O Governo do Ceará assinou ontem um protocolo de intenções com a empresa australiana Enegix Energy para implantação de uma planta de produção de hidrogênio verde no Complexo do Pecém. O investimento é estimado em US$ 5,4 bilhões. Também firmou acordos com o próprio porto cearense, a Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) e a Universidade Federal do Ceará (UFC) para, a partir desta planta, estruturar um hub de hidrogênio verde - e toda a cadeia produtiva que gira em torno dele - no Estado.
O projeto é uma das principais apostas do Governo para impulsionar a economia cearense nas próximas décadas. E não sem razão. O hidrogênio, que é verde quando produzido a partir de fontes de energias renováveis, está sendo chamado de combustível do futuro, justamente por não emitir gás carbônico na atmosfera.
No caso do projeto cearense, deve ser montado no Complexo do Pecém uma planta de eletrólise que vai usar como insumos a energia eólica e solar. O método utiliza corrente elétrica para separar o hidrogênio do oxigênio que existe na água.
Ontem, em cerimônia virtual, o governador Camilo Santana destacou que o forte potencial eólico e solar do Estado, a localização geográfica privilegiada e a estrutura logística do Complexo do Pecém, colocam o Ceará em condição diferenciada neste mercado. "É a única energia verde que pode ser transportada. E com o potencial que temos no Estado, podemos transportar essa tecnologia para o mundo inteiro", afirmou.
Embora vários países e empresas já estejam investindo alto neste mercado, no mundo ainda não há produção de hidrogênio verde em larga escala. E é neste pioneirismo que o Governo foca para se tornar o principal produtor e exportador do combustível. "Nós estamos aqui dando o pontapé inicial para um momento que considero histórico para o Ceará."
O CEO da empresa australiana Enegix Energy, Wesley Cooke, que participou do evento de forma remota, ressaltou o potencial de geração de empregos do empreendimento. "Esse é um grande projeto que irá gerar milhares de empregos em sua construção, e centenas após o início da operação, ajudando a melhorar a vida de muitos cearenses."
O hub cearense tem a seu favor também a proximidade com o Porto de Roterdã, um dos acionistas do Complexo do Pecém e que também administra o porto holandês, que já é considerado um importante hub de energia para o noroeste da Europa. Até 2050, serão transportados, via Roterdã, 20 milhões de toneladas de hidrogênio verde. Deste montante, apenas 10% teriam condições de ser produzidos localmente. Ou seja, 90% precisará ser importado.
Ontem, dentre os protocolos assinados, está a criação de um grupo de trabalho que vai coordenar as ações para estruturação dessa cadeia produtiva no Estado. O reitor da UFC, Cândido Albuquerque, informou que as pesquisas que hoje já são realizadas na Universidade têm muito a agregar para o desenvolvimento do projeto. "Este hub significa que, ao contrário de esperar que outros países produzam para que nós importemos, estamos criando, inovando e empreendendo. Isso é essencial."
Ao falar do potencial do mercado, o presidente da Fiec, Ricardo Cavalcante, lembrou que a base industrial de muitos países já está sendo modificada para operar com a tecnologia. Mas há espaço também para uso do produto como combustível em diversas áreas, como a aviação. "Não tenho dúvidas de que isso poderá mudar o perfil socioeconômico do Estado."
Com o hub, o secretário de desenvolvimento econômico e trabalho (Sedet), Maia Junior, acredita que o Estado pode dar um salto também de geração de emprego e renda de maior valor agregado. "É um projeto de futuro. Hoje damos um pontapé importante para colhermos os frutos lá na frente."
Ele reforçou que o governo cearense também integra o projeto Pro QR, em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia e a Agência de Desenvolvimento Alemão, em pesquisas para produção de querosene de aviação a partir de hidrogênio verde. Inicialmente, a negociação é que o projeto piloto ocorra no terreno da Fraport, em Fortaleza. "É uma nova economia, limpa, descarbonizada, em linha com o meio ambiente e os cenários mundiais, e que vai proporcionar grandes riquezas e oportunidades para o povo cearense."
O que o Ceará tem a ganhar com o novo hub:
Exportações
Uma planta de hidrogênio verde, além de gerar emprego e renda no Estado, também pode inserir um novo nicho de produtos na pauta de exportação cearense.
Parques de energias renováveis
Hoje, o Ceará tem cerca de 2,4 GW de potência instalada, entre projetos eólicos e solares. Mas essa energia já está comercializada. Ou seja, para atender ao hub, seriam precisos novos projetos e em uma escala bem maior. O que viabilizaria, por exemplo, a implantação de plantas
eólicas offshore (no mar).
Indústrias, comércios e serviços
Estimula que mais indústrias, comércios e empresas de serviços se especializem no fornecimento de equipamentos e insumos para produção de hidrogênio do Estado. Dependendo da forma como esse hidrogênio for transportado há espaço para atração de empresas de liquefação de hidrogênio.
Substituição do carvão
Outras indústrias, como siderúrgicas, refinarias, cimenteiras, também podem fazer a conversão de processos para usar hidrogênio verde em substituição ao carvão e assim reduzir a emissão de CO2.
Água do mar
Abre oportunidade para uma usina de dessalinização da água do mar.
Biogás
Podem surgir plantas de biogás interessadas em produzir hidrogênio a partir de biomassa. Esse material também poderia ser escoado a partir do porto do Pecém.
Novas tecnologias
O projeto do hub prevê a criação de um laboratório especializado no Parque Tecnológico da UFC. O que pode significar um salto em termos de inovação.
Capacitação
Também há ganho em capital humano, na formação e especialização de profissionais neste setor.
Fonte: Complexo do Pecém
Parques eólicos atingem 2,1 GW de potência
Com 84 parques eólicos em operação e 1.066 aerogeradores, o Ceará atingiu no mês de fevereiro a marca de 2,1 GW de capacidade instalada. É o quarto maior produtor de energia eólica no Brasil. Os dados são do balanço divulgado ontem, 19, pela Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) que mostra que o setor responde por 10,3% da matriz energética brasileira. São 18 GW de capacidade instalada, em 695 parques eólicos e mais de 8.300 aerogeradores.
"Há exatos dez anos, em 2011, tínhamos menos de 1 GW de capacidade instalada e cá estamos nós comemorando 18 GW no início de 2021. É um feito impressionante, fruto não apenas dos bons ventos brasileiros, mas também de uma indústria que se dedicou a construir fábricas, trazer e implantar novas tecnologias e que se tornou muito competitiva", explica Elbia Gannoum, presidente da ABEEólica.
No ranking brasileiro de produção eólica, o Ceará está atrás apenas do Rio Grande do Norte (5,1 GW), Bahia (4,8 GW) e Piauí (2,2 GW). Mas, é o terceiro em número de parques e na quantidade de aerogeradores.
Gannoum acredita que até 2024, considerando apenas os leilões já realizados, o Brasil terá cerca de 28 GW de projetos eólicos. "Estes são números que devem ser comemorados e podem ser ainda maiores, porque não captam completamente o bom desempenho do mercado livre, que vai se somando a esses valores conforme os novos contratos vão sendo fechados." (Irna Cavalcante)