A repercussão do caso George Floyd, com atos antirracistas registrados em todos os 50 estados dos Estados Unidos, ganha contexto político importante com o passar dos dias. Com eleições marcadas para novembro, ações durante a crise social reverberam na percepção do eleitorado de seus candidatos. Manifestantes demonstram-se alinhados não apenas na luta por justiça, mas por uma mudança social efetiva no funcionamento do país.
O presidente Donald Trump dobrou a aposta no fator antagonismo. Ele agora volta a vender a imagem das eleições passadas, de candidato da "lei e da ordem", desta vez numa espécie de tentativa de reeditar o que fez o ex-presidente Nixon nos anos 60. Entretanto, em contexto político e socioeconômico distinto.
Trump tem usado as redes sociais para criticar manifestações, exaltando prisões e ameaçando passar por cima da autoridade de prefeitos e governados ao sugerir o envio do Exército aos locais com atos violentos. O presidente chegou a classificar os protestos como "atos de terrorismo doméstico" e criticou governadores e prefeitos, dentre eles o governador democrata de Nova York, Andrew Cuomo, que recusou ajuda federal.
Cleyton Monte, professor do Laboratório de estudos sobre Eleições, Política e Mídia (Lepem-UFC), avalia que os atos enfraquecem Trump a partir do momento em que transcendem o movimento negro. "Os protestos tornaram-se uma grande corrente de opinião. Negros, brancos, latinos e outras etnias uniram-se em torno de uma pauta. Quando isso ocorre, politicamente existem dois caminhos, ou você modera e concilia ou se coloca como opositor. Está claro que Trump optou pela segunda opção", afirma.
A escolha de Trump não é à toa. Ao adotar tal estratégia, ele sinaliza para o seu eleitorado, composto majoritariamente por brancos, conservadores, fundamentalistas e do interior americano, que defende os mesmos valores pregados por estes grupos.
Entretanto, o presidente tem demonstrado pouca habilidade para cumprir o papel de conciliador que espera=se dele durante a crise; muito porque Trump praticamente não precisou lidar com elas. Apesar de vivenciar anos com bons indicadores econômicos, sua gestão agora enfrenta adversidades em frentes distintas, o que põe em xeque a atuação de Trump perante eleitores mais moderados de estados que alternam votos a cada eleição.
Uma pesquisa Reuters/Ipsos realizada na última terça-feira apontou que 64% da população adulta simpatiza com os protestos, enquanto 27% disseram que não e 9% não souberam responder. Além disso, mostrou que mais de 55% da população reprova a forma como Trump lida com as manifestações enquanto apenas um terço aprova.
Outro fator a ser considerado no atual contexto é o desemprego. Mais de 40 milhões de pessoas solicitaram o seguro-desemprego no país desde março e grande parte daqueles que estão sem ocupação faz parte da comunidade negra, amplamente mais afetada, se comparada aos brancos, tanto economicamente quanto em questões de acesso a saúde durante a pandemia. A desigualdade estrutural faz dos atos a oportunidade de ter voz. Os protestos antirracismo podem ser o estopim de outras demandas populares.
O maior trunfo de Trump até aqui, parece ser a incapacidade que democratas têm tido de capitalizar os protestos a seu favor. Monte destaca que "historicamente os negros tiveram apoio dos democratas no país, mas eles não conseguem transformar essa corrente de opinião em algo que possa ser levado até a eleição e que se torne uma bandeira contra o presidente e sua forma de agir. Democratas não encontraram o tom", finaliza.