A greve deflagrada na Receita Federal após o corte de 50% no orçamento do órgão para 2022 foi marcada pelo início da chamada “operação padrão”, mas desde a última semana impacta os processos de importação e exportação no Ceará, com previsão de piorar e causar desabastecimento. Clarissa Gondim, CEO da Frota Aduaneira, conta que, desde a entrega dos cargos de chefia pelos servidores, a distribuição dos processos ficou parada, cargas se acumulam e os custos sobem nas instalações de portos e aeroportos.
Isso acontece, segundo ela explica, porque os chefes são os responsáveis pela divisão dos documentos, que seguem para análise dos fiscais. Sem essa etapa, a mercadoria segue parada esperando o andamento do processo. Com a operação padrão, os fiscais assumiram o compromisso de realizar todos os serviços já executados pela Receita, mas sem a agilidade necessária para bater as metas de atendimento.
E a previsão é piorar o cenário. Isso porque a categoria deve seguir os auditores da alfândega de Santos, que, ontem, decidiram que a análise, seleção e distribuição das declarações de importação, as chamadas DIs, serão feitas de modo mais criterioso, o que acarretará maior demora no fluxo do comércio exterior do Brasil.
"Em conjunto com as demais aduanas do País, que também estarão em operação-padrão, poderá ocorrer a lentidão na liberação de mercadorias e o desabastecimento no mercado", informa o Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), em nota.
O resultado é um custo maior das empresas para manter os produtos nos navios ou nas instalações dos portos e aeroportos. O custo do aluguel de contêiner, segundo estima a CEO da Frota Aduaneira, pode ser até 5 vezes maior do que o convencional se a carga ultrapassar o chamado “free time” (tempo de armazenamento acertado entre o armador e o importador). Calculado em dólar, o custo das empresas cearenses ainda sofre influência do câmbio.
“Eu só recebo quando a mercadoria sai. Meu prejuízo é esse. Mas tenho muitos clientes deixando de receber, de vender, deixando de fabricar... Isso é menos emprego, é impacto sobre a nossa economia”, ressalta Clarissa, acrescentando à conta o custo pago também aos portos e aeroportos pelo tempo em que a mercadoria fica nas instalações.
Hoje, a Frota Aduaneira conta apenas com quatro processos estacionados no Porto do Pecém, referentes a cargas de peças de motocicletas e bicicletas, óleo comestível e móveis. Mas isso acontece porque é fim de ano e a movimentação é tradicionalmente menor. Em média, a empresa movimenta entre 30 e 40 processos por mês entre Pecém, Porto do Mucuripe e Aeroporto Internacional de Fortaleza.
Ciente de que a situação de crise entre Receita Federal e Governo Federal não vai se resolver na última semana do ano, uma vez que a União sequer se mostrou disposta a iniciar o diálogo com os fiscais e o ministro Paulo Guedes segue de férias no exterior até o dia 8 de janeiro, a CEO da Frota Aduaneira teme pelos negócios programados para o início de 2022.
Para agravar a situação, ela ressalta ainda a adesão à greve dos auditores fiscais federais agropecuários – servidores e responsáveis pelos processos de competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A operação padrão foi deflagrada por eles hoje deve resultar em mais impacto para as operações de importação e exportação.
“Todos os clientes não estão satisfeitos com isso. Óbvio, porque ninguém gosta da economia parada, mas não há nada o que possa fazer. Não existe falar com alguém para desenrolar. E se for para escolher um lado, eu escolho o deles (auditores fiscais)”, ressalta, afirmando que entende a movimentação dos servidores para garantir mais recursos para a operação de fiscalização nos portos e aeroportos do País.
Clarissa conta ainda que tenta argumentar com os clientes que, “o que depende de nós é feito e todos os processos estão no sistema”, mas é preciso um entendimento entre os auditores e o Governo Federal para que a situação seja resolvida. “Infelizmente, a gente está no meio do caminho disso”, lamenta.
O Sindifisco de Santos se reuniu virtualmente nesta terça (28) com os auditores lotados na alfândega do Porto de Santos para tratar da operação-padrão, iniciada em 27/12, e da entrega coletiva dos cargos de chefia. A categoria reivindica a regulamentação do bônus de eficiência, pelo qual espera desde 2016, e a abertura de concurso público para recompor os quadros do órgão.
Na reunião, que contou com as presenças dos membros do gabinete do delegado da alfândega, ficou decidido de modo unânime que o movimento será acirrado e que a entrega coletiva de cargos deverá continuar nos próximos dias.
Na prática, a decisão tomada na reunião desta quarta significa que a análise, seleção e distribuição das declarações de importação, as chamadas DIs, será feita de modo mais criterioso, o que acarretará maior demora no fluxo do comércio exterior do país. Os auditores também concordaram em não participar de operações nem reuniões externas de trabalho. Além disso, serão suspensas as reuniões da COLFAC - Comissão Local de Facilitação do Comércio Exterior – que reúne integrantes de vários órgãos governamentais e intervenientes do comércio exterior. Em conjunto com as demais aduanas do país, que também estarão em operação-padrão, poderá ocorrer a lentidão na liberação de mercadorias e o desabastecimento no mercado.