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Saneamento básico e demarcação são desafios para quilombos cearenses
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Saneamento básico e demarcação são desafios para quilombos cearenses

Segundo o IBGE, 67,1% dessa população da população quilombola do Ceará vive em área rural
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BANDEIRAS de comunidades quilombolas (Foto: João Filho Tavares)
Foto: João Filho Tavares BANDEIRAS de comunidades quilombolas

Saneamento básico e demarcação seguem sendo desafios para os 4.609 quilombolas que vivem em Territórios Quilombolas no Estado do Ceará. Na zona rural, área de ocupação de 67,1% dessa população, a falta de acesso a água é 3,4 vezes superior (9,12%) em comparação ao da população urbana. Além disso, pelo menos 128 dessas comunidades cearenses aguardam o processo de certificação da autodefinição.

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As informações foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), conforme dados levantados pelo Censo Demográfico 2022. Essa foi a primeira vez registrada que a pesquisa passou a incluir dados da população quilombola no Brasil, estabelecendo a presença de 1,3 milhão da comunidade em território nacional.

“O censo pontuou agora que nós existimos, mas nós estamos aqui há muito tempo”, afirma Ana Eugênia, doutoranda em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e natural da comunidade quilombola do Sítio Veiga, em Quixadá.

Para a pesquisadora, o censo é o primeiro passo para criar um retrato da realidade vivida por esses povos, informações essenciais para fomentar a criação de políticas públicas.

“O censo é de suma importância, porque a partir dele é que é que esse grupo vai ser visibilizado (...) Às vezes as pessoas não sabem nem o que é quilombo. Isso é muito ruim, principalmente para as pessoas que estão dentro, que executam, que estão dentro do Governo”, ressalta.

E acrescenta: “Então, as pessoas precisam entender também a importância do censo, é que as pessoas inclusive vão obrigadas a estudar e saber da nossa existência e saber que a gente tem especificidade”, afirma.

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A realização do censo também foi comemorada pelo gastrônomo Joélho Caetano, de 22 anos. O jovem, uma das lideranças do Quilombo Conceição dos Caetanos, localizado no município de Tururu, na zona rural do Ceará, ressalta que a pesquisa é resultado da luta e da resistência histórica de seu povo por reconhecimento.

“A partir do momento que tem esse recorte para nós, que a gente que passa a compreender que, para além de uma população de um território rural, de um distrito, de um município ou de uma comunidade rural de um município, a gente é um território que não mora, mas um território que tem traços culturais, um território que é habitado por pessoas pretas, o território onde tem todo um contexto diferente, se a gente for comparar com outros vitórias; então, para nós, isso é uma vitória”, exalta.

Pelo menos 128 territórios quilombolas aguardam processo de regularização, conforme IBGE

A autodefinição da comunidade é o primeiro passo para o processo de regularização do território. A Certidão de Autorreconhecimento, emitida pela Fundação Cultural Palmares (FCP) é o documento fundamental para que a comunidade busque o reconhecimento oficial de seus direitos territoriais.

Entre as 2.921 certidões de autodefinição quilombola emitidas pela Fundação Cultural Palmares (FCP) em referência à 31 de julho de 2022, o censo informa que 58 estão localizadas no Ceará. Os dados são referentes a 3.583 comunidades dispersas por 24 estados.

“A certificação é de suma importância. Hoje nós temos 65 comunidades certificadas, porque o censo foi de 2020 a 22, que foi coletado, e 2023 que foi publicizado. E nesse percurso as comunidades já estavam com processo de pedido de certificação”, detalha Eugênia.

O informe nacional acrescenta que dez comunidades aguardam visita técnica, com 75 esperando complementações documentais no processo, 35 em análise e oito aguardando publicação.

É a partir desse documento que os moradores da comunidade vão passar a acessar serviços como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e vacinas, por exemplo, como explica a pesquisadora. “O censo foi de suma importância para dizer que nós somos um grupo étnico e que o Estado precisa criar mecanismo de inclusão desse grupo”, explica.

Segundo o IBGE, 67,1% dessa população da população quilombola no Ceará vive em área rural. Esses territórios, historicamente nascidos do processo de fuga, como espaço de liberdade para povos que foram escravizados, hoje se tornaram “a mãe de todas as lutas”, como reflete Ana Eugênia. Apesar disso, a pesquisadora alerta para a necessidade de fortalecer políticas públicas que garantam os direitos dos povos que neles vivem.

“Historicamente os territórios estão num espaço geográfico que é muitas vezes de difícil acesso. Primeiro, quando você olha para o processo sócio-histórico, foi uma forma mesmo de não ser encontrado (...) Mas, vamos hoje. Nós estamos em 2025. Por que as comunidades ainda continuam com um difícil acesso? É porque não é pensado políticas públicas”, explica. 

O território, como destaca Joélho Caetano, faz parte da cultura dos povos quilombolas.

“A importância dessa certificação é principalmente para o acesso a políticas públicas igualitárias; da gente conseguir talvez ter uma organização maior; da gente conseguir mais benefícios; de mais igualdade dos nossos territórios; de mais dignidade, e conseguir aí a gente demarcar as nossas terras. Muitas das terras que são certificadas ainda não são demarcadas e a partir do momento que não é demarcado, pode acontecer o que vem acontecendo, que é de quererem acabar com os territórios, de quererem tomar os territórios”, conta.

Falta de saneamento básico afeta principalmente comunidades rurais

“Mesmo eu tendo água encanada aqui na casa em que eu estou em Acarape, eu ainda lavo a louça daquele mesmo modo que eu aprendi no território”, conta Ana Eugênia.

O costume reflete a realidade enfrentada pelas comunidades quilombolas, que entre os desafios, precisam lidar com a falta d’água.

Informações do IBGE indicam que o acesso a canalização e saneamento básico em condições de maior precariedade é quase quatro vezes maior entre os quilombolas (9,21% em situação urbana). No caso da população residente em área urbana no País, o percentual é de 2,72%.

Ao considerar apenas os quilombolas que residem fora de territórios em situação urbana, a precariedade de acesso à água é 3,4 vezes superior (9,12%) em comparação ao da população urbana. Ana Eugênia relembra que precisava pagar R$ 200 para você comprar uma pipa d'água de 800 litros.

“A questão do saneamento é um descaso em todos os territórios. Como são as populações quilombolas? Os banheiros têm na casa porque são as próprias famílias que fazem. As fossas são cavadas, são fossas de alvenaria, cavadas no próprio território. Então, não tem [canalização]. Em relação à água, parte das comunidades tem o reservatório, que é a cisterna para o consumo humano, que é aquela que foi uma das melhores políticas”, conta a pesquisadora.

No Quilombo Conceição dos Caetanos, Joélho explica que a água encanada chegou por meio de uma parceria entre a associação da comunidade com o Sistema Integrado de Saneamento Rural (Sisar). Apesar da situação ser um pouco melhor que no Sítio Veiga, de Ana Eugênia, ainda há desafios.

“Querendo ou não, ainda não é tão eficiente. A gente tem água para o que precisar, porém, às vezes, por a gente estar no território rural, não tem um atendimento tão forte. Então, às vezes queimou bomba, aí passa alguns dias para poderem vir ajeitar; aí tem algum problema na área quando tem período chuvoso, quando a água fica muito barrenta, aí tem que esperar também para ajustar. Então, são esses os problemas; mais por a gente estar na zona rural, que é difícil mesmo o acesso, às vezes é um pouquinho mais complicado do que se fosse na cidade”, pontua.

Apesar dos desafios, a resistência dessas comunidades é destaque entre as relações. “Ser quilombola para a gente aqui é ser uma resistência. É uma resistência de um povo. Ser quilombola é uma resistência de um povo que muito sofreu, mas que também muito lutou, que teve muito conhecimento, que teve muitos saberes e deixou aí espalhado pelo para as novas gerações”, afirma.

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