfobia e afins ao racismo. Com isso, a LGBTQIA fobia também passou a ser enquadrada no artigo 20 da lei nº 7716/1989, que prevê pena de um a três anos de prisão e multa para quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito. E também no artigo 140 § 3º, que prevê reclusão de um a três anos e multa para casos de injúria que se utilizam de elementos discriminatórios.
Na prática, porém, em alguns dos casos registrados no Estado, têm sido proposto Acordos de Não-Persecução Penal (ANPP) aos autores dos crimes. Foi o caso, por exemplo, de um homem preso em flagrante, em abril de 2020, em um condomínio do bairro Messejana, após dizer que tinha "nojo" ao ver duas mulheres se beijando e que essa atitude "era um mau exemplo para os moradores do condomínio". O comentário era feito em direção a uma moradora, que é lésbica.
O ANPP é proposto pelo Ministério Público Estadual (MPCE) a pessoas que tenham cometido crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa e cuja pena mínima seja inferior a quatro anos. Nesse caso em específico, o autor das ofensas se comprometeu a prestar oito meses de serviços comunitários. Ele já havia sido liberado em audiência de custódia.
Há casos de LGBTQIA fobia, porém, que o ANPP não foi proposto pelo MPCE. Foi o caso de um homem denunciado em dezembro último em Juazeiro do Norte (Cariri Cearense). Em julho, ele havia enviado áudios a um grupo de Whatsapp em que fazia comentários de cunho homofóbico por ocasião das eleições presidenciais. "No PT só tem viado, viado é gente, viado é um troço, devia ser amuntuado e ser morto tudim quemado essas desgraças, isso aí é coisa do ... É um lixo, lixo do ser humano é viado" (SIC), afirmou em um dos áudios.
Para o MPCE, "as circunstâncias concretas do fato são gravíssimas e indicam que a celebração de acordo não é suficiente para a prevenção e reprovação do crime, especialmente ao considerar o grau de reprovação constitucional conferida a essa infração penal".
Casos de LGBTfobia notificados 2018-2022
2018: 47
2019: 34
2020: 28
2021: 46
2022: 193
Fonte: Supesp. Dados de 2022 são parciais.
PARA DENUNCIAR
Para denunciar crimes de LGBTQIA fobia, ligue: (85) 3433-1245 (Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para LGBT) ou disque 100 (Disque Direitos Humanos, do Governo Federal)