Logo O POVO+
A pressão pela renda básica permanente
Economia

A pressão pela renda básica permanente

Em meio às incertezas para assistir os trabalhadores com o fim do auxílio emergencial, projeto prevê substituir Bolsa Família para combater o aumento da pobreza em razão da pandemia
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
O BANCO MUNDIAL define como extremamente pobre os que têm renda inferior a US$ 1,90 por dia (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves O BANCO MUNDIAL define como extremamente pobre os que têm renda inferior a US$ 1,90 por dia

A pressão para tornar a renda básica emergencial em permanente aumenta na medida em que o colapso econômico devido à pandemia arrasta milhões de pessoas para a extrema pobreza, mas ainda há muitas incertezas quanto à efetivação. Enquanto isso, o cenário é de índices de desemprego elevados em descompasso com a inflação dos alimentos disparando.

A esperança da vacina contra a Covid-19, prevista para 2021, também não chega aos vulneráveis. Ficou ainda mais difícil sobreviver. Todavia, até o momento, o Governo Federal não apresentou uma solução para reduzir os impactos aos trabalhadores que serão prejudicados com o fim do auxílio, com última parcela agendada para este mês.

Veio à pauta então a criação de um novo programa de renda mínima para substituir o Bolsa Família (BF), mas foi derrubado da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial por esbarrar no teto de gastos. Em contrapartida, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) enviou o projeto (PL 5.343/2020) que cria a Lei de Responsabilidade Social (LRS).

O texto prevê ampliar as transferências de renda e criar metas de redução da pobreza e extrema pobreza no País, com o remanejamento da dotação orçamentária do BF, emendas parlamentares, além do fundo do pré-sal para assistência social. 

Sem passar por comissão em razão da situação de calamidade pública, o relator designado foi o senador Antonio Anastasia (PSD-MG). Se a redação for aprovada, segue para votação na Câmara dos Deputados. Caso o processo não ande, ocorra recesso e o próximo ano se inicie com sistema diferente do atual, terá de passar pelas comissões.  

O projeto trabalha com três linhas de frente, a começar pelo Benefício de Renda Mínima (BRM), no qual compila os quatros incentivos concedidos pelo Bolsa Família em um, definindo o pagamento mensal para famílias vulneráveis. E duas poupanças compulsórias: uma para estudantes resgatarem após conclusão dos estudos, e outra para os trabalhadores terem recursos de emergência em situação de queda dos rendimentos.

É necessário um plano de longa duração e permanente, que venha auxiliar a parcela mais pobre da população e não deixe que nenhum brasileiro, de nenhuma classe de renda e localidade, venha a ter fome por falta de recursos", defendeu Tasso.

"Na ausência do Governo que, por uma série de razões e discussões internas, não conseguiu criar um plano como esse, uma série de economistas, sociólogos, acadêmicos e professores resolveram estudar com muita profundidade como fazê-lo permanente, com flexibilidade, mas, ao mesmo tempo, que tivesse metas objetivas de acabar com a pobreza”, complementou.

+ Leia a análise de Silvana Parente

Na avaliação de especialistas, o projeto está no caminho certo, mas ainda demandará ajustes. O professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e PhD em Desenvolvimento Regional, Lauro Chaves, lembra que o auxílio emergencial se mostrou uma experiência de programa de renda básica que atendeu mais de 68 milhões de brasileiros.

“Com o fim dele em dezembro, precisamos de novas alternativas para o poder público ter políticas que ajudem a combater a pobreza, extrema pobreza e desigualdade que tanto assolam a sociedade brasileira”, enfatiza.

Na avaliação dele, a vantagem do PL 5.343/2020 é plantar uma semente para a renda mínima no Brasil. Porém, inicialmente, terá um alcance pequeno para não ferir o teto de gastos. “Isso é o que mais nos preocupa. Nós precisamos de um programa robusto. Se antes da pandemia já tínhamos um nível de desemprego alarmante, de 11% a 12%, agora devemos fechar o ano em algo entre 14% a 16%”, explana.

“Precisamos de um modelo que beneficie os mais vulneráveis. Isso é socialmente aceitável e, economicamente, esses valores são injeção de consumo na veia, ajudando na recuperação da economia”, complementa. Lauro pondera que a LRS precisa encontrar uma equação que se adeque à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Ocorre que, no longo prazo, a manutenção das políticas públicas depende de uma gestão fiscal responsável. Os níveis de endividamento devem ser financiáveis pelo governo. Na outra ponta, as fontes de recursos não podem implicar mais impostos

Uma alternativa, explica, é trazer para a discussão da reforma tributária não apenas a simplificação dos tributos, mas a redução da carga sobre o consumo. Neste contexto, aumentaria a tributação sobre renda, patrimônio, lucros e dividendos, fazendo com que os que recebem mais e menos paguem proporcionalmente aos ganhos.

“No caso da LRS, você vai tirar esses recursos dos arrecadados de forma socialmente justa de quem tem mais, incluindo pessoas físicas e jurídicas, e criar uma rede de proteção social para os mais carentes. Ou seja, a LRS estará em conjunto, coerente e complementar à LRF. Somente desta forma vamos trazer benefício social e garantir uma gestão fiscal eficiente”, aponta.

A gerente de Programas & Incidência da Oxfam Brasil, Maitê Gauto, acrescenta que o PL veda a alteração de valor a partir de território, desconsiderando as assimetrias regionais. “A proposta define metas de redução da pobreza a nível nacional, mas sabe-se que as taxas de pobreza não são as mesmas no Sul e deste ante Norte e Nordeste”, frisa, destacando que, neste desenho, localidades distintas estarão em desvantagem em relação aos resultados.

Maitê aponta que também será necessário rever a utilização dos dados somente via Cadastro Único (CadÚnico), já que trabalhadores informais têm uma renda instável e isso pode dificultar processos. “É fundamental que a gente continue fazendo a discussão e pressionando o governo para não deixar esses grupos desamparados. A situação colocada pela pandemia, de perda da renda, não foi da noite para o dia. Uma série de pessoas já viviam nesta situação de informalidade e não dá para simplesmente deixá-las desamparadas, sem revisar as políticas para responder essas necessidades”, diz.

As linhas de frente do Benefício de Renda Mínima (BRM)

O Benefício de Renda Mínima (BRM) fará a unificação dos quatro tipos de incentivos concedidos pelo Bolsa Família (básico, variável, jovem e de superação da extrema pobreza) em um valor para completar a renda da família até atingir o patamar de R$ 125 per capita. O benefício será pago mensalmente às famílias; entenda como funcionará

Como serão definidos os beneficiários
Estarão aptos a entrar no programa as famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico). O sistema é um registro que permite ao governo saber quem são e como vivem as famílias de baixa renda no Brasil. Ele foi criado pelo Governo Federal, mas é operacionalizado e atualizado pelas prefeituras.

Como será o cálculo
A quantia paga à família equivalerá ao valor positivo do benefício per capita, que soma 100% dos benefícios previdenciários e 80% dos rendimentos mensais, multiplicado pelo número de pessoas da família. O valor de referência per capita é de R$ 125 mês, mas deverá ser reajustado anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo IBGE.

Ponto crítico 1
O texto veda (§ 6º) a diferenciação de valor ou desconto percentual em função de localização geográfica ou de indicadores econômicos e sociais. Ou seja, não considera as assimetrias regionais.

Ponto crítico 2
O texto prevê que o valor base pode ser alterado caso não haja dotação orçamentária. Fator que pode gerar nova instabilidade à renda das pessoas beneficiadas.

Previsão a partir dos dados do CadÚnico (2018)
Nº beneficiários: 13,2 milhões e valor médio de R$ 230 mensais.

Poupança Mais Educação

A Poupança Mais Educação (PME) consiste no depósito do valor de referência de R$ 20 mensais numa caderneta de poupança individualizada em favor de estudantes matriculados na rede de ensino, cujas famílias recebam o BRM.

Critérios

Alunos devem estar matriculados em qualquer série entre o primeiro ano do ensino fundamental e o último ano do ensino médio, regular ou profissionalizante.

Como será o saque

O montante somente poderá ser sacado quando o jovem concluir o ensino médio, permitindo na ocasião o saque de até R$ 3.253, em valores atuais.

Ponto crítico

O saque poderá ser efetuado quando, ao concluir o ensino médio, o estudante tenha, no máximo, três anos acima da idade certa de conclusão. Ou seja, aos 20 anos. Nesta condição, estudantes do programa de alfabetização de Educação de Jovens e Adultos (EJA) serão excluídos.

Previsão a partir dos dados do CadÚnico (2018)

Nº de beneficiários: 6,7 milhões de famílias e depósito médio de R$ 33 mensais por família. Valor total a ser retirado de R$ 3.253.

Poupança Seguro Família (PSF)

O PSF cria uma poupança emergencial a ser usada em situações de queda da renda, com depósitos mensais de cerca de R$ 40.

Critérios

As famílias que estiverem em faixa de renda suficientemente baixa para receber o BRM receberão um depósito mensal extra, equivalente a 15% do rendimento do trabalho de cada um de seus membros. Para as famílias que ultrapassarem o nível de renda do BRM, o percentual estará sujeito à redução gradativa, chegando a zero quando a renda per capita for cinco vezes superior ao valor de saída do BRM.

Ponto crítico

Trabalhadores informais têm uma renda instável. Portanto, condicionar o cálculo do benefício a essa informação pode ocasionar um gargalo na execução do programa, considerando que haverá dificuldade na rastreabilidade deste rendimento.

Fontes: Agência Senado, Maitê Gauto (Oxfam) e Lauro Chaves (Uece)

O que você achou desse conteúdo?