Fundada em 1934, a Casa do Estudante do Ceará (CEC) completa 91 anos como uma das instituições mais tradicionais de apoio à educação no Estado. Localizada no Centro de Fortaleza, oferece moradia e suporte aos estudos, e também atua como agente de transformação social para os jovens do Interior que buscam formação na Capital.
Mesmo com seu papel histórico, a instituição que já abrigou nomes ilustres para Ceará, enfrenta desafios financeiros e estruturais para continuar funcionando.
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Para entender a história da Casa do Estudante, é preciso voltar para 1931, quando estudantes das escolas públicas de Fortaleza fundaram o Centro Estudantil Cearense, que tinha como um dos objetivos a criação de uma “casa” que servisse de abrigo para os estudantes filiados.
Assim nasceu a Casa do Estudante Pobre do Ceará. Com o tempo, o termo “pobre” foi retirado por seu caráter pejorativo.
A primeira sede foi na esquina das ruas Senador Pompeu e São Paulo e em 1940, a instituição mudou-se para o seu endereço atual, na rua Nogueira Acioly, 440, Centro.
Durante 60 anos, a Casa foi exclusivamente masculina. Somente em 1991 — após muita resistência interna — passou a receber mulheres. Elas resistiram e, em 1998, Sandra Maria Leite tornou-se a primeira presidenta, abrindo caminho para outras seis mulheres que também assumiram o cargo.
Hoje, cerca de 140 estudantes residem na Casa, buscando não apenas formação acadêmica, mas também a chance de transformar suas vidas e oferecer melhores condições às suas famílias.
A Casa do Estudante Cearense, de acordo com seus moradores, ajuda na promoção de valores como resiliência, amadurecimento, persistência, gratidão e solidariedade. Segundo a atual presidenta, Fran Cavalcante, “a Casa do Estudante é uma ponte entre o seu hoje e a sua melhoria de vida”.
Fran destaca que mais de 85% dos moradores possuem trabalhos remunerados, visto que um dos critérios para ingressar na instituição é a vulnerabilidade social. Sobre persistência e resiliência, ela acrescenta: “De mãos vazias a gente chegou, mas de mãos vazias, a gente não vai voltar”.
O ambiente coletivo e as regras de convivência estimulam o senso de responsabilidade e a cooperação. Eventos culturais, reuniões internas e festas tradicionais, como a junina, fortalecem o espírito comunitário. Muitos ex-residentes retornam como colaboradores voluntários ou doadores.
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Ao longo de seus 91 anos, a Casa do Estudante foi lar de figuras como o deputado federal José Guimarães (PT-CE), o ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE) e o médico oftalmologista Leví Madeira — atualmente, os maiores benfeitores da instituição. “São eles que não deixam a importância da Casa do Estudante se apagar”, afirma a presidenta.
Outros apoiadores incluem o ex-vice-prefeito de Fortaleza Gaudêncio Lucena, o empresário Oto de Sá, e a promotora de justiça Rita Arruda.
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Apesar das parcerias e do apoio de benfeitores, a Casa enfrenta problemas crônicos. O maior deles é com a rede elétrica, que nunca teria passado por uma reforma completa desde a fundação. Com o aumento do número de moradores e a popularização dos eletrodomésticos entre os residentes, a sobrecarga é constante.
“Se nessa ala eu ligar o ventilador, outro ligar a sanduicheira e outro o secador, já cai”, conta Fran, bem-humorada. Para evitar apagões, os moradores precisam combinar o uso dos aparelhos, desligando uns para ligar outros.
Os gastos com energia elétrica também são altos. O tesoureiro Gabriel Boringue, explica que já tentaram solicitar um subsídio junto a Enel, porém, “como nós somos uma instituição filantrópica de caráter privado, não nos encaixamos nos requisitos”.
Além disso, a estrutura antiga também limita a acessibilidade. Um projeto de reforma da fachada e de adequação para receber pessoas com deficiência está em andamento, com previsão de início até 2026. Enquanto isso, a rotina exige adaptação e criatividade para manter o funcionamento da Casa. Confira mais fotos da estrutura da Casa:
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Suzana Nascimento, de 21 anos, natural de Itapajé, no interior do Ceará, é filha de agricultores e cresceu na zona rural. Ela sempre sonhou em estudar Medicina na Universidade Federal do Ceará (UFC). No entanto, aos poucos viu esse sonho se distanciar diante das limitações financeiras da família.
“Quando a realidade bateu, esse sonho meio que foi morrendo, não por falta de vontade — porque eu sempre tive muitos sonhos —, mas por uma questão de necessidade”, relembra.
A oportunidade surgiu no último ano do ensino médio, quando uma professora enviou uma mensagem em um grupo de whatsApp falando sobre a Casa. “Quando vi aquela mensagem, meus olhos brilharam. Era como se dissesse: ‘Essa é a sua chance’”, recorda.
A aprovação também significou enfrentar o medo dos pais e lidar com a distância da mãe e da avó, suas maiores incentivadoras.
Suzana chegou à instituição em 2022. Inicialmente, ingressou no curso de Ciências Biológicas na UFC, mas decidiu trancar a graduação para retomar a preparação para Medicina — sonho que mantém vivo até hoje.
“Hoje em dia, a Casa, para mim, não é só um símbolo de resistência estudantil. Ela é um lar que me acolheu como pessoa e indivíduo. Aqui, encontrei suporte para ser quem sou e para lutar pelo que quero”, afirma.
Natural de Caldas, Minas Gerais, Taís Berdine, de 20 anos, chegou à Casa do Estudante junto com a irmã mais velha. Durante a pandemia, ambas conseguiram bolsas de estudo online em um colégio de Fortaleza especializado na preparação para o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
Com o fim das aulas remotas, precisaram se mudar para a Capital para continuar a formação, e foi então que conheceram a instituição, que se tornou a solução para viver e estudar longe de casa. Segundo Taís, apesar do medo, a mãe aprovou a decisão das filhas de virem estudar no Ceará.
“Ela sempre apoiou muito os nossos estudos e viu que essa era uma boa oportunidade para a gente se desenvolver”, afirma.
A Casa também proporcionou a Taís sua primeira experiência profissional. Ela já atuou como presidenta da instituição e, atualmente, ocupa o cargo de coordenadora de Relações Externas.
Hoje, no quarto semestre de Ciências Sociais na UFC, concilia o estágio com as responsabilidades administrativas. Apesar do cansaço, garante que o esforço vale a pena.
“O convívio coletivo e as responsabilidades me fizeram amadurecer. Aqui, tive acesso à educação de qualidade, a oportunidades profissionais e aprendi a viver de forma mais humana e solidária”, relata.
Natural de Catarina, no Ceará, Maria Martins, de 25 anos, já conhecia a Casa do Estudante antes mesmo de se mudar para Fortaleza. Nascida em uma família de baixa renda, sabia que o sonho de cursar Direito não seria possível sem a instituição.
"Até tem Direito na cidade vizinha, mas minha família não tinha condições de me manter em outra cidade. Então, a Casa do Estudante foi a minha melhor opção", conta.
Desde que chegou à Capital, no fim de 2022, conciliou trabalho e curso pré-vestibular. A rotina era intensa, principalmente no início, quando dormia, apenas cinco horas por noite. Mas o esforço valeu a pena: no final de 2024 Maria foi aprovada em Direito na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, para onde se mudou nesta segunda-feira, dia 11.
Questionada sobre as lembranças que guardará da Casa, ele resume: “É olhar para o meu passado e ver que tudo valeu a pena! Vir para cá valeu a pena, todos os meus esforços valeram a pena. Aqui formei uma família e aprendi a ser mais humana. Essa Casa moldou meu caráter e me deu a chance de transformar minha vida”.
Para celebrar seus 91 anos de fundação, a CEC, promoverá o evento “Casa do Estudante do Ceará - 91 anos de História". A solenidade ocorrerá no próximo dia 22 na sede da instituição, é uma forma de manter viva a memória e o legado da entidade.
Segundo Gabriel Boringue, “é um momento de celebrar conquistas, reunir moradores e parceiros e agradecer a todos que contribuíram com a Casa”.
A Casa do Estudante do Ceará é uma instituição filantrópica que acolhe gratuitamente estudantes carentes vindos do interior do Estado e de outras regiões do Brasil. Para continuar funcionando, a Casa depende de doações.
A instituição aceita qualquer tipo de contribuição, seja em dinheiro, alimentos, materiais de limpeza, equipamentos, móveis ou outros itens úteis. As doações físicas podem ser feitas diretamente em sua sede, localizada na Rua Nogueira Acioly, 440, Centro, Fortaleza.
Para quem deseja colaborar financeiramente, a Casa disponibiliza a seguinte chave pix: 09442476000157