O projeto Capacita Girassol tem como objetivo qualificar o atendimento a pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) nos equipamentos públicos de saúde de Fortaleza, com foco especial em crianças e adolescentes. Os profissionais do Instituto Doutor José Frota (IJF) foram os escolhidos para tornar realidade o ideal e iniciar a capacitação nesta quarta-feira, 18.
O evento oportunizou o lançamento do Protocolo de Atendimento ao Paciente com Autismo no IJF. O fluxo inclui diretrizes para acolhimento acessível, identificação visual e priorização de internações e procedimentos, como exames e cirurgias.
O objetivo é garantir uma linha de cuidado clara e segura para os usuários com autismo durante todo o tratamento na unidade. A estrutura é referência regional na assistência de alta complexidade em casos de fraturas e ferimentos graves.
“Como o maior hospital de Fortaleza, o IJF tem o potencial de influenciar outras instituições da cidade, inclusive da rede privada, e estamos planejando a ampliação do Capacita Girassol para que o projeto alcance todas as nossas unidades de saúde”, afirma Riane Azevedo, gestora da Secretaria Municipal da Saúde (SMS).
Entre os pacientes atendidos pela unidade, crianças e adolescentes com TEA estão entre os grupos mais vulneráveis, em razão de dificuldades de percepção de riscos, impulsividade, hiperfoco, crises sensoriais ou falta de compreensão sobre ambientes perigosos. Para a secretária, a iniciativa é pioneira no Brasil.
As ações foram obtidas dentro do seminário “IJF - Capacitação de Atendimento Humanizado para Pessoas com TEA”. A partir disso, segundo Samantha Adolphsson, coordenadora da comissão multidisciplinar de tratamento da dor do IJF, informa que cerca de 30% a 35% dos pacientes internados na enfermaria de pediatria são neurodivergentes. A razão se dá devido ao alto índice de acidentes entre o público.
“As pessoas autistas têm dificuldade para frequentar os espaços de saúde, da mesma forma que um cadeirante encontra dificuldade quando se depara com uma escada. Só que essas barreiras para as pessoas autistas são mais difíceis de a gente visualizar e o sistema de saúde tem que se adequar”, cobra.
De acordo com Adolphsson, os desafios enfrentados por autistas em hospitais são o barulho, o cheiro, a circulação de pessoas, a quebra de rotina e o costume de padrões repetitivos.
Até mesmo o uso de curativo ou gesso pode ser um problema, ou seja, a assertividade é essencial entre o quadro de trabalhadores das unidades médicas. Conforme a coordenadora, é comum que atípicos se recusem a entrar nos ambientes clínicos, precisando da intervenção de um anestesista.
O painel também revelou um dado que chamou a atenção: pessoas dentro do espectro vivem 17 anos a menos do que a população em geral.
Segundo Samantha, as principais medidas implementadas são a permissão do apoio de dois acompanhantes, enquanto os pacientes, em geral, só têm direito a um cuidador.
Além disso, poderão gozar de direito prioritário de atendimento, assegurado por lei, mas deverá ser garantido de forma mais automática, sem precisar de manifestação da família ou conflito com a equipe assistencial.
Bem como a autorização do ingresso de objetos reguladores (ou de apoio), ao exemplo de um urso de consolo ou um abafador de ruídos, itens não concedidos, a princípio.
“O objetivo maior é mesmo dentro de um lugar que é muito cheio de rotinas e protocolos, a gente consiga singularizar o atendimento a essa população”, sinaliza Luana Leão Cunha, coordenadora do setor de psicologia do IJF.
Na entrada de um paciente com TEA, a pulseira com cor amarela será dada para ordem de prioridade, objetivando diminuir o tempo de internação e oferecer uma resolutividade mais rápida. A informação é do superintendente do Instituto, João Gilberto.
O seminário contou ainda com a presença de Cristiane Leitão, primeira-dama da Capital. Ela explica que o projeto Capacita Girassol conta com três eixos: saúde, educação e assistência social.
"Além dos profissionais de saúde, também os profissionais de educação de toda a rede municipal, porque o nosso intuito é sensibilizar essa linha de cuidado bem clara e segura", estabelece.
Ana Caroline é mãe de uma paciente de 10 anos dentro da condição neurológica internada no IJF. A criança se queimou com um leite quente pelas mãos do irmão com a mesma neurodivergência.
"Onde chega tem muita gente que tem preconceito. Já pensa logo que é uma doença, mas não é. Não tem nenhum problema que pegue em ninguém, não. Eu acho que as pessoas têm que ter mais empatia, mais compreensão e mais amor pelo próximo. As mães e os pais que têm crianças autistas têm que dar o maior carinho. Infelizmente, é a realidade do mundo, eles se sentem excluídos", lamenta.