"O meu nome é Hercule Poirot e sou provavelmente o melhor detetive do mundo". A frase deixa claro que o ego do policial belga aposentado é certamente maior do que os seus 1,63 metro de estatura. O detetive, afinal, não costumava se orgulhar apenas da precisão de seu raciocínio, mas também do seu denso bigode e dos sapatos de couro sempre envernizados. Tão minucioso em seus hábitos pessoais quanto em sua metodologia profissional, Poirot figura como um personagem representativo da obra da escritora inglesa Agatha Christie, na qual deixou a marca de sua sabedoria e humor de suas "pequenas células cinzentas".
"Por que não seria belga meu detetive? Deixei que crescesse como personagem. Deveria ter sido inspetor, de modo a poder ter certos conhecimentos sobre crimes. Seria meticuloso, ordenado, pensei com meus botões, enquanto arrumava meu quarto", Agatha Christie confidencia em sua Autobiografia (1977) sobre a criação do seu icônico personagem. "Um homenzinho bem ordeiro. Parecia-me até que o via, muito alinhado, sempre cuidando de colocar tudo no devido lugar, amante dos objetos aos pares, das coisas quadradas, e não redondas. E seria muito inteligente - teria muitas células cinzentas".
A figura de Hercule Poirot já era bastante clara para Christie quando ela publicou seu primeiro romance, O misterioso caso de Styles (1920), que, embora concluído em 1916, só foi lançado quatro anos depois. A narrativa já falava aos leitores sobre a excentricidade das "células cinzentas" das quais tanto se orgulhava o metódico e refinado detetive belga. O personagem que, em sua primeira aparição nos livros da autora, é descrito como "um homem extremamente baixinho, mas que tinha seu orgulho próprio e andava de cabeça erguida. Sua cabeça tinha o exato formato de um ovo, mas ele nunca ligou para isso.[...] Este homenzinho esquisito, que mancava um pouco, foi na sua época um dos melhores membros da polícia Belga".
Entre 1920 e 1975, Agatha Christie publicou diversos romances protagonizados por Poirot, incluindo algumas das suas obras mais conhecidas, como Assassinato no Expresso do Oriente (1933) e Morte no Nilo (1937). Além disso, o detetive narra também algumas de suas experiências (e falhas) anteriores nos contos A Mina Perdida e A caixa de bombons, ambos de 1924. Nos 33 romances e 59 contos que protagonizou, Hercule Poirot não se limitou a investigar assassinatos apenas na Inglaterra. Seguiu também vestígios de crimes cometidos na França, na Bélgica, Iraque, Egito, Jordânia, Suíça e nos Balcãs.
Em um artigo escrito para o The Daily Mail em 1938, Christie considerou O assassinato de Roger Ackroyd (1926) como um dos casos favoritos de Poirot, e explica que na narrativa "ele estava no seu melhor, investigando um crime em uma tranquila vila rural da Inglaterra e usando seu conhecimento da natureza humana para chegar à verdade".
Metódico e ordenado como era, Poirot sabia que a forma mais eficiente de se investigar um homicídio era "começando do começo" - isto é, conhecendo os possíveis motivos. Assim, solucionou 57 casos de envenenamento, nove misteriosos afogamentos e outros tantos crimes intrigantes até a última página. Sua despedida final, já planejada por Agatha Christie, aconteceu com o romance Cortina (1975), quando fora consumido pela debilidade da velhice. Sua partida, além disso, é marcada pela última de suas tão conhecidas e recorrentes expressões em francês: "adeus, cher ami…"