A adolescência é uma fase de muitas transformações físicas, emocionais e sociais, podendo ser marcada por conflitos e desafios. No entanto, também é um período de grande potencial para o desenvolvimento pessoal.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a adolescência como o período entre os 10 e os 19 anos, enquanto a juventude ocorre entre os 15 e os 24 anos. No Brasil, o Ministério da Saúde adota o termo “pessoas jovens” para se referir à abrangente faixa etária entre 10 e 24 anos.
Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) especifica os indivíduos entre 12 e 18 anos como adolescentes, com algumas condições que permitem essa nomenclatura até os 21 anos.
Cada época é marcada por acontecimentos culturais, políticos, sociais e econômicos que impactam no contexto de vida, na visão de mundo e na forma de se relacionar das pessoas que nascem e vivenciam esse período.
Ou seja, cada geração tem características específicas e maneiras de pensar, agir, aprender e se comportar em diferentes ambientes. A adolescência atual, que ainda faz parte da geração Z e tem um diálogo próximo com a geração Alfa, é atravessada por diversos cenários.
Contexto pós-pandêmico, interações online, midiatização, globalização e acesso constante a informações são realidades vividas por esses jovens. E a saúde mental em meio a tudo isso? Não está das melhores...
Segundo um estudo publicado no Journal of Adolescent Health, conduzido pela OMS e pela Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, cerca de 1 em cada 7 adolescentes sofre com alguma doença mental, destacando-se a ansiedade e a depressão.
O artigo também aponta altas taxas de abuso de álcool e drogas, distúrbios alimentares, problemas de comportamento e ideação suicida. Cerca de 1/3 dos jovens apresentam essas doenças antes dos 14 anos, e metade manifesta sintomas por volta dos 18 anos.
Muitos também apresentam estresse psicossocial que não chega a ser diagnosticado. Para os autores do estudo, vários aspectos explicam o aumento desses problemas, como:
Condições sociais, econômicas, psicológicas, culturais, genéticas, histórico familiar, além de maus-tratos físicos e psicológicos, e eventos estressores recorrentes.
Para Ana Letícia, psicóloga e psicopedagoga especialista em crianças e adolescentes, os jovens atuais estão apresentando pontos positivos e negativos.
“São jovens que viveram a pandemia quando ainda estavam na pré-adolescência. Eles estão cada vez mais antenados e informados, com uma visão crítica de mundo muito acentuada. O problema é justamente a quantidade de informações que recebem em relação à maturidade da idade”, explica.
Senso crítico elevado, ansiedade intensificada, questionamentos constantes e a necessidade de uma orientação, até mesmo psicológica, são aspectos observados pela especialista.
“Eles não são mais crianças, mas também não são adultos, estão em uma fase de transição. Essa fase gera muitos questionamentos, e é uma geração que está reaprendendo a interagir e a se conectar um com o outro cara a cara. A forma de se relacionar foi prejudicada”, comenta.
A psicopedagoga afirma que esses adolescentes estão passando por um processo de ressignificação, ou seja, estão descobrindo quem são, quais são as suas habilidades, suas competências para o mercado de trabalho, entre outros aspectos.
“Eles se tornaram mais reflexivos porque estão se tornando também mais informados. Se não conseguem manter uma rotina de estudos, de socialização e familiar, ficam mais ansiosos. Essa ansiedade, em nível elevado, paralisa, deixando o jovem preso, sem conseguir seguir em frente”, reflete.
Quando tratamos de entender como estão os adolescentes atuais não podemos deixar de lado os efeitos que a pandemia ocasionou em suas vidas. Inúmeros estudos vêm documentando problemas relacionados à saúde mental, à vida social e a diversos outros aspectos.
Além disso, é uma geração totalmente conectada. O que antes já era algo notável, com a pandemia foi intensificado. A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024 mostrou que 93% da população brasileira entre 9 e 17 anos utiliza a internet regularmente.
Dessa porcentagem, 83% têm perfis em plataformas digitais e as utilizam pelo menos uma vez por semana. A faixa etária de 15 a 17 anos é a mais presente online, com 99% de adesão, seguida pelos adolescentes de 13 a 14 anos (93%).
Para esta reportagem, O POVO visitou o Colégio Estadual Liceu do Ceará e o Master para conversar com estudantes do ensino médio. Professores, psicólogas e coordenadores atuantes nas instituições também participaram do diálogo.
Alunos com idades entre 15 e 18 anos, com perfis diversos de raça, gênero, classe social e sexualidade foram entrevistados.
Depressão e ansiedade, inseguranças diversas, dependência do celular, relações online, dificuldade em se comunicar e em se concentrar foram aspectos vividos, ou observados, por esses jovens. Porém, todos eles demonstraram consciência das consequências sofridas no cenário pós-pandêmico e midiático.
Muitos afirmaram que conteúdos diversos e inapropriados — como cyberbullying, conteúdos adultos, violência virtual e desafios que colocavam suas vidas em risco — chegavam até eles, principalmente na época da quarentena.
“A internet é uma terra sem lei. Ninguém sabe quem é você e você não sabe quem é ninguém, é como uma prisão. Foi uma liberdade tirada da gente, de sair e de conversar com as pessoas. Agora que estamos voltando a fazer isso”, relata Endel da Costa, estudante de 18 anos.
Já Luana Sales, estudante de 16 anos, aponta a ansiedade e a dificuldade de se concentrar como uma das maiores consequências. “Era informação o tempo inteiro, e falsa também. Éramos muito novos para saber o que era verdadeiro”, comenta.
As redes sociais — principalmente entre as meninas — e os jogos online — com destaque entre os meninos — seguem sendo um dos principais recursos utilizados por esses jovens.
Pedro Augusto, estudante de 16 anos, relata que, na comunidade dos jogos, a comunicação no chat tem uma dinamicidade entre pessoas de idades diferentes, com mais novos e mais velhos.
“Existe uma linguagem inapropriada. Eu levava na esportiva, mas existiam muitos xingamentos pesados, com teor racista, homofóbico e machista. Nas redes sociais é mais camuflado, mas nos jogos não”, diz.
A problematização, na visão de Pedro, começou quando ele observou algumas pessoas normalizando esse tipo de diálogo no dia a dia. Além disso, contou que os convites para participar de fóruns online chegavam por meio desses chats.
“Eu não acho que é influência dos jogos, mas sim das pessoas que jogam. Além disso, tenho a percepção de que, hoje em dia, as pessoas mais novas já têm uma linguagem muito avançada para a idade delas”, finaliza.
O professor Floriano Jordão, de 30 anos, que leciona a disciplina de Geografia no Master, destaca a vulnerabilidade desses jovens com o acesso à internet.
“Eles são muito suscetíveis. É um mundo basicamente aberto, sem nenhuma aba de proibição para acessar alguns sites. E, quando a gente emenda na questão do bullying, a internet chega a ser tão livre que as pessoas conseguem se esconder rapidamente”, explica.
Melina Fontenele, coordenadora pedagógica do Master, destaca a importância da vigilância e do cuidado dos pais nesse processo, que vai para além da instituição educacional.
“O adolescente, por ter muita informação e por ter muita liberdade, acha que pode tudo. Eles precisam da gente pela questão do limite, para mostrar a ele o que é certo e o que é errado”, afirma.
A adolescência é marcada não só pela mudança de comportamento, mas também por transformações físicas. Segundo os próprios adolescentes, inseguranças, baixa autoestima, medos e vergonha os acompanharam durante a readaptação ao convívio social.
“Até um tempo desses, existiam alunos usando máscara com vergonha de mostrar o rosto. O excesso de comparação, a baixa autoestima e a distorção de imagem foram um desafio para muitos de nós, e seguem sendo. A gente cresceu vendo pessoas de todo o mundo”, afirma Luana Sales, de 16 anos.
Já para Ana Carvalho, também de 16 anos, essa distorção de imagem é fruto do uso excessivo das redes sociais, incentivado pela sociedade atual.
“É criada a figura de uma pessoa perfeita, e as outras pessoas se projetam nessa figura. Não é nada saudável, porque você não se aceita como é — começa a se projetar em uma idealização. Você acaba querendo mudar por completo para agradar às pessoas”, desabafa.
Para ela, é preciso entender que ter autoestima é essencial para o processo de socialização e para o desenvolvimento de novas amizades.
“O pessoal não queria tirar as máscaras. Teve até uma época em que viralizaram vídeos de estrangeiros com um biotipo corporal muito diferente, com a mesma idade, e existiam muitos comentários de gente se comparando”, lembra.
Lorena Barbosa, psicóloga e orientadora educacional, afirma que hoje existe uma dificuldade em compreender o que é real e o que é virtual. Segundo ela, há muitas comparações entre os jovens, o que leva a inúmeras frustrações.
“A gente sabe que as redes sociais mentem. Existe uma padronização e uma perda da autenticidade do indivíduo. Nessa fase, eles imaginam que suas experiências devem ser sempre muito semelhantes às dos outros, e acabam perdendo a própria identidade”, esclarece.
Para a especialista, na adolescência há uma busca intensa por pertencimento. Dificuldades na socialização são comuns e, quando os jovens se restringem às telas dos celulares, acabam se tornando solitários.
“A melhor forma de lidar com essas questões é adquirindo uma autoimagem a partir das experiências. O adolescente precisa ter contato com aquilo que faz sentido para ele, desenvolver um hobby de que goste — são essas conexões com o mundo que vão moldando quem ele é”, afirma.
Lorena Barbosa ressalta também a importância de a família potencializar as mais diversas habilidades dos filhos, sem focar apenas nas questões acadêmicas, além de orientar e ser uma referência presente em suas vidas.
“A gente não valida outros tipos de habilidades, como no esporte e na comunicação, porque não consideramos importantes — mas são. A experiência é fundamental para irmos nos moldando, descobrindo quem somos, o que gostamos, o que queremos fazer e o que queremos ser”, finaliza.
Em janeiro de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 15.100/2025, proibindo o uso de aparelhos eletrônicos portáteis, como celulares, em escolas públicas e privadas de todo o Brasil.
O objetivo da lei é proteger a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes, restringindo o uso desses dispositivos até mesmo durante os intervalos. E, de fato, as mudanças já estão sendo notadas.
Segundo os estudantes, o fim da pandemia e a volta à convivência social foram marcados por crises de ansiedade, dificuldades de interação e de se desprender dos celulares durante as aulas.
“A gente não sabia direito como interagir, éramos muito dependentes das redes sociais. Até no mesmo local a gente acabava interagindo online. Com a proibição do celular, a nossa interação ficou mais presente. Conseguimos nos concentrar melhor”, comenta Priscila Santos, de 15 anos.
O processo de readaptação segue mostrando resultados positivos
Ela conta que muitos alunos foram suspensos por não conseguirem cumprir a proibição. “Eles ficaram desnorteados, revoltados porque tiraram o celular. Existe ainda essa dificuldade, mas para muitos, como eu, foi ótimo, porque antigamente era muito fácil se dispersar e perder o foco da aula”, diz.
Para o estudante Endel da Costa, diminuir o uso dos aparelhos o ajudou positivamente a interagir e a melhorar sua comunicação com as pessoas ao seu redor.
“Eu não sabia mais me comunicar. Hoje as coisas estão mudando para todo mundo. Estou mais focado e querendo recuperar o que a pandemia me tirou. Essa readaptação é difícil, existem muitos alunos que se fecham em um só grupo, vai de pessoa para pessoa”, afirma.
Segundo André Lopes, de 17 anos, as consequências vêm se amenizando, e na sala de aula eles recebem muito auxílio dos professores em relação aos estudos. “Gosto muito de fazer amizade, e durante esses anos fui me soltando mais. É um processo, mas se desconectar é o primeiro passo”, conclui.
Yasmim Ribeiro, de 16 anos, relata que estava aprendendo a lidar com opiniões diferentes e a debater com os colegas. “Na internet, todo mundo se posiciona. Pessoalmente, é outra coisa — existe um receio e um certo medo de não ser aceito”, diz.
Além de estudante, Yasmim é dançarina e pratica vôlei na escola. Para ela, essas atividades foram essenciais no processo de readaptação e no convívio social.
“Muita gente se reúne para jogar UNO ou participar de alguma atividade durante o recreio. Para mim, essas atividades desenvolvem nossa comunicação. Você conversa e interage melhor com as pessoas, se sente livre para se soltar mais. No vôlei conheci muitas meninas, e agora vai ter as quadrilhas de São João”, finaliza.
Além da proibição do uso de celulares nas escolas, atividades como dança, futsal, vôlei, jogos de cartas e de tabuleiro, além de outras práticas que envolvem arte, cultura e esporte, estão sendo utilizadas como recursos para quebrar a barreira comunicacional entre os jovens.
A coordenadora do Colégio Estadual Liceu do Ceará, Flávia Oliveira, comenta que, desde o retorno das aulas presenciais, presenciou muitas crises de ansiedade nos corredores da escola.
“Existia uma barreira de comunicação entre esses jovens, uma dificuldade de interagir. Eles seguem sendo acompanhados por um trabalho psicoeducacional, e hoje são inseridas diversas atividades, além das disciplinas, para o desenvolvimento desse aluno. Essa barreira vem sendo quebrada”, conclui.
Para o professor Floriano Jordão, a percepção que ficou entre os profissionais da sua área foi o distanciamento emocional entre os alunos.
“Antes eles eram calorosos, então essa questão da afetividade demorou muito para aparecer — está vindo agora, entre 2024 e 2025. É tudo um processo, e nós, como profissionais, precisamos criar um elo com esse jovem para desenvolver o socioemocional deles, o que ajuda no aprendizado”, reflete.
Segundo ele, os jogos são um exemplo claro de como promover o desenvolvimento social entre os jovens.
“No online, você tem uma situação totalmente individualizada, mas a partir do momento em que esses jogos — com objetivo e finalidade, entram em cena, a interação entre eles se intensifica, além de estimular a parte cognitiva. Existe toda uma organização, um formato, como as duplas, e isso é um ótimo auxílio”, finaliza.
A coordenadora pedagógica Melina Fontenele esclarece que existe um trabalho contínuo com os alunos para mostrar a importância da convivência, já que o isolamento social se tornou algo comum.
“Eles não sabiam mais o que era conversar, não sabiam mais o que era brincar. A escola adquiriu vários jogos e passou a adotar uma nova rotina às sextas-feiras para promover esses momentos. A orientação profissional tem que começar cedo — quando são pequenos, é mais fácil lidar com isso”, relata.
A psicóloga e psicopedagoga, Ana Letícia, explica que a internet se tornou um refúgio para muitos adolescentes, um espaço onde manifestam suas opiniões e visões de mundo, mas que, pessoalmente, têm dificuldade de expressar.
“Hoje percebo mais ganhos do que perdas. Eles estão melhorando a concentração e a conectividade com os professores e os próprios colegas. Sem o celular, é como se faltasse uma parte deles, mas a tendência é que vão evoluindo em relação a essa dependência”, afirma.
A especialista comenta ainda que os jovens estão formando mais grupos, conversando sobre suas preferências, desenvolvendo novas habilidades e demonstrando uma grande vontade de viver e explorar o mundo. Para ela, a chave está na orientação, no acompanhamento e no acolhimento — e não no confronto.
“É uma fase desafiadora, porque é de transformação. Não tem como controlar as redes sociais deles o tempo todo — eles pensam que já têm uma certa autonomia. É preciso orientar, criar um elo com eles. Eles têm demandas, como a sexualidade, que muitas vezes não levam para a família por não se sentirem acolhidos”, finaliza.