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140 anos da greve contra a escravidão: a jangada perdida do Dragão do Mar
Reportagem Seriada

140 anos da greve contra a escravidão: a jangada perdida do Dragão do Mar

Há 140 anos, completados em 30 de agosto, a segunda greve dos jangadeiros no Porto de Fortaleza consolidou a principal insurgência política contra a escravidão de negros no Brasil
Episódio 4

140 anos da greve contra a escravidão: a jangada perdida do Dragão do Mar

Há 140 anos, completados em 30 de agosto, a segunda greve dos jangadeiros no Porto de Fortaleza consolidou a principal insurgência política contra a escravidão de negros no Brasil
Episódio 4
Tipo Notícia Por

 

Vou contar por aqui uma versão possível sobre a história da “Jangada Libertadora”. Uma embarcação, provavelmente talhada na madeira da piúba, transformada em ícone político por abolicionistas brasileiros em 1884, no Rio de Janeiro. Uma lenda forjada na província do Ceará, a partir de 1881, com os desdobramentos das rebeliões de jangadeiros contra o comércio interprovincial de seres humanos negros, traficados de países africanos ou descendentes nascidos no Brasil. A notícia sobre a insurreição contra o sistema escravocrata se espalhou no País e deu outro tom ao movimento libertário.

Os troncos de pau-jangada, amarrados de forma a não afundar no esquecimento com o negro nascido livre Francisco José do Nascimento – heroicizado como o libertador Dragão do Mar –, foram “sacralizados” numa estratégia perenal de memória no Museu Nacional. Era o tempo ainda de dom Pedro II e da Princesa Isabel, lugares-tenentes das invasões europeias nas terras indígenas dessa banda do mundo.

“Pela primeira vez aparecia, aos olhos da população da corte, uma embarcação típica do norte do país e que, para além de sua especificidade regional, estava sendo celebrada como a encarnação das lutas libertárias, adentrando assim a história nacional. O momento ainda mais efusivo estava reservado para o dia 13 de abril (de 1884). Irmanados em marcha cívica, os abolicionistas entregaram (a Jangada Libertadora) aos cuidados do Museu Nacional”, contou ao O POVO o museólogo Saulo Moreno Rocha, autor da dissertação “Esboços de uma biografia de musealização: o caso da Jangada Libertadora” (Unirio/Mast).

Antes, uma volta no tempo. A construção icônica sobre a simbologia revolucionária da jangada do Chico da Matilde, outro apelido de Francisco José do Nascimento, começa a ser tecido três anos antes do paquete flutuante ser recebido como patrimônio nacional da história que se queria contar e deixar para as gerações até hoje.

Em 1881, duas greves de jangadeiros cearenses impulsionaram o movimento pela libertação de escravizados no Brasil. Em janeiro, a revolta puxada por brancos abastados da Sociedade Cearense Libertadora (SCL) e protagonizada, na praia, pelos alforriados José Luís Napoleão, Tia Simoa. Em 30 de agosto de 1881, na data que completa 140 anos nesta segunda-feira, o segundo e mais famoso movimento foi liderado por Francisco José do Nascimento, que pôs lenha nas estratégias contra o cativeiro de seres humanos.

Duas greves de jangadeiros, ou as mais radicais insurreições contra o já decadente sistema escravocrata brasileiro, fecharam o Porto de Fortaleza. De acordo com o historiador Raimundo Girão, no livro “A abolição no Ceará”, as jangadas deixaram de levar e trazer escravizados dos navios para a praia e vice-versa.

Celebração abolicionista(Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos Celebração abolicionista

Por ali, não entravam nem saiam mais prisioneiros negros para serem vendidos como mercadoria na capital cearense nem em outras províncias. A decisão passou a viger no dia 27 de janeiro de 1881. E mesmo com a ameaça de enfrentamentos e derramamento de sangue, articulados pela elite comerciante de escravos, os jangadeiros liderados por José Luís Napoleão sustentaram o ato de resistência política.

A peleja teve desdobramentos em 29 e 30 de janeiro e findou virando uma vitória dos abolicionistas no cais  cearense. Seis meses depois, era 30 de agosto, os senhores que lucravam com a economia negreira tentaram novamente furar o bloqueio no Porto de Fortaleza. Foi a vez da SCL alçar o protagonismo de Francisco José do Nascimento e ele impedir a volta do transporte de escravizados pelo mar.

Era a quarta derrota política da casta escravizadora cearense e de comerciantes de outras províncias que usavam o porto daqui. Um duro golpe contra um sistema econômico ainda vigente no território nacional. Na marra e articulado, o gesto dos jangadeiros e as estratégias de guerrilha dos abolicionistas da SCL repercutiram no Rio de Janeiro e no restante do País.

O passo seguinte às greves dos jangadeiros foi a vinda planejada do carioca José do Patrocínio ao Ceará. Veio para implantar o projeto de territórios livres de cativeiro, em 1882/83, numa terra que se insurgira publicamente contra a escravidão. Patrocínio e Francisco José do Nascimento se encontram e o jangadeiro foi apelidado por ele de “Lobo do Mar”.

Raimundo Girão conta que, no final de novembro de1882, a presença do escritor e farmacêutico negro legitimava o ato dos jangadeiros como exemplo nacional pelo fim do cativeiro humano; e o Ceará passaria a laboratório do ativismo abolicionista para outras iniciativas no Brasil.

Raimundo Girão e o pesquisador Saulo Moreno descrevem que em 1º de janeiro de 1883, os abolicionistas cearenses e José do Patrocínio implantam a experiência do território livre de escravização em Acarape. Uma ideia adaptada do movimento abolicionista norte-americano. Naquela época, apenas Brasil e Cuba mantinham a escravidão.

O Acarape, mais tarde Redenção (1889), liberta seus 32 escravizados. Muito ou pouco, ganha o título de primeiro território brasileiro extinguir a escravização e o Ceará vira a “Terra da Luz” para José do Patrocínio. E daí em diante, outros municípios cearenses vão disputando um lugar na história. Fortaleza é declarada, em 24/5/1883, também zona de liberdade.

As duas greves dos jangadeiros, o ato simbólico (e concreto) em Acarape e em Fortaleza viraram bandeiras e munição transportada por José do Patrocínio para o Rio de Janeiro e para fora do Brasil. A criação da ideia e da simbologia do “Ceará livre” – ato político abolicionista protagonizado principalmente pela elite intelectual – é exportado intencionalmente para ruas do Rio de Janeiro, o centro administrativo da Corte.

De 23 de março a 13 de abril de 1884, Dragão do Mar, os jangadeiros Francisco José de Alcântara, José Félix Pereira Barbosa e uma “Jangada Libertadora” viram atrações principais em manifestações pelo fim da escravidão no Brasil.

 

 

A série

Desde janeiro de 2021, O POVO Mais traz série de reportagens reunindo alguns fragmentos menos lembrados da memória do célebre movimento dos jangadeiros contra o tráfico de escravizados, que deu fama ao Chico da Matilde, o Dragão do Mar

Conheça a trajetória de José Luís Napoleão, ex-escravizado que, em janeiro de 1881, foi o primeiro líder da greve dos jangadeiros, antes do Dragão do Mar

Em crônica com cores de cordel, o jornalista Demitri Túlio fala da trajetória de Napoleão e Tia Simôa

O que aconteceu no Ceará no dia 25 de março, feriado da data magna

CONFIRA A SÉRIE AQUI 


.(Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos .

 

 

Artigo >> Por Saulo Moreno Rocha

A Jangada Libertadora: sobre protagonismos, apagamentos e histórias

Saulo Moreno Rocha, museólogo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (UFC). Autor da dissertação de mestrado: "Esboços de uma biografia de musealização: o caso da Jangada Libertadora" (Unirio/Mast). Fortaleza/2021(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Saulo Moreno Rocha, museólogo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (UFC). Autor da dissertação de mestrado: "Esboços de uma biografia de musealização: o caso da Jangada Libertadora" (Unirio/Mast). Fortaleza/2021

Em 2021, celebramos e relembramos os 140 anos da Greve dos Jangadeiros, evento emblemático na história do Ceará e do Brasil, que demarca a relevância dos trabalhadores do mar nos levantes e contestações ao sistema escravista. Nos dias 27, 30 e 31 de janeiro de 1881, bradando o lema “No porto do Ceará não se embarcam mais escravos”, os jangadeiros e outros trabalhadores do Porto de Fortaleza se negaram a transportar pessoas escravizadas em suas jangadas para embarcações que partiam rumo ao sul do país.

À frente do levante esteve José Luís Napoleão, liberto natural de Icó, que conquistou a sua liberdade, e a de membros da sua família, poucos anos antes de se insurgir contra o tráfico interprovincial. A sua primeira esposa, Maria Simôa da Conceição, a Tia Simôa, é outra protagonista nesse contexto, relembrada no presente e sobre quem sobraram pouquíssimos registros históricos, infelizmente.

A Jangada Libertadora foi uma embarcação pertencente a Francisco José do Nascimento, o famoso Dragão do Mar, um dos participantes e líder do segundo levante dos jangadeiros, que ocorreu em 30 de agosto de 1881. O objeto foi transformado em símbolo do movimento libertador do Ceará e, como tal, viajou com seu proprietário para as festas do Ceará Livre, realizadas no Rio de Janeiro, em 1884. A declaração da abolição cearense movimentou o cenário nacional e pôs em evidência o Dragão do Mar como um grande líder abolicionista.

Conduzida em procissão cívica ao Museu Nacional, a jangada foi doada ao primeiro museu do país no dia 13 de abril de 1884, gerando uma onda de protestos e reclamações incisivas por parte da classe senhorial. Celebrada e contestada, a Libertadora foi consagrada junto com o Ceará e o Dragão do Mar, estampando publicações, como a capa da Revista Ilustrada, de Agostini, gravada em medalhas, pintada em quadros, enfim, espraiando-se junto com a campanha abolicionista.

Infelizmente, a Libertadora desapareceu na virada do século XIX para o XX. Transferida ao Museu Naval em 1886, a famosa jangada ainda participou de uma regata comemorativa à abolição em 1888, na Enseada de Botafogo. Foi, provavelmente, a sua última aparição ao público.

Em 1921, um sobrinho do Dragão do Mar despertou o interesse de outro museu pelo objeto. Oyama Brígido Bastos escreveu um artigo no jornal O Nordeste e trocou cartas com Gustavo Barroso, fundador e diretor do Museu Histórico Nacional. Após buscas, este último constatou o desaparecimento da peça, mas a atuação do diretor produziu documentos e registros que nos permitem pensar nesse objeto e na sua história. O incêndio recente do Museu Nacional, em 2018, liquidou os poucos registros da passagem da embarcação pela instituição.

Ao longo do Século XX, familiares do Dragão do Mar colaboraram decisivamente para manter viva a sua memória e dos movimentos dos jangadeiros do Ceará, participando de solenidades e celebrações, doando objetos a museus, contribuindo com a escrita de publicações – caso da colaboração de Luiz Gonzaga Brígido Bastos, irmão de Oyama, com Edmar Morél – eles foram partícipes dos trabalhos de memória que, na atualidade, permitem novos olhares para a nossa história. Além disso, a família até hoje é responsável por cuidar do jazigo do famoso líder que, longe do que divulgaram recentemente, nunca esteve desaparecido, pois sempre contou com o zelo de Dona Maria das Dores, filha de Luiz Gonzaga.

Quando voltamos os nossos olhares ao passado, é imprescindível, portanto, compreendermos as múltiplas estratégias de escrita da história e, principalmente, os caminhos pelos quais a memória é tecida e elaborada. Do mar ao museu, passando pelo seio familiar e pelas estratégias políticas dos jangadeiros e de movimentos sociais ao longo do tempo, a jangada segue nos lembrando de protagonismo olvidados, esquecidos e muitas vezes silenciados, mas que foram imprescindíveis para o desmonte da escravidão em nosso país. Hoje, ela continua a nos recordar das urgências de nosso país e dos muitos levantes ainda necessários para a construção de uma sociedade menos desigual e com garantias cidadãs para todas e todos.

Saulo Moreno Rocha é museólogo, autor da dissertação “Esboços de uma biografia de musealização: o caso da Jangada Libertadora” (2018 – UNIRIO/MAST)

Abolição no Ceará. Cartão postal (Foto: Álbum Fortaleza Antiga/Thomaz Pompeu Gomes de Matos)
Foto: Álbum Fortaleza Antiga/Thomaz Pompeu Gomes de Matos Abolição no Ceará. Cartão postal

 

 

Jangadeiros foram transformados em heróis no Rio de Janeiro

Em março de 1884, nas ruas de calçamento do Rio de Janeiro imperial e nos salões onde ocorriam as manifestações políticas e cívico-literárias pela abolição no Brasil, os jangadeiros Francisco José do Nascimento, Francisco José de Alcântara, José Félix Pereira Barbosa e a Jangada Libertadora foram alçados a heróis da abolição.

O museólogo Saulo Moreno Rocha, do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, conta que Dragão do Mar foi descrito pela imprensa carioca, por políticos e pela intelectualidade abolicionista como um “símbolo de resistência e bravura”. E “sua jangada, do mesmo modo, foi celebrada como a materialização dos ideais de liberdade e de redenção”.

A presença do insurgente negro, representação dos brancos da Sociedade Libertadora Cearense (SCL) e dos jangadeiros rebeldes do Porto de Fortaleza, e da mítica embarcação foram apoteoticamente utilizadas nas intervenções do “Ceará Livre” na corte escravista. Acontecimento organizado pela Confederação Abolicionista (CA) e pela Sociedade Abolicionista Cearense no Rio de Janeiro (SAC).

“Os intensos dias de movimentação, possíveis de serem rastreados a partir dos jornais da época, demonstram a impressionante capacidade de organização e articulação das sociedades abolicionistas. Por toda cidade circulavam impressos e as notícias sobre as grandes festas que estavam sendo preparadas corriam de boca em boca, alcançando o interior, gerando temor na classe senhorial que, apavorada, tentava a todo custo conter a avalanche de mobilizações pró-abolição”, descreve Saulo Moreno na dissertação “Esboços de uma biografia de musealização: o caso da Jangada Libertadora (Unirio/Mast)”.

No dia 23 de março de 1884 começaram as instalações políticas. Um dia depois, o Dragão do Mar foi recebido no mar do Rio de Janeiro para engrossar o caldo das reivindicações. “Ao sinal da presença do navio Espírito Santo nas águas da Baía da Guanabara, uma delegação da Abolicionista Cearense, a bordo de uma lancha a vapor, foi em direção à embarcação para receber Nascimento e seus companheiros”, reconta Saulo Moreno.

Acompanhados de banda de música e grande comitiva, os jangadeiros cearenses peregrinaram pelas ruas da Corte. “Ao som das badaladas dos sinos da Capela Imperial, o préstito atravessou a Praça Pedro II em direção à Rua do Ouvidor, momento em que foi saudado pelo cearense Paula Ney, poeta e abolicionista que, do Hotel de França, saudou os conterrâneos”.

Estrategicamente, lembra Saulo Moreno, o trajeto pela Rua do Ouvidor fez parada no Jornal do Comércio, seguindo, depois, por outras ruas nas quais visitaram as redações da Gazeta de Notícias, Folha Nova, Brazil e Revista Ilustrada. Era a rota onde estavam “parceiros indispensáveis ao sucesso das comemorações e à difusão da campanha (abolicionista)”.

 

 

 

 

 

Jangada em cortejo na Semana Santa e desaparecimento

Parte das comemorações do “Ceará Livre” no Rio de Janeiro, em março de 1884, ocorreram durante a Semana Santa. Não por acaso, segundo o museólogo Saulo Moreno, do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc) e autor da dissertação “Esboços de uma biografia de musealização: o caso da Jangada Libertadora (Unirio/Mast)”.

O 13 de abril de 1884 era um Domingo de Páscoa. “Foi o dia escolhido pela Sociedade Abolicionista Cearense do Rio de Janeiro para a entrega da Jangada Libertadora ao Museu. Foi o ponto culminante das diversas atividades realizadas na Corte em comemoração à Abolição no Ceará”.

De acordo com Saulo Moreno, "não havia dia melhor para a doação da Libertadora ao Museu, símbolo da redenção do Ceará, do que o dia em se festejava a ressurreição de Cristo”. Era um cortejo laico, “mas que não deixou de apelar à sensibilidade cristã e à construção de paralelos entre o sofrimento escravo e o martírio de Cristo”.

A presença dos três jangadeiros e da jangada misturavam “retóricas da compaixão/piedade e consagração. O antes sofrido Ceará, maculado pela seca e pela escravidão, agora era o exemplo de iluminação, de vanguarda e redenção. Província a ser consagrada e celebrada, exemplo a ser seguido” no território imperial.

Saulo Moreno conta que, às 17 horas do dia 13/4, a multidão saiu da Rua da Quitanda em direção ao Museu Nacional. Antes passou pelo Cais Pharoux, atual Praça XV de Novembro, onde a Jangada Libertadora esperava para ser integrada ao cortejo.

Matéria da Gazeta de Notícia reporta que a embarcação desfilou em “um carro conduzido por 24 libertos que usavam roupas brancas”. Em cima da jangada estavam duas crianças com a alegoria Ceará Livre. “Uma menina, vestida de “índio” representava o Brasil e outra representava o Ceará”. As duas gesticulavam numa representação ao rompimento de grilhões.

No leme da jangada, reproduziu Saulo Moreno em sua dissertação, “iam Francisco José do Nascimento acompanhado dos seus colegas jangadeiros, Francisco de Alcântara e José Félix Barbosa”. E “no banco da frente uma chapa de prata com a inscrição: ‘A Sociedade Abolicionista Cearense ao Museu Nacional. Jangada em que Francisco do Nascimento, à frente dos jangadeiros cearenses, fechou o porto da província ao trafico da escravatura em 30 de agosto de 1881. Offerecida em 13 de abril de 1884 (SIC)”.

Ao pé da letra, aquela jangada era uma representação da usada por Nascimento na segunda greve no Porto de Fortaleza, no dia 30 de agosto de 1881. De acordo com Saulo Moreno, a Libertadora doada tinha ido ao mar apenas em 1882, mas havia se transformado no “objeto símbolo” da resistência contra o sistema escravocrata e que foi "sacralizado" no museu da Corte.

Curiosamente, diferente de outras peças da mesma idade ou mais antigas, a Jangada Libertadora desapareceu das coleções Museu Nacional. Foi para o Museus Naval e, depois, sumiu entre 1888 e 1923. Antes, foi pauta de grande discussão entre intelectuais e políticos abolicionistas e escravocratas sobre se teria ou não valor histórico para ter sido incorporada ao acervo do primeiro museu do País. O certo é que se inscreveu, como signo, nos episódios e desdobramentos contra a escravidão no Brasil.

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Movimento no Ceará foi munição na Corte

Os abolicionistas no Rio de Janeiro, durante os eventos do “Ceará Livre” em março de 1884, aproveitaram a simbólica presença política de Francisco José do Nascimento e de sua Jangada Libertadora para cunhar algumas medalhas de ouro – comemorativas à libertação dos escravos na província cearense – e dá outro significado a uma pena de águia transformada em uma caneta.

Uma medalha e a pena, cercada de intenções políticas, seguiram como presente para o imperador dom Pedro II. Segundo pesquisa do museólogo Saulo Moreno, antes, foram exibidas em uma solenidade onde Dragão do Mar e os dois jangadeiros receberam “um elogio histórico à província do Ceará lido pelo conselheiro Tristão de Alencar Araripe”.

Do evento organizado pela Sociedade Abolicionista Cearense no Rio de Janeiro (SAC), uma comissão foi ao Paço Imperial. No discurso a dom Pedro II, o abolicionista José Avelino ressaltou a Lei do Ventre Livre, assinada pela princesa Isabel, e aproveitou para incitar o “imperador a assinar todos os atos relacionados à extinção da escravidão utilizando a pena de águia ofertada”. 

 

 

Artigo >> Por Hilário Ferreira

140 anos do Movimento dos Jangadeiros em Fortaleza

Hilário Ferreira. Professor, escritor e sociólogo(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Hilário Ferreira. Professor, escritor e sociólogo

Em 30 de agosto de 1881 o sobrinho do Major Facundo resolve vir a Fortaleza para comprar e levar em sua viagem algumas escravizadas. Um problema naquele ano.

É de conhecimento de todos que nos dias 27, 30 e 31 de Janeiro de 1881, os jangadeiros (defendo que em sua maioria eram negros) juntamente com os abolicionistas da Sociedade Perseverança e Porvir fizeram um movimento no qual os homens do mar se recusaram a embarcar em suas jangadas os cativos até os navios que ficavam distantes e serviam de transporte dos seres humanos comercializados no tráfico interprovincial até o Rio de janeiro.

Um grupo de homens negros e pobres enfrentam a elite de comerciantes de Fortaleza.O movimento foi vitorioso. A partir daquele dia não se embarcam mais escravizados no Ceará.

Então 7 meses depois desse movimento alguém tenta embarcar enfrentar os jangadeiros e abolicionistas. Esse evento tornasse ímpar por que o Exército, na pessoa do comandante da 10 região, fica a favor dos jangadeiros e abolicionistas. A Marinha dos negreiros comerciantes. Esta tinha ordem de bombardear a praia se ocorresse alguma confusão.

O conflito ocorreu novamente na Praia do Peixe (atual praia de Iracema). Novamente o movimento sob a liderança negra do liberto José Napoleão, Preta Simôa e do Dragão do Mar e tantos outros conseguiram tirar as escravizadas do seu comprador. Elas foram entregues à preta Tia Esperança, que as levou para casa e dali sumiu com as mesmas.

O engraçado é que a preta Tia Esperança morava do lado de dois grandes traficantes de escravizados: Luis Ribeiro da Cunha e a Viúva Salgado & irmãos.

Esse evento deveria ser lembrado e festejado como dia da resistência negra cearense.

Viva os Jangadeiros Negros!

Hilário Ferreira é professor, escritor e sociólogo

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