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Craniossinostose, uma condição rara que afeta a vida de pais e pacientes
Ciência e Saúde

Craniossinostose, uma condição rara que afeta a vida de pais e pacientes

Patologia tem na desinformação um vilão que dificulta o diagnóstico preliminar, fator crucial para evitar sequelas e diminuir o sofrimento de familiares
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O cérebro é um órgão que precisa ser estimulado (Imagem: Orawan | Shutterstock) (Foto: )
Foto: O cérebro é um órgão que precisa ser estimulado (Imagem: Orawan | Shutterstock)

Uma doença de nome difícil e com sinais que requerem atenção imediata. A craniossinostose é uma condição rara, caracterizada pelo fechamento precoce do espaço que o cérebro precisa para se expandir nos primeiros anos de vida. A patologia tem ainda um fator social agravante: a desinformação.

Como o diagnóstico preliminar é fator crucial para evitar sequelas e diminuir o sofrimento de pais e familiares, a desinformação pode ter papel preponderante para o agravamento de quadros.

A malformação é uma anormalidade congênita, o que significa que ela se apresenta desde o nascimento. De acordo com o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho), da Universidade de São Paulo (USP), a estimativa é que a condição atinja 1 em cada 2.500 nascidos.

Eduardo Jucá, neurocirurgião pediátrico, explica que as placas ósseas que compõe o crânio são limitadas por linhas, chamadas de "suturas". Esse espaço é necessário para que a estrutura esquelética cresça e, desta forma, o cérebro também se expanda, alcançando o desenvolvimento necessário.

As suturas se fecham por completo após os 2 anos de idade mas, no caso da craniossinostose, uma ou mais dessas linhas acabam se fechando precocemente. Esse processo provoca, segundo Jucá, "um freio no crescimento do crânio" e faz com que o cérebro não encontre mais o espaço que precisa para se expandir. Como consequência, o formato da cabeça pode apresentar uma "alteração notável". 

A doença pode ainda ser associada a condições genéticas. Neste caso, ela é chamada de "sindrômica" e integra manifestações clínicas de algumas síndromes, como as de Appert, Crouzon, Pfeiffer e Carpenter, como explica Ellaine Doris Fernandes, médica geneticista do Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC).

"As craniossinostoses não sindrômicas são aquelas que o paciente tem o fechamento de suturas. Nas sindrômicas, além do fechamento precoce, têm alguma alteração facial, malformação em membro, alteração no desenvolvimento neuropsicomotor do paciente", frisa a especialista. 

"É super-importante ter um diagnóstico específico pra um acompanhamento adequado dos pacientes. Saber se é sindrômica ou não muda completamente o acompanhamento", completa. 

Além da modificação do crânio, os sinais que podem indicar a craniossinostose, conforme Eduardo Jucá — que também é membro do Conselho de Leitores do O POVO —, são alterações na face, retração da região nasal, protrusão dos olhos e dificuldade de respirar pelo nariz. 

O tratamento para a condição consiste em procedimentos corretivos e etapas de reabilitação do paciente. "Há, com certeza, caminhos que levam à adequação do espaço intracraniano, à correção de deformidades e à plena integração da criança na família, na escola e na sociedade", pontua o especialista. 

De acordo com a neuropediatra Cristine Aguiar, muito além de sinais físicos a craniossinostose afeta o desenvolvimento motor da criança. A médica explica que o cérebro precisa crescer para que possamos desenvolver habilidades nos primeiros anos de vida. Como falar ou andar, por exemplo.

"Se o cérebro não consegue desenvolver todas as habilidades que iriam ser desenvolvidas de forma natural, elas (habilidades) não conseguem acontecer de forma normal", pontua a médica.

Sinais que podem colocar pais atentos:

  • Alterações no formato do crânio e da face, com crânio alongado, achatado ou assimétrico;
  • Retração da região do nariz e protrusão dos olhos;
  • Dificuldade para respirar pelo nariz e, no caso específico da síndrome de Appert, a união dos dedos das mãos.

Fonte: Eduardo Jucá, neurocirurgião pediátrico

 

Pais em em alerta: a importância do diagnóstico precoce

Apesar de os sinais da doença parecerem suficientes para servirem de alerta aos pais, eles nem sempre são levados a sério. A neuropediatra Cristine Aguiar pontua que muitos familiares acabam não ligando para o fato de o bebê apresentar uma alteração no tamanho da cabeça, por exemplo, procurando ajuda médica tardiamente. 

O diagnóstico tardio implica em sequelas para a criança, já que é no primeiro ano de vida que o cérebro humano tem a expansão mais rápida. Segundo a médica, é importante que pais levem os filhos a consultas pediátricas, pois profissionais são capazes de identificar essas e outras anomalias. 

"Quando os pais percebem a deformidade do crânio de forma clara (depois do primeiro ano de vida) já tá totalmente deformado, já faz tempo que a sutura fechou", destaca a especialista, complementando que nessa situação a criança já apresenta um atraso no desenvolvimento e sofre com sequelas. 

LEIA TAMBÉM: Natalia Jereissati e a dor transformada em militância

No caso de Natalia Jereissati, 46, a percepção de que havia algo diferente com o filho veio logo após o nascimento de João, há seis anos. O pequeno tem a Síndrome de Apert, uma condição genética que leva à fusão dos ossos do crânio, das mãos e dos pés, mas os médicos só conseguiram dar o diagnóstico após três dias e alguns exames. A criança chegou a ficar internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 

"Quando eu tive o João imediatamente a gente já viu que tinha alguma coisa de diferente, porque ele tinha os dedinhos grudados e a cabecinha dele era um pouco diferente. Foi um susto pra gente, um susto pros médicos", relembra a empresária, revivendo o sentimento de aflição que passou no período. 

Embora não tenha sido identificado de forma imediata, o diagnóstico permitiu que a família buscasse informações sobre a doença que, para eles, até então era uma desconhecida. Natalia conta que ao descobrir que o filho precisaria passar por cirurgias, ela e o marido recorreram ao Hospital Infantil de Boston, nos Estados Unidos (EUA), onde encontraram procedimentos "com técnicas menos invasivas". 

Ela, o esposo, o pequeno e os outros dois filhos do casal se mudaram de São Paulo para o país norte-americano. Nesse processo tiveram o apoio da família — suporte que fez toda diferença. "Esse primeiro ano (após diagnóstico) foi de muita incerteza (...) Um ano de fé e paciência", recorda a mãe do João. 

Visibilidade: um vilão chamado desinformação

O processo para encontrar informações sobre a doença e achar soluções de tratamento não foi fácil para os pais de João, requerendo deles tempo de pesquisa e condições psicológicas e financeiras. A mãe, Natalia lembra que teve uma gestação saudável e rememora o susto de estar diante do desconhecido.  

"A gente não conseguia entender o motivo de um dia eu ter um bebê 100% saudável na barriga e no outro dia ele podia ter qualquer coisa, ele podia não ver direito, não [podia] ouvir direito (...) A gente não conseguia entender todas as informações ao mesmo tempo", diz a empresária. 

Na época do nascimento de João, ela e a família moravam no Brasil e, mesmo pela rede privada de saúde, não encontraram um atendimento multidisciplinar, que abordasse a condição em todos seus aspectos. Cada médico que atendia o caso articulava uma opinião diferente, o que aumentava a tensão dos pais.

"Falta informação [sobre a doença] pra chegar nos profissionais também. Eu sinto que eles têm dificuldade de dar esse encaminhamento. Eu tinha toda uma conjuntura (financeira e de rede de apoio) e não consegui ter acesso a informação, imagina quem não tem", questiona Jereissati. 

Da sua jornada de seis anos sendo mãe de uma criança com a síndrome de Apert, Natalia guarda momentos de emoção, como quando descobriu que o filho enxergava e viu os progressos motores dele. Mas o amor materno foi além: a transformou em uma militante em busca de informação acessível.  

Ela e o marido aproximaram o Boston Children's Hospital (BCH) do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), em Bauru (SP). Como resultado, as duas instituições vão realizar o primeiro simpósio sobre craniossinostose sindrômica do Brasil, na próxima semana. 

"(Queremos) chamar a atenção, para que as pessoas conheçam [a condição], para que as maternidades estejam preparadas pelo menos para fazer um primeiro encaminhamento, dar visibilidade à causa. Criar essa oportunidade dos médicos trocarem experiências", conta. 

De acordo com Jereissati, a ideia é fazer com que essas instituições criem uma "tipo de relação de confiança para que em algum momento elas consigam fazer uma pesquisa mais colaborativa". Tal união entre entidades de saúde deve permitir que apurações sobre o tema tenham um "avanço mais rápido".

"E a outra coisa é a gente fazer um diagnóstico desse cenário do sistema de saúde e entender como a gente pode atuar. A gente quer gerar esse documento, esse diagnóstico, e depois do simpósio atuar nessas melhorias", destaca ainda a militante e mãe.

Segundo o neurocirurgião pediátrico Eduardo Jucá, que integra o time de palestrantes do simpósio, o evento representa "um esforço coletivo de avanço técnico e de conscientização" sobre a doença. O médico pontua ainda a importância de evitar que pais passem por dúvidas após receber o diagnóstico, pois elas "provocam mais sofrimento e acabam aumentando a angústia das famílias diante do desconhecido".

"A divulgação da informação de qualidade é fundamental para que os objetivos sejam alcançados, e com o menor sofrimento possível. Nesse sentido, a atuação em conjunto das famílias e dos profissionais de saúde é muito bem-vinda e a presença nos meios de comunicação deve ser constante", frisa o especialista.

 Tratamento: desafios no Brasil e atendimento no Ceará 

Os esforços para ampliar a divulgação de informações sobre o tema no Brasil esbarram em problemas como dificuldades de acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), conforme pontua o neurocirurgião pediátrico Eduardo Jucá.

"É preciso evoluir na capacitação dos profissionais de saúde de maneira mais descentralizada e sempre em caráter multidisciplinar, tendo em conta as dimensões continentais do País, além de atuar para facilitar o acesso a recursos tecnológicos como ressonância magnética, craniótomos e distratores osteogênicos", diz.

"Além disso, é preciso ter horários dedicados para as cirurgias dessas crianças e assistência adequada no pós-operatório, como vagas de UTI pediátrica. Médicos, familiares e gestores da saúde devem sempre trabalhar em parceria para que as crianças sejam beneficiadas da melhor forma possível", completa. 

O especialista destaca, no entanto, que "há diversos centros muito capacitados para o tratamento das cranioestenoses" no País e que "os progressos têm sido constantes".

"Obviamente é necessário manter a atualização e a capacitação com tudo o que vem sendo produzido em avanços técnicos no mundo, mas nossos principais problemas são de descentralização, acesso ao sistema, ampliação da oferta para que todos sejam tratados na época certa e necessidade de intensificar a conscientização para a causa das crianças com cranioestenose", complementa.

No Ceará, o atendimento às cranioestenoses são centralizados no Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), que conta com serviço de ambulatório, internação pediátrica, cirurgias especializadas e UTI pediátrica. Conforme a instituição, por mês são realizados entre uma ou duas cirurgias desse tipo, em média

"A suspeita da cranioestenose é feita na atenção primária. Em geral nas unidades de saúde em que a criança é acompanhada. O Hias acolhe as crianças para confirmação diagnóstica e tratamento", explica Jucá, que atende na unidade.

"O atendimento acontece via ambulatório de Neurocirurgia Pediátrica, com encaminhamento feito pelo posto de saúde. É muito importante que haja a conscientização das famílias e dos profissionais de saúde para que o diagnóstico aconteça o mais cedo possível", destaca ainda o especialista. 

Tratamento: desafios no Brasil e atendimento no Ceará

Os esforços para ampliar a divulgação de informações sobre o tema no Brasil esbarram em problemas como dificuldades de acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), conforme pontua o neurocirurgião pediátrico Eduardo Jucá.

"É preciso evoluir na capacitação dos profissionais de saúde de maneira mais descentralizada e sempre em caráter multidisciplinar, tendo em conta as dimensões continentais do País, além de atuar para facilitar o acesso a recursos tecnológicos como ressonância magnética, craniótomos e distratores osteogênicos", diz.

"Além disso, é preciso ter horários dedicados para as cirurgias dessas crianças e assistência adequada no pós-operatório, como vagas de UTI pediátrica. Médicos, familiares e gestores da saúde devem sempre trabalhar em parceria para que as crianças sejam beneficiadas da melhor forma possível", completa.

O especialista destaca, no entanto, que "há diversos centros muito capacitados para o tratamento das cranioestenoses" no País e que "os progressos têm sido constantes".

"Obviamente é necessário manter a atualização e a capacitação com tudo o que vem sendo produzido em avanços técnicos no mundo, mas nossos principais problemas são de descentralização, acesso ao sistema, ampliação da oferta para que todos sejam tratados na época certa e necessidade de intensificar a conscientização para a causa das crianças com cranioestenose", complementa.

No Ceará, o atendimento às cranioestenoses são centralizados no Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), que conta com serviço de ambulatório, internação pediátrica, cirurgias especializadas e UTI pediátrica. Conforme a instituição, por mês são realizados entre uma ou duas cirurgias desse tipo, em média

"A suspeita da cranioestenose é feita na atenção primária. Em geral nas unidades de saúde em que a criança é acompanhada. O Hias acolhe as crianças para confirmação diagnóstica e tratamento", explica Jucá, que atende na unidade.

"O atendimento acontece via ambulatório de Neurocirurgia Pediátrica, com encaminhamento feito pelo posto de saúde. É muito importante que haja a conscientização das famílias e dos profissionais de saúde para que o diagnóstico aconteça o mais cedo possível", destaca ainda o especialista.

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