Entre a estudante Letícia Felismino, 14, e Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, há uma jangada de distância. É a representação da embarcação, parte da história de Fortaleza e do Ceará, que deve estampar o fardamento das escolas municipais no começo do ano letivo.
Após um desfile dos seis modelos finalistas do concurso para criação e escolha do novo uniforme escolar da Capital, a equipe da Escola Aldaci Barbosa, representando o Distrito 2, foi a vencedora da noite de ontem, 22, durante anúncio na Praça Verde do Centro Dragão do Mar. A votação geral na segunda fase alcançou cerca de 170 mil pessoas.
“A gente achava que não iria ganhar. Mas com muita força, com o apoio do povo de Sapiranga, conseguimos”, diz Letícia, quando desce do palco ao lado do grupo vitorioso. Em sua emoção, começa a agradecer aos professores e a cada um dos votantes.
Mais de 180 mil uniformes são entregues a estudantes da rede pública estadual do Ceará | SAIBA MAIS
O concurso contou, no total, com 185 projetos inscritos. Os 12 semifinalistas foram definidos a partir de duas comissões técnicas, com profissionais e estudantes selecionados da Universidade de Fortaleza (Unifor) e da Universidade Federal do Ceará (UFC), enquanto os seis finalistas foram escolhidos pelo voto do público.
A vice-coordenadora do curso de Design de Moda da UFC, Cyntia Tavares, e a professora dos cursos de Moda da Unifor, Ana Cláudia Farias, responsáveis pela seleção dos semifinalistas, relataram que a avaliação das produções também considerou a funcionalidade e a presença de elementos que representassem a cultura de Fortaleza.
“Tínhamos que ver o que poderia ser viável para confecção”, aponta Ana Cláudia. “Às vezes, tinham ideias interessantíssimas, mas eram muitos elementos, e para você fazer aquilo ali no fardamento todinho… Poderia passar muitas informações, talvez não ficar muito claro e poderia ficar difícil na produção”.
Para a graduanda em Design de Moda da UFC, Gleice Braz, que auxiliou as educadoras no processo, outro desafio foi se colocar no lugar de avaliadora, considerando a própria experiência universitária em concursos anteriores.
“Não imaginamos como é feita toda uma triagem quando a gente participa”, diz Gleice. “Nesse momento, eu estive no lugar da pessoa que seleciona. Então, fui olhando cada detalhe, cada história e também vendo não só o design, mas os posicionamentos e o que representavam”.
Quem recorda o esforço dos alunos até a seleção é a professora de História Patrícia Lima, que atuou como orientadora da equipe finalista da Escola Municipal Waldemar Barroso (Distrito 4). “A gente tentou intervir o mínimo possível no processo criativo. Eles têm um talento e potência incríveis, só orientamos que usassem como base as cores do brasão da cidade”, afirma.
No caso da estudante Chrystene Monteiro, 13, a evolução do esboço ao design selecionado começou com a ideia de criar “algo que fosse a cara de Fortaleza”. Parte do Distrito 4, ela ressalta que o grupo escutou o hino da Capital e procurou inspiração na história da cidade.
Transmitida ao vivo nas redes sociais, a solenidade para a escolha do vencedor contou com a participação do prefeito Evandro Leitão (PT) e do secretário da Educação (SME), Idilvan Alencar.
“A importância é que essa farda foi desenhada por alunos”, anuncia o secretário. “E nós vamos confeccionar agora e licitar para em 2026 fazer uma grande entrega”.
O design finalista deve compor os fardamentos da Educação Infantil, Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano), Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano), Educação de Jovens e Adultos (EJA) e um modelo para Educação Física.
“A gente pensou nos pontos turísticos de Fortaleza e, inclusive, nos inspiramos nas jangadas, por isso que tem aquele formato”, explica Letícia Felismino. “A onda amarela (no design) significa a areia e a onda do mar”.
A jangada levada na estampa do grupo vencedor carrega inspirações que ultrapassam o tempo. A primeira está atrelada à atuação de Dragão Mar no século XIX, líder jangadeiro que paralisou o mercado escravista no porto de Fortaleza durante greve.
O segundo momento chega no desembarque do diretor Orson Welles na Capital, inspirado pela saga de quatro jangadeiros cearenses. Na época, o grupo viajou até o Rio de Janeiro com suas embarcações, reivindicando melhores condições de trabalho ao então presidente, Getúlio Vargas.
No palco, a culminação das memórias da cidade é resumida pelos olhos vermelhos de Letícia. Eles vão e voltam, observando o público, como se imitassem o embalo de uma jangada retornando ao mar de Fortaleza.