Durante as férias escolares, muitos pais se veem diante de um dilema: como entreter os filhos em casa, mesmo com a rotina puxada e, muitas vezes, com recursos limitados? A resposta pode estar nas pequenas tradições familiares.
A confeiteira Marina de Almeida é mãe de três filhos: Pedro Luca, de 9 anos; Pedro Vitor, de 13 anos; e Maria Eduarda, de 20. Há alguns anos, a família criou algumas tradições para aproveitar o período de férias escolares.
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"Assim que começa, fazemos um almoço especial, com coisas que eles gostam bastante: batata frita, refrigerante, essas coisas. Depois começamos uma rotina mais organizada e saudável", conta Marina.
Ela também criou uma tradição noturna para unir a família. “Fazemos um momento de 'pipoca': escolhemos algo para assistir juntos e comemos pipoca na sala. Isso ajuda a tirar as crianças do celular, porque, se deixarmos, passam o dia inteiro nele”.
A mãe explica, contudo, que não é fácil conciliar, o tempo todo, as tarefas de entreter os filhos com as responsabilidades do trabalho e as burocracias do dia a dia. “Tem as terapias durante a semana, tem dentista, e ainda aproveito as férias do meio do ano pra fazer alguns exames de rotina”, relata Marina.
Segundo André Pessoa, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e chefe do Departamento de Neurologia Pediátrica do Hospital Infantil Albert Sabin, as férias escolares desempenham um papel importante no descanso físico, mas também no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças.
"A criança foi estimulada e agora precisa de um tempo para processar isso. Dificilmente conseguimos criar algo novo quando estamos sobrecarregados. É no momento de ócio, que surge a criatividade”, diz.
Pessoa alerta, no entanto, sobre a importância de manter uma rotina mínima no período. As alterações bruscas no ciclo do sono, por exemplo, podem afetar o bem-estar emocional. “Especialmente crianças com TDAH ou no espectro autista, que já têm uma estrutura de terapias e compromissos, tendem a se desorganizar emocionalmente quando essa previsibilidade é rompida”.
Como alternativa, ele sugere que os pais [ou rede de apoio] tentem, se possível, sincronizar suas folgas com o recesso escolar ou se revezarem nos cuidados.
Atividades que os responsáveis podem programar para as férias:
Fonte: André Pessoa, neurologista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC); Gabriela Jardim, psicóloga clínica e psicomotricista
Com uma rotina intensa no trabalho, a médica e professora universitária Aline Veras Brilhante conta que as férias exigem organização e criatividade. Ela é mãe de dois meninos: Artur, de 11 anos, que é autista nível 2 de suporte e tem TDAH, e Carlos, de 10.
“Principalmente para o Artur. O tédio é algo complicado para ele. Claro que a gente trabalha também o momento do brincar sozinho. Mas o Artur realmente precisa sair de casa”, relata. “Se passarmos dois ou três dias direto em casa, ele começa a puxar a gente, literalmente, para sair.”
Aline e o marido, que também é professor universitário e profissional de educação física, levam a sério algumas tradições simples. “Começamos a comprar tintas e telas por causa do Artur, mas vimos que os dois gostam. Dá para usar papel mais grossinho e tinta. Pintar junto, desenhar junto… Criança tem muita imaginação. Às vezes, fazemos histórias: cada um cria um pedaço, a gente desenha os personagens, o cenário.”
As atividades fora de casa também têm lugar garantido. “Gostam muito de praia, andam de bicicleta, de patinete”, conta Aline. “Aí a gente joga algum jogo de tabuleiro, brinca com banco imobiliário. Ou vamos ao shopping aqui perto, comer pastel, que eles adoram.”
Outra programação que virou um hábito é ir à igreja aos domingos. “O Artur, que é não oralizado, adora. A gente vai sempre às 15 horas, mas às 14h30min ele já está fechando as janelas, se arrumando para sair. Depois do culto, comemos pizza.”
Para ela, o mais importante é encontrar formas de estar junto, mesmo quando o tempo é curto. “Outro dia, eu estava exausta e o Carlinhos queria brincar. Eu disse: ‘Carlinhos, vou te ensinar uma brincadeira que a gente joga sentado’. Ensinei o jogo de Stop [ou Adedonha]. Ele adorou!”
Já Yasmin Félix, mãe de Ana Alice, de quatro anos, vive uma realidade diferente. A pequena está de férias da creche e Yasmin está na espera para começar um novo emprego, o que tem permitido mais tempo ao lado da filha.
Uma das tradições preferidas das duas é a noite de cinema em casa. “Eu aviso para ela: ‘Hoje vai ter cinema!’, coloco o colchão na sala, faço pizza, pipoca, esse tipo de coisa. Também lemos muito livro juntas, para passar o tempo. Toda noite leio um capítulo com ela”.
A mãe conta que busca construir memórias afetivas. “Eu prezo muito pela qualidade de vida dela e pelas memórias que ela vai levar da infância. Fico pensando que, mais pra frente, ela vai lembrar com carinho de fazer as coisas em família”.
Para a psicóloga e psicomotricista Gabriela Jardim, o período das férias pode ser um convite ao reencontro entre adultos e crianças, desde que seja vivido com leveza. “Muitas vezes percebo que os pais entram quase num momento de crise ou que tem que seguir um checklist: ‘Faça tal jogo, brinque de tal coisa’. Mas isso pode acabar se tornando uma obrigação, algo pesado. E às vezes esse adulto está exausto”, diz Gabriela.
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Ela destaca que, mais do que seguir uma cartilha de brincadeiras, é importante que os adultos também se sintam bem com as escolhas feitas.
“A dica que eu dou é que esse período pode ser um reencontro, um momento para redescobrir junto com a criança o que é gostoso. Porque, se estiver gostoso para o adulto, vai ser um convite mais prazeroso para a criança também.”