As mudanças climáticas representam um dos maiores desafios do século XXI, afetando não apenas o ambiente, mas também a saúde mental. As ondas de calor, períodos de calor excessivo que podem durar dias ou semanas e ultrapassar os 40°C, são um exemplo claro de como esses fenômenos impactam a saúde humana. Mas qual é o efeito psicológico dessas condições extremas?
Thiago Roza, psiquiatra e professor adjunto no Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que as ondas de calor exercem um impacto significativo no cérebro.
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"Esses fenômenos são estressores ambientais poderosos. Além de contribuir para doenças físicas, como insolação e exaustão pelo calor, sabemos que eles estão associados ao agravamento de sintomas como depressão, ansiedade, irritabilidade e até comportamentos agressivos", afirma.
O especialista foi um dos palestrantes do Brain Congress 2025, realizado este ano em Fortaleza, no Centro de Eventos do Ceará. O evento científico, que ocorre entre os dias 18 e 21 de junho, conecta as mais recentes descobertas das neurociências a uma abordagem multidisciplinar, com foco no tratamento de doenças mentais e neurológicas.
Roza alerta que episódios de transtornos psicóticos, como esquizofrenia e transtornos bipolares, podem ser desencadeados ou piorados pela exposição prolongada a altas temperaturas.
Um estudo conduzido pela Universidade de Adelaide, na Austrália, analisou 53 ondas de calor ocorridas entre 1990 e 2020. Os resultados, publicados em 2021 na revista Environment International, revelaram que, para cada aumento de 1°C, há um incremento de 2,2% na mortalidade associada a doenças mentais.
O psiquiatra Thiago Roza ainda faz referência a outro fator importante: o aumento no consumo de substâncias como forma de lidar com o estresse. "Indivíduos já vulneráveis ao abuso de substâncias frequentemente aumentam o consumo de álcool, cannabis, cocaína e outras drogas em resposta a estressores como o calor extremo", diz Roza.
Essa resposta, embora possa oferecer alívio temporário, tende a agravar a condição do indivíduo a longo prazo, contribuindo para o ciclo vicioso da dependência e piora dos sintomas psiquiátricos.
No contexto brasileiro, a diversidade geográfica e climática implica em diferentes desafios em cada região. O Sul do Brasil, frequentemente afetado por chuvas intensas e enchentes, experimenta estressores psicológicos diferentes dos vividos no Nordeste, onde as secas prolongadas são mais comuns.
"Todos são afetados, mas a vulnerabilidade das populações em áreas rurais e periféricas, tanto no Sul quanto no Nordeste, é imensa, pois além da adversidade climática, elas ainda enfrentam a falta de acesso a serviços de saúde mental", alerta Roza.
A resposta a esses desafios exige uma abordagem multidisciplinar. Roza sugere que, além de programas de apoio psicológico e psicoterapia, é essencial adotar medidas preventivas, como práticas de relaxamento e mindfulness [focar a atenção no momento presente], para lidar com o estresse causado pelo calor extremo.
"Técnicas como a respiração diafragmática podem ser muito eficazes no alívio do estresse", sugere ele. No entanto, ele adverte que essas soluções devem ser complementares e não substitutivas de uma ação governamental mais ampla para mitigar as mudanças climáticas.
Uma das populações mais afetadas pelas mudanças climáticas são as crianças e adolescentes. Laiana Quagliato, doutora em Psiquiatria e especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que a exposição a desastres climáticos, como enchentes, secas prolongadas e furacões, tem sido associada a um aumento significativo de transtornos psiquiátricos.
"As adversidades precoces da vida, como eventos climáticos adversos, têm maior impacto nos períodos críticos do desenvolvimento, como a infância e a idade escolar, quando a plasticidade cerebral está mais alta”, aponta Quagliato, que também integra a equipe de palestrantes do Brain Congress.
Entre os efeitos colaterais mentais mais comuns em crianças e adolescentes após desastres climáticos estão:
Fonte: Mudanças Climáticas e Bem-Estar Humano (2011), David M. Simpson, Inka Weissbecker, Sandra E. Sephton.
Segundo ela, os impactos podem afetar diretamente a capacidade de aprendizado e adaptação das crianças, prejudicando habilidades cognitivas essenciais, como leitura e resolução de problemas. Contudo, os efeitos colaterais podem ser variáveis.
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"Quando o evento climático é de curta duração, como uma enchente repentina, ele pode levar a transtornos de estresse agudo. No entanto, eventos mais prolongados, como secas severas ou o aumento do nível do mar, causam um estresse cumulativo que pode resultar em transtornos mais graves, como a depressão, e até mesmo tendências suicidas", aponta.
Ela ressalta ainda que a perda de entes queridos durante desastres naturais têm um impacto emocional mais profundo nas crianças do que a perda de bens materiais.
Para Laiana Quagliato, pais e cuidadores devem trabalhar o emocional e a resiliência das crianças antes mesmo que elas sofram os impactos graves das mudanças climáticas. "Pois, uma vez ocorrido o evento climático, é muito difícil reverter os danos psicológicos".