Frequentador diário da Praça do Ferreira, em Fortaleza, há quase 10 anos, o aposentado José Félix, de 66 anos, confessa que ficou admirado ao chegar no local na manhã dessa segunda-feira, 7. Seu espanto se deu por conta dos tapumes erguidos ao redor da praça, que antecipam o anúncio para o início das obras de revitalização e alargamento de um dos mais importantes espaços públicos da Cidade, que será nesta terça-feira, às 8h30min, Cineateatro São Luiz. Previsão de término é ainda em novembro deste ano.
Mesmo que as expectativas para a reforma sejam boas, José Félix conta que a preocupação com os impactos no comércio e na segurança já começaram. “Quem é daqui vai ter que sair. As barracas vão ter que fechar para poder ampliar e botar outra coisa. Eles vão mudar tudo. Para quem trabalha aqui, o movimento caiu quase 100%. Segurança aqui nunca teve. Aqui toda vida é de pior para pior”, desabafa.
O projeto, orçado em R$ 8 milhões, é assinado pelo arquiteto Fausto Nilo e prevê a reforma completa do piso, instalação de travessias elevadas para pedestres, requalificação dos passeios com foco em acessibilidade, construção de novos quiosques, reforma da fonte da Coluna da Hora, instalação de paraciclos, entre outros serviços.
Para viabilizar as obras de revitalização da Praça do Ferreira, a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) iniciou, no sábado, 5, a interdição provisória para veículos ao redor do equipamento, com bloqueios nas seguintes vias:
Motoristas que seguem na rua Major Facundo devem entrar à direita na rua Senador Alencar, à esquerda rua Senador Pompeu, à esquerda na rua Pedro Pereira, retornando à direita à rua Major Facundo.
A ACM informou ainda as mudanças deverão durar seis meses e que agentes do órgão e orientadores de tráfego reforçarão o trabalho de conscientização com condutores e pedestres que circulam na região.
A arquiteta Rochelle Almeida, mestre em História e Historiografia da Arquitetura pela UFC, relembra que intervenções em praças públicas fazem parte de uma dinâmica comum da gestão pública de uma cidade. Segundo ela, a Praça do Ferreira passou por cinco grandes transformações, sendo elas nos anos de 1889, 1912, 1925, 1932 e 1949.
Relembre as cinco principais transformações da Praça do Ferreira:
“A reforma geralmente é quando eu mudo algum aspecto do projeto urbanístico daquele lugar. Então, é importante pontuar isso. Porque quando você vai ver historicamente, você vê cinco reformas. Aí você pensa: ‘pelo amor de Deus, como é que a pessoa só fez cinco reformas num bem público?’ Mas não é. É que houve cinco grandes transformações do projeto urbanístico dela, ou cinco grandes restauros”, detalha.
Rochelle Almeida destaca que as praças simbolizam o ponto alto dos espaços públicos quando se pensa em acesso e liberdade de uso, tendo um papel fundamental para os aspectos demográficos e democráticos de uma cidade, tornando-se grande centralizadoras de manifestações sociais e representatividade democrática.
A ocupação da Praça do Ferreira por pessoas em situação de rua, segundo a arquiteta, reflete o processo de esvaziamento dos espaços públicos ao longo dos anos e expõe outras demandas sociais que vão além da revitalização desses logradouros, entre elas a questão da habitação urbana.
“Infelizmente, falar da situação dos moradores de rua ou mesmo do aumento da violência é falar de um sintoma e não de um problema (...) Quando você abandona o espaço público, ele acaba tendo uma absorção orgânica de outras demandas. O espaço urbano, ele tem a máxima de que ele vai ser ocupado”, destaca.
Vivendo em situação de rua há cerca de 40 anos, Francisco José Gonçalves Ferreira revela que costuma frequentar a Praça quase diariamente. Abatido, ele relata que no mês passado uma outra frequentadora do local roubou o pouco dinheiro que ele conseguiu juntar ao longo do dia.
“Eu fui comprar um negócio ali, botei o dinheiro no bolso. Teve uma coroa, já velha, que pegou e puxou o dinheiro do meu bolso. Era o troco que eu recebi. Isso é uma revolta. A segurança aqui tem que melhorar muito”, avalia.
Para evitar situações parecidas, Francisco José explica que prefere guardar seus poucos itens, como roupas, dinheiro e documentos em casas de amigos e conhecidos, a maioria moradores do bairro Benfica.
Nesta segunda-feira, 7, O POVO questionou a Prefeitura de Fortaleza, por meio da Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinf), sobre os projetos para dar assistência para a população em situação de rua durante a execução e a finalização das obras, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Em nota, enviada em 16 de maio, a Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) informou que a rede socioassistencial para pessoas em situação de rua concentra-se, em maior parte, no Centro de Fortaleza, região com maior contingente populacional deste grupo.
“Nos equipamentos municipais voltados a este público, a Prefeitura oferece atendimento socioassistencial, jurídico e psicológico, alimentação, acolhimento, além de cadastramento para programas de acesso à moradia e renda”, diz um trecho da nota.
Ainda de acordo com a pasta, no Centro, são disponibilizadas duas Pousadas Sociais, dois espaços de Higiene Cidadã, o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (unidade Centro), um Centro de Convivência, um Refeitório Social, além de distribuição de refeições prontas na rua.
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Em nota enviada na mesma época, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que “oferece atendimento médico, por meio da equipe itinerante do programa Consultório na Rua, às pessoas que vivem na Praça do Ferreira”. Em 2025, entre 1º janeiro e 8 de maio, foram realizadas 17 visitas pelas equipes de saúde ao local, segundo a pasta.
Segundo a SDHDS, a Praça do Ferreira é um dos espaços públicos que recebem semanalmente o Serviço de Abordagem Social para oferta de atendimento socioassistencial para pessoas em situação de rua. No local são acompanhadas 110 pessoas que utilizam a praça como moradia.