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Conhecer o próprio corpo é fundamental para autoconfiança e bem-estar da mulher
Ciência e Saúde

Conhecer o próprio corpo é fundamental para autoconfiança e bem-estar da mulher

Perceber as sensações e cada parte do corpo pode levar a um encontro mais profundo consigo mesma
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Ilustração Valdir Muniz, capa do Ciência 8/3 (Foto: Ilustração Valdir Muniz)
Foto: Ilustração Valdir Muniz Ilustração Valdir Muniz, capa do Ciência 8/3

Muito da realidade feminina ainda é tabu, inclusive para nós mulheres. Um dos pontos que nos são vedados, mesmo diante de avanços das lutas femininas, é o autoconhecimento do corpo e de suas sensações. A ginecologista Raquel Autran, professora do Departamento de Saúde da Mulher, Criança e Adolescente da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que as restrições nas expressões da sexualidade afetam as possibilidades de superação de proibições, que pode ser conquistada ao se conhecer o corpo. "A partir do momento que se consegue ampliar esse autoconhecimento e fortalecer o amor próprio, abre-se espaço para descobrir o que gostamos ou não, vencendo gradualmente a barreira da vergonha em explorar o próprio prazer", afirma.

Débora Britto, coordenadora do Serviço de Sexologia da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), concorda . "A sexualidade transcende as dimensões de sensualidade e erotismo. Conhecer-se pode levar a um encontro mais profundo consigo mesma reforçando a percepção de bem-estar e do valor que dá a si mesma", avalia. Assim, observar-se no espelho, sentir o toque das próprias mãos e experienciar novos estímulos são formas de evoluir nesse processo.

Entretanto, como percebe a médica e sexóloga Rayanne Pinheiro, "as mulheres têm ainda muita dificuldade; elas não se conhecem, não se tocam, não olham a própria vagina". Para ela, o desconhecimento não é uma exceção, mas a regra. "Uma porcentagem bastante elevada de mulheres que eu atendo no consultório privado, onde a maioria tem um nível sócio-econômico bastante privilegiado, não sabem, por exemplo, qual é o órgão feminino do prazer e não conseguem identificar sua estrutura", conta se referindo ao clitóris.

"Uma das formas de explorar o autoconhecimento corporal e sexual é aproveitar a hora do banho para se sentir. Perceber as sensações, as texturas, os pontos de maior sensibilidade no corpo como um todo - porque o corpo todo é erotizável", ensina Rayanne. "Isso para algumas, que nunca sequer olharam a vulva, é algo muito novo e temos que ter empatia e paciência. É algo muito diferente de como se foi criada e da vida que se levou do ponto de vista da formação e do desenvolvimento sexual."

A psicanalista e professora de psicologia na UFC Carolina Leão salienta que é necessário diferenciar dois níveis de conhecimento de si. Para ela existe um conhecimento racional e universalizante que está amplamente disponível e um saber erótico que é individual. "Qualquer pessoa pode acessar um site que ensine como se tocar ou assistir a um filme pornô." Entretanto, as técnicas "não adiantam de muita coisa se não houver um saber que é de cada um". "A erótica é uma arte de invenção que cada uma vai ter que produzir na construção da sua própria sexualidade. Isso não é uma técnica que pode ser transmitida universalmente", enfatiza.

Serviço de sexologia

A Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac) acolhe mulheres de várias idades com questões de dificuldades sexuais. São oferecidos atendimentos de terapia sexual e também um grupo de psicoeducação sexual, no qual se fala sobre corpo e sexualidade, influência dos aspectos sociais e culturais na sexualidade feminina, erotismo e outros temas. Os casos são encaminhados de outros setores da Meac e por meio dos postos de saúde.

Linha do tempo da descoberta do prazer feminino

A história, de qualquer aspecto social e sob os mais diversos pontos de vista, é marcada por avanços e retrocessos. É pelo acúmulo deles que a sociedade se transforma. Destacamos alguns marcos positivos no caminho das mulheres para o conhecimento do próprio corpo e para a valorização do prazer.

Década de 1930 - Os absorventes internos

Surgem os primeiros absorventes internos modernos e levantam-se debates sobre a virgindade. Ao mesmo tempo, as mulheres se viram diante da possibilidade de tocar a área genital como um hábito, mexendo com tabus presentes ainda hoje. No Brasil, os absorventes do tipo passaram a ser produzidos a partir de 1974.

1933 - Primeiro orgasmo no cinema

Hedy Lamarr, atriz que também foi criadora da tecnologia do Wi-Fi, protagonizou a primeira cena de orgasmo feminino do cinema, no filme tcheco "Êxtase". A obra foi condenada pelo papa Pio XI e censurada em diversos países.

Anos 1960 - A pílula anticoncepcional

O contraceptivo chegou ao mercado e revolucionou saúde e comportamento. Marca a autonomia das mulheres sobre o próprio corpo ao possibilitar a tomada de decisão sobre querer ter filhos, quando e quantos. Por isso, é frequentemente indicada como estopim da Revolução Sexual.

1962 - Contracepção no Brasil

A pílula chega ao País e vai se tornando um dos métodos anticoncepcionais mais utilizados em todo o mundo. É, ao mesmo tempo, questionada por seus primeiros testes, vistos como tentativa de limpeza social ao serem realizados em mulheres pobres, e pelos efeitos colaterais da carga hormonal aplicada exclusivamente às mulheres. Desde então, os laboratórios criaram outros métodos contraceptivos que tiram o sexo do lugar da reprodução para o espaço do prazer.

Anos 1960 e 1970 - Masturbação feminina e vibradores

A educadora sexual e artista Betty Dodson começou fazendo oficinas de masturbação só para mulheres, em Nova York, no final dos anos 1960. Seus recursos didáticos originais eram vibradores, que na época ainda não eram vendidos com claros propósitos sexuais.

Em um artigo de 1974 da revista Ms. Magazine, Dodson propôs que as mulheres se masturbassem como forma de recuperar o autoconhecimento sexual há muito tempo negado pela sociedade.

1998 - A descoberta do clitóris

O clítoris tem sua existência conhecia desde a Grécia Antiga e foi descoberto e redescoberto por vários homens ao longo da história da medicina ocidental. Entre “necessário para a fertilidade” e “seio do diabo”, o órgão teve sua anatomia completamente descoberta apenas em 1998. A urologista australiana Helen O'Connell o descreveu como conhecemos hoje: com cerca de 9 centímetros, sua única estrutura aparente é a glande, revestida pelo prepúcio; já internamente, corpo, pernas e bulbos vão desde a abertura da vagina até o períneo.

Anos 2010 - A segunda revolução sexual

Para a sexóloga Carmita Abdo, uma das principais pesquisadoras da vida sexual dos brasileiros, “estamos no auge de uma segunda revolução sexual” no Ocidente. Protagonizado por mulheres jovens, o momento se caracteriza pela diversidade e pela possibilidade de experimentação. Se a primeira revolução foi ligada à reprodução, a segunda tem a ver com liberdade em muitos sentidos: liberdade quanto ao corpo, ao próprio prazer, à escolha de parceiros e à orientação sexual.

2016 - Clitóris 3D na escola

A pesquisadora sociomédica francesa Odile Fillod foi contratada para desenvolver conteúdos de educação sexual. No processo, ela percebeu que o clitóris nunca era representado de maneira completa e fiel. Assim, ela decidiu desenvolver um modelo 3D do órgão. Esse modelo, impresso nas três dimensões, é usado em aulas de educação sexual para crianças francesas de escolas primárias e secundárias desde setembro de 2016.

Atualmente - Redes sociais e a sexualidade das mulheres

Com o Youtube e redes sociais, cada vez mais mulheres usam a internet para falar de sexo e sexualidade. Em vídeos, quadrinhos ou textos, elas compartilham experiências, dão dicas para o autoconhecimento do corpo e conversam com diferentes faixas etárias.

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