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Tensões familiares aumentam com a pandemia
Ciência e Saúde

Tensões familiares aumentam com a pandemia

Com a quebra da rotina e o aumento do convívio, conflitos familiares podem aumentar. Sobrecarga emocional e estresse influenciam
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 13.08.2020 CONSTELAÇÃO FAMILIAR -  Representação de situações de constelação familiar através de bonecos lego (FCO FONTENELE/O POVO) (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE FORTALEZA, CE, BRASIL, 13.08.2020 CONSTELAÇÃO FAMILIAR - Representação de situações de constelação familiar através de bonecos lego (FCO FONTENELE/O POVO)

Quando o "modus operandi" da rotina familiar é alterado, as repercussões são múltiplas. Há alguns meses, houve um aumento da convivência dentro das residências devido à pandemia da Covid-19. Horários, obrigações e espaços individuais foram modificados. Praticamente todos foram afetados pela sobrecarga emocional. A quarentena — uma das poucas medidas comprovadamente eficazes para evitar o contágio da patologia — ditou a aproximação de pessoas que vivem na mesma residência, sejam elas próximas ou nem tanto. O período pode ser estopim para aumento da afeição como também de desavenças.

As repercussões são relativas a diversos aspectos das famílias. Como as condições materiais que as pessoas do domicílio têm de fazer frente aos impactos da pandemia. Além disso, há a maior ou menor coesão e capacidade de enfrentamento de dificuldades. Assim como as condições específicas e vulnerabilidades de cada membro.

"Todos nós estamos às voltas com a contrariedade. Isso requer trabalho psíquico de adaptação, construção do cotidiano com a regra de se privar da liberdade, de planos e projetos. O sacrifício se conjugou com as perdas de entes queridos, carreiras. O fato de algo inesperado e que produziu injunções traumáticas em algumas pessoas", relaciona o psicanalista Christian Dunker, professor do Departamento de Psicologia e coordenador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da Universidade de São Paulo (USP).

Com a quebra da rotina, que obedecia determinados parâmetros, há desestruturação nas funções desempenhadas ao longo do dia. Isso resultou, em um primeiro momento, em certa "balbúrdia", segundo o psiquiatra Fábio Gomes de Matos, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do Ambulatório de Psiquiatria do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). Quando o aumento do convívio não é acompanhado por diálogo e readaptação, eleva o grau de conflitos. "Há aumento do estresse, consumo de álcool, quadro depressivo, ansiedade, fobias e outros transtornos", aponta.

Em alguns casos, o estresse pode ser causado pela falha na reorganização das atividades. Dados preliminares da pesquisa "Práticas parentais e distanciamento social no Brasil", desenvolvida pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), revela percepção desigual entre pais e mães no cuidado com os filhos.

Enquanto 60% dos homens consideram que dividem igualmente o cuidado com os filhos na maior parte do tempo, só 30% das mulheres têm essa percepção. "Os homens têm uma percepção de cuidado com os filhos em uma proporção duas vezes maior do que as mulheres", avalia Tiago Neuenfeld Munhoz, um dos coordenadores do estudo, que segue em curso até setembro.

 Representação de situações de constelação familiar através de bonecos
Representação de situações de constelação familiar através de bonecos (Foto: FCO FONTENELE)

O estudante Kauê Vasconcelos, 19, relata que a situação desgastante na família era amenizada pela rotina. Raramente todos passavam muito tempo todos juntos. "Agora, por causa do isolamento, meu espaço na casa ficou basicamente restrito ao meu quarto. Sem poder sair ou ir para faculdade, meu nível de estresse aumentou bastante. Tá sendo uma situação bastante complicada, porque minha ansiedade está bem alta. Então coisas que antes podiam ser ignoradas, se tornam motivos de brigas diárias, pois está todo mundo estressado", conta.

O produtor de eventos Ítalo Silveira, 27, também viu os conflitos aumentarem em casa devido à quarentena. Ele conta que tem sido "quase impossível não se envolver ou receber respingos" de conflitos internos entre outros membros da família que têm se intensificado na pandemia. "Com o convívio quase que 24 horas por dia, ampliaram as possibilidades e motivos para brigas mais frequentes", diz Ítalo.

 

Como evitar conflitos durante a quarentena

Algumas ações e reflexões podem ajudar a evitar as brigas em casa pelo excesso de convívio condicionado pela pandemia:

- Ficar atento às próprias necessidades de sono, alimentação e lazer, além de estimular esse cuidado com os outros membros da família;

- Respeitar o processo de cada um, como cada um enfrenta os próprios problemas e frustrações;

- Identificar necessidade de isolamento dentro do próprio núcleo familiar;

- Procurar psicoterapia presencial ou online;

- Reduzir a autocobrança com relação aos cuidados com a casa, estudos, trabalho e relacionamentos;

- Manter a interação com amigos e outros familiares, seja pela internet ou de forma presencial. No último caso, apenas se for seguro e tomando os devidos cuidados de prevenção.

 

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