O impacto do conflito entre Rússia e Ucrânia tende a ser mais danoso ao Brasil dentre todos os países da América Latina. O Brasil é o principal exportador da América Latina para Ucrânia e Rússia em produtos básicos de consumo ou insumos para a indústria. Na importação destacam-se bens de produção, como combustíveis e fertilizantes. A relação comercial do Brasil com os dois países envolve 6 bilhões de dólares em compras e vendas.
Em 2021, os negócios com a Rússia movimentaram de US$ 5,7 bilhões.. Somente em compras de fertilizantes e adubos, tivemos ampliação de demanda da ordem de 62% somente em 2021, o que fez alcançar os US$ 3,531 bilhões em compras vindas da Rússia.
A relação comercial do Brasil com a Ucrânia estava em crescimento acelerado até o início das invasões russas. Em 2021, as importações brasileiras de produtos ucranianos somaram US$ 211 milhões (dólares americanos). O valor representa um crescimento de 196% no comparativo com 2020. Na base das transações comerciais entre Brasil e Ucrânia estão produtos à base de ferro e aço, que sozinhos computam acumularam alta de 728% no volume das importações feitas pelo Brasil em 2021 ante 2020.
No contexto geral, a Ucrânia representa 53% de todo o mercado fornecedor de tais produtos ao Brasil, fato que deve impactar diretamente nos preços deles no mercado nacional.
Olhando para a pauta de relações comerciais do Ceará com os dois países, destaque para as compras de combustíveis minerais (US$ 66,9 milhões em 2021), com destaque para os US$ 57,7 milhões em hulha betuminosa vindos da Rússia. Russos e ucranianos também vendem ao Ceará produtos de ferro e aço com destino ao Complexo do Pecém (US$ 36,3 milhões e US$ 20,5 milhões, respectivamente, em 2021).
Estudo realizado pelo Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (CIN/Fiec) ainda aponta que, com o aumento das conexões das cadeias globais, as sanções aplicadas à Rússia podem afetar as exportações e importações brasileiras. No primeiro momento, caso o Brasil não encontre outro produtor no mercado global, isso pode afetar o desenvolvimento de lavouras que abastecem a exportação agrícola nacional.
A gerente do CIN, Karina Frota, destaca o quanto esse conflito pode desencadear problemas no comércio internacional. "Tradicionalmente, esses conflitos geopolíticos tem potencial expressivo de afetar economias principalmente através do encarecimento de preços de ativos. E a extensão desses prejuízos dependem do poderio das nações envolvidas no conflito na economia global. Quando falamos de Rússia e Ucrânia, temos dois exportadores de produtos importantes, como 30% do trigo do mercado internacional, combustíveis e energia, além dos metais industriais, como alumínio".
Para além do impacto direto, há ainda o impacto indireto: grandes exportadores de combustíveis e alimentos na Europa, sem a participação russa e ucraniana nesses mercados, a cadeia global de suprimentos deve ser afetada. Só essa previsão já vem gerando efeitos negativos.
O principal temor fica por conta das altas do dólar e do barril de petróleo Brent no mercado internacional. Os dois fatores são decisivos no repasse dos preços dos combustíveis no Brasil. Por enquanto, a Petrobras sinalizou que não pretende repassar, de imediato, a intensificação da alta (com Brent rompendo o patamar de US 100), decidindo observar um pouco mais o comportamento da commodity antes de decidir sobre o reajuste. A estatal também afastou riscos de abastecimento do mercado doméstico, diante dos temores de que o conflito Leste Europeu desequilibre o fluxo de óleo e gás natural no mundo.
O doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Relações Internacionais e professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), Mauro Rochlin, entende que o conflito tem potencial para elevar o patamar inflacionário no Brasil, assim como diminuir a quantidade de dólares circulando no mercado brasileiro, já que os investidores tendem a procurar mercados mais seguros nesses tempos de crise, o que desvaloriza o real ante o dólar.
Mauro destaca que as commodities produzidas por Rússia e Ucrânia, devem encarecer, consequentemente, o preço dos produtos que dependem dessas commodities ficarem mais caros, como os combustíveis, pães, massas e biscoitos, além do frango e da carne, pois o milho é base da ração. "Vivemos numa economia cada vez mais globalizada que sente os efeitos de movimentos que acontecem em outros continentes", analisa. (Colaborou Alan Magno)
Rússia encontra alternativas para sanções com energia, ouro e até criptomoedas
As duras sanções impostas à Rússia e a consequente queda do rublo fazem o Kremlin lutar para manter a economia do país funcionando. Para o presidente russo, Vladimir Putin, isso significa encontrar soluções alternativas para o bloqueio econômico ocidental, mesmo que suas forças continuem a invadir a Ucrânia.
Ex-funcionários do Departamento do Tesouro e especialistas em sanções esperam que a Rússia tente mitigar o impacto das penalidades confiando nas vendas de energia e apoiando-se nas reservas em ouro e moeda chinesa.
Putin também deve movimentar fundos através de bancos menores e contas de famílias de elite não cobertas pelas sanções, negociar criptomoedas e confiar no relacionamento da Rússia com a China. No momento, "as duas maiores avenidas que a Rússia tem são a China e a energia", disse John Smith, ex-diretor do braço de inteligência e fiscalização financeira do Tesouro.
Os Estados Unidos e a União Europeia impuseram sanções aos maiores bancos da Rússia e sua elite, congelaram os ativos do Banco Central russo localizados fora do país e excluíram suas instituições financeiras do sistema de mensagens bancárias Swift, mas permitiram amplamente que seu petróleo e gás natural continuem a fluir livremente para o resto do mundo.
Embora a Rússia provavelmente se aproxime da China para compensar a perda de suprimentos de bens e serviços que normalmente obteria do ocidente, "eles também estão apostando que seus enormes suprimentos de energia continuarão sendo demandados, principalmente durante este inverno frio. Há muito mais lucro a ser obtido com sua energia se eles puderem colocá-la no mercado", avalia Smith.
No mês passado, Rússia e China assinaram um acordo de 30 anos que permitirá à Rússia fornecer gás à China, mas o encanamento para levar esse gás não seja concluído por pelo menos 3 anos.
Além disso, a China anunciou na semana passada que permitiria pela primeira vez a importação de trigo de todas as partes da Rússia. No entanto, Smith disse que os chineses e outros países "vão conduzir barganhas incrivelmente difíceis" agora que a Rússia tem menos compradores dispostos, e a China vai querer evitar estar sujeita a sanções secundárias ou aplicação de violações de sanções.
Uma maior dependência de criptomoedas será um caminho inevitável para a Rússia tentar sustentar suas transações financeiras, afirmou David Szakonyi, professor de ciência política da Universidade George Washington. "Mas é improvável que sirva como substituto para transações corporativas ao longo do tempo."
Embora cerca de 80% das transações financeiras da Rússia no passado tenham sido feitas com o dólar, autoridades federais e autoridades do Tesouro estão intensificando os esforços para "combater agressivamente" o uso indevido de criptomoedas para evitar sanções, de acordo com um funcionário da Casa Branca que falou sob condição de anonimato.
Ele não comentou se o governo americano está avaliando as exchanges de criptomoedas baseadas na Rússia como alvo para sanções. (Agência Estado)
NEUTRALIDADE ANTE A GUERRA E A POLÍTICA
O Brasil é neutro na guerra entre Ucrânia e Rússia, segundo o presidente Jair Bolsonaro. O impacto da decisão ainda será medido nos próximos dias. Uma das preocupações do Planalto, no entanto, é com o abastecimento de fertilizantes. O Brasil importa mais de 80% dos fertilizantes utilizados na produção agrícola, e tem parceria comercial com os russos, um dos maiores produtores do insumo no mundo. A falta de posicionamento, no entanto, incomoda outros países.